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Sites educacionais de SP e MG monitoravam estudantes

Investigação da Human Rights Watch aponta a prática, mas envolvidos a negam

Crianças e adolescentes foram rastreados online

Crianças e adolescentes de Minas Gerais e São Paulo foram rastreados nos sites criados pelas secretarias de Educação de ambos os Estados. Isso ocorreu nos endereços criados para oferecer ensino a distância durante a pandemia. As informações obtidas no monitoramento foram enviadas para empresas especializadas em publicidade.

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Um relatório da Human Rights Watch (HRW), sobre uma investigação iniciada em novembro de 2022, revela a prática. A apuração da organização aponta que outros cinco sites educacionais fizeram o mesmo. Com as informações, as empresas de publicidade direcionam conteúdos e anúncios personalizados para os usuários.

Os sites apontados são o Estude em Casa, da secretaria de Educação de Minas Gerais (SEE-MG) — agora chamado de “Se Liga na Educação” —, o Centro de Mídias, da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (Seduc-SP), o Descomplica, o Escola Mais, o Explicaê, o Mangahigh e o Stoodi. Todos os envolvidos negam a prática.

Além de monitorar os alunos nas salas de aula virtuais, eles observavam a navegação deles na internet fora do horário escolar. Com isso, puderam obter informações sobre a vida privada de crianças e adolescentes. Nenhum dos sites divulga plenamente suas práticas de rastreamento, “que permanecem invisíveis para usuários”.

Hye Jung Han, pesquisadora de direitos das crianças e tecnologia da HRW, alerta que essas informações podem ser analisadas para descobrir características e interesses pessoais de um indivíduo e prever como ele pode ser influenciado. “Alguns sites coletaram informações pessoais que uma criança digitou em um formulário, como nomes, números de telefone, endereços de e-mail e nível de escolaridade, mesmo antes de a criança clicar em enviar.”

Segundo ela, as empresas não responderam às perguntas da HRW nem reconheceram o recebimento de dados de crianças. “Eles não responderam se têm procedimentos para impedi-los de receber ou usar dados de crianças para publicidade comportamental. Sem proteções eficazes, essas empresas parecem usar os dados das crianças da mesma forma que usam os dados dos adultos.”

Chiara de Teffé, professora de Direito Civil e Tecnologia no Ibmec RJ, lembra, em entrevista ao g1, que a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), em vigor desde 2020, estabelece que o tratamento de dados pessoais desse público deve ser realizado “em seu melhor interesse”. “O melhor interesse é um princípio internacionalmente reconhecido, de forma que a criança e o adolescente têm de ser tratados com prioridade absoluta. É obrigatório que haja políticas de proteção mais amplas.”

Além disso, a LGPD estabelece que o tratamento de dados pessoais somente pode ser realizado mediante o “fornecimento de consentimento pelo titular”. Para a HRW, a coleta dos dados e o direcionamento de publicidade para crianças e adolescentes “violam de forma inadmissível sua privacidade”.

Chiara aponta que, para que as informações sejam usadas para publicidade, isso deve ficar muito claro nas políticas da plataforma. “Tinham de ter coletado um consentimento específico dos pais. [...] Nós temos leis suficientes para tratar a questão, mas é importante que haja maior rigor na aplicação da lei e na fiscalização”, destaca.

“Estude em casa”, de MG

Em maio de 2022, a HRW informou que o Estude em Casa enviava os dados dos usuários para a divisão de publicidade de uma empresa terceirizada. Isso ocorria a partir de quatro rastreadores de anúncios, três cookies de terceiros e a ferramenta “públicos de remarketing”, do Google Analytics.

A partir isso, o site direcionava anúncios aos usuários enquanto eles navegavam na internet. A SEE-MG, procurada em abril de 2022 pela HRW, disse que não coletava nem utilizava informações dos estudantes. Em novembro do ano passado e em janeiro deste ano, porém, a HRW verificou que o site “continuou a enviar dados de usuários para a empresa terceirizada”.

Após novo comunicação, a SEE-MG “prontamente removeu todo o rastreamento de anúncios do Estude em Casa em 24 de março de 2023", segundo a HRW. “Esse avanço demonstra que é possível construir e oferecer serviços educacionais para crianças e adolescentes que não comprometam seus dados e sua privacidade.”

Ao g1, a SEE-MG diz que “o site Estude em Casa, desenvolvido por analistas/técnicos da pasta, não utiliza nem coleta dados de alunos, pois não exige nenhum tipo de login para acesso à plataforma”. “Assim, a ferramenta não coloca os dados dos usuários em risco, tampouco repassa-os a terceiros”, completa. O órgão informa, ainda, que análises técnicas são realizadas periodicamente e que todo o processo é feito “em diálogo com a HRW, que assessora a SEE/MG na manutenção da total proteção virtual à privacidade dos dados de crianças e adolescentes”.

“Centro de Mídias da Educação”, de SP

Dados coletados pela HRW em maio e novembro de 2022 e em janeiro de 2023, apontam que o site enviava informações dos usuários a duas empresas terceirizadas “por meio de quatro rastreadores de anúncios, incluindo um script de rastreamento que poderia permitir a publicidade”. A Seduc-SP não respondeu a quatro pedidos de esclarecimento da HRW e ainda endossa o “uso de sete sites educacionais que coletam dados pessoais de estudantes”.

Em contato com o g1, a Seduc-SP diz que o aplicativo do Centro de Mídias, para plataformas Android/iOS/Web, tem tratamento de dados reduzido somente ao necessário e que “todos os dados gerados são anonimizados e utilizados para a construção de políticas públicas voltadas aos próprios estudantes da rede”. Além disso, “são utilizados mecanismos de segurança em conformidade com a LGPD para garantir a privacidade das informações pessoais e impedir vazamento de dados, com mecanismos de criptografia”.

Já os aplicativos parceiros da Seduc-SP assinam um acordo de confidencialidade. Se o descumprirem, podem responder nos âmbitos civil, administrativo e criminal. “A nova gestão da Seduc-SP conta com um time de tecnologia permanente que está revendo e aprimorando os sistemas da rede, de modo a corrigir eventuais falhas ou erros de desempenho ou segurança.”

Empresas envolvidas

Em nota ao g1, o Explicaê afirma que “nenhum dado, seja ele telefone ou e-mail, é coletado sem permissão, conhecimento e aceite dos Termos de Uso e Políticas de Privacidade, por parte do usuário da plataforma”. “Todas as ferramentas utilizadas buscam proporcionar uma melhor experiência aos usuários. Os Ad Trackers, por exemplo, são voltados ao público maior de 18 anos, que recebe anúncios personalizados de acordo com seu perfil de consumo.”

A Escola Mais diz que não usa dados de alunos em seu site para quaisquer fins e que sua política de privacidade está adequada à legislação. “A escola não vende nem repassa dados de alunos a terceiros, ao contrário do que aponta o relatório. A Escola Mais oferece ensino presencial a mais de 3 mil alunos em 9 unidades físicas nos estados de São Paulo e Santa Catarina. Nosso site institucional é utilizado apenas para divulgar comercialmente a escola, com informações destinadas a adultos interessados em conhecer as unidades e os métodos pedagógicos desenvolvidos”, destaca.

A Descomplica, por sua vez, informa que “atua em total conformidade com a LGPD”. “Vale esclarecer que a empresa não teve acesso à íntegra da pesquisa nem aos fundamentos para as alegações feitas neste material. A Descomplica reitera que são inverídicas as afirmações sobre coleta e repasse de dados de quaisquer públicos para empresas terceiras.” Em contato com as empresas Mangahigh e Stoodi, o g1 não recebeu resposta.