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Redes sociais devem garantir ambiente seguro, diz advogada

Especialista concorda com portaria do Ministério da Justiça e Segurança Pública

Conteúdos ilícitos têm sido disseminados pelas redes sociais

As plataformas de redes sociais têm atuado com práticas que violam obrigações previstas no direito do consumidor, de assegurar ambientes seguros de utilização do serviço que não ponham em risco a saúde, a vida e a dignidade das pessoas. A opinião é de Flávia Lefèvre Guimarães, advogada especializada em direito do consumidor e direitos digitais.

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A posição coincide com o teor de uma portaria editada pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), na quarta-feira (12), que define obrigações para essas empresas, incluindo a remoção imediata de conteúdos que fazem apologia à violência nas escolas. “Eu apoio a portaria. Estamos falando de conteúdos ilícitos, danosos, que fazem apologia à violência”, diz Flávia.

Ela lembra que a disseminação desse tipo de conteúdo é ilegal. “Considerando que as plataformas têm obrigação de garantir um ambiente seguro aos usuários, ela não pode ficar omissa e passiva diante do que tem acontecido nas redes”, reforça.

Nas últimas semanas houve mais dois atentados e ameaças de ataques têm se propagado pelo Brasil, o que dissemina pânico e temor entre alunos e familiares. Segundo o MJSP, a Operação Escola Segura já resultou em centenas de prisões, apreensões de adolescentes e buscas em todo o país.

A edição da medida levantou preocupações de especialistas e entidades da sociedade civil sobre impactos na liberdade de expressão. O ato administrativo tem poder de remover conteúdos das redes sociais e até suspender o serviço, como anunciou o ministro Flávio Dino, se as empresas não cumprirem as obrigações previstas.

Para Flávia, a ação é correta e tem incidência definida, que é especificamente a remoção de conteúdos ilegais de propagação de violência, o que justificaria a ação do Estado de forma emergencial. “Quando a gente tem um aparente conflito entre dois direitos, a própria Constituição diz que é preciso aplicar o princípio da proporcionalidade”, aponta.

Quais bens jurídicos estão em jogo e contemplados na portaria? “A segurança das crianças e adolescentes e de seus pais, que estão sujeitos a essa campanha terrorista, e a liberdade de expressão. A medida, portanto, é proporcional diante dos bens [jurídicos] colocados em risco”, observa. “A única crítica que eu faria é que essas medidas têm caráter excepcional, emergencial, então teria sido importante que a norma previsse um prazo de vigência.”

Omissão

A advogada lembra que a portaria ajuda a romper com um ciclo grave de omissão por parte dessas empresas, o que gerou consequências desastrosas para o ambiente democrático do país, ao menos nos últimos cinco anos. “A gente tem visto uma escalada muito grande, desde 2017, com participação ativa das plataformas na difusão de ódio, discursos ilegais e que comprometem a saúde pública, como vimos durante a pandemia, e a própria democracia, como ocorreu nas eleições de 2018 e 2022.”

Como exemplo, Flávia cita uma pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), do ano passado, que aponta 75% da desinformação em relação a medicamentos ineficazes contra a covid-19 e desestímulo à vacina. O material foi veiculado pelo Facebook.

Um dos pontos que a portaria tenta rebater é a ideia de que as plataformas são meras reprodutoras de conteúdos de terceiros. “Elas são mediadoras dos conteúdos exibidos para os usuários, já que definem o que será exibido, o que pode ser moderado, o alcance das publicações, a recomendação de conteúdos e contas. Assim, não são agentes neutros em relação aos conteúdos que nela transitam”, diz o ato normativo do MJSP.

Modelo de negócios

Uma das explicações para uma situação generalizada de omissão por parte das plataformas de redes sociais está ligada a seu modelo de negócios, que se estrutura sobre o uso de dados de usuários para venda de aplicações e análise de clientes para oferta de serviços e produtos. Conteúdos que garantem engajamento nessas redes são financeiramente atraentes para as empresas.

Flávia lembra que esse tipo de conteúdo de violência e de ódio proporciona mais engajamento e mais ganhos para a plataforma. A regulação, então, é uma garantia democrática. “São empresas privadas cuja atuação afeta direitos fundamentais e interesse público, porque elas têm controle, com seus algoritmos, sobre fluxo de informação. É um poder imenso. E o uso de algoritmos e inteligência artificial, somado ao controle mundial de mercado, exige regulação pública”, defende.

Regras

Entre outros pontos, a portaria exige o compartilhamento, entre as plataformas e as autoridades policiais, de dados que permitam a identificação do usuário ou do terminal utilizado para publicar o conteúdo considerado violento. Esse trabalho ficará sob a coordenação da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), vinculada ao MJSP.

Segundo a portaria, a Senasp pode determinar às plataformas que impeçam a criação de novos perfis a partir de endereços de protocolo de internet (endereço IP) em que já foram detectadas atividades ilegais, danosas e perigosas. Além disso, a Senasp vai instituir um banco de dados de conteúdos ilegais, com links, imagens, vídeos e outros, para facilitar a identificação pelos sistemas automatizados das plataformas e garantir que sejam rapidamente removidos.

A portaria não determina prazos específicos de remoção, mas Dino diz que deverá adotar como padrão o prazo máximo de duas horas — o mesmo usado pela Justiça Eleitoral nas eleições de 2022. No âmbito do direito do consumidor, a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) vai instaurar processos administrativos para apuração de responsabilidade de cada empresa em relação à eventual violação do “dever de segurança e de cuidado” das plataformas em relação a conteúdos violentos contra comunidades escolares.

O descumprimento das medidas pode acarretar aplicação de multas que de até R$ 12 milhões. Além disso, nos casos mais graves, pode haver até mesmo na suspensão administrativa dos serviços das redes sociais no país.

Outro lado

Após enviar uma representante para se reunir com o ministro da Justiça na segunda-feira (10), o Google (que controla o YouTube) afirmou, em nota, que participou do encontro “em uma demonstração do comprometimento com as autoridades públicas brasileiras no enfrentamento de desafios sociais, como os recentes episódios de violência em escolas”.

A empresa diz, ainda, que tem parceria com órgãos públicos e organizações da sociedade civil em prol da segurança das pessoas contra conteúdos nocivos que violam políticas e desrespeitam Diretrizes de Comunidade definidas pela companhia. Um exemplo são aqueles que propagam discursos de ódio e outras violências. “Além disso, anualmente, produzimos dados em resposta a milhares de pedidos de autoridades para instrução de investigações criminais no Brasil”, afirma.

A reportagem da Itatiaia entrou em contato com a Meta (responsável por Facebook e Instagram) e o TikTok para saber qual o posicionamento das empresas em relação à portaria. Quando houver resposta, este conteúdo será atualizado. O Twitter, que não tem mais representação no Brasil, normalmente responde a solicitações da imprensa com emoji de cocô a partir de um e-mail internacional.

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