Andaimes montados, latas de tinta chegando sem parar e equipamentos prontos. Nesta segunda-feira (18), começaram os trabalhos para colorir as 34 casas do Aglomerado da Serra, na região Centro-Sul de Belo Horizonte. As fachadas formarão um macromural coletivo — parecido com o que já pode ser visto por quem passa pela avenida Nossa Senhora do Carmo, no Morro do Papagaio.
O ''Serrão’’ que é conhecido por seus bailes funk, tem como um dos pontos mais tradicionais a rua da Água, que aparece no refrão de “Baby, eu ‘tava na Rua da Água”, de MC Menor RV e TR. O nome da rua tem relação direta com a história da maior favela de Minas Gerais e, agora
O Aglomerado da Serra é divida em oito vilas, mas o que muita gente não sabe é que, antes disso, os moradores se localizam na comunidade — que abriga mais de 46 mil pessoas — a partir das “três águas”.
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“Não havia água encanada, então a referência eram as bicas onde a gente buscava água. Eu ainda vivi essa fase quando era criança”, contou a moradora Kátia Damasceno, de 43 anos. Uma dessas correntes vem das nascentes dos córregos Acaba Mundo, da Serra e do Cardoso, que nasce na Vila Cafezal e segue seu curso pela Cardoso, passando pela avenida Mem de Sá até desaguar no Arrudas.
O artista, dançarino e produtor cultural Wallison Culu, de 40 anos, é nascido e criado na famosa rua da Água. “Nasci e cresci na Rua da Água, que tem uma história de muita luta, de carregar lata d’água e lavar roupa nas biquinhas. Hoje, com a modernidade e o protagonismo do funk, essa vivência ganha novos significados, mas continua ligada ao nosso passado e ao território que a gente construiu”, disse.
Assim nasceu o tema do MAMU: “Águas da Serra”, que tem à frente Juliana Flores, diretora artística e curadora, q
Capacitação
A participação da comunidade é um dos pilares de todas as edições do MAMU. Segundo a organização, cerca de 50% da equipe contratada é formada por moradores do próprio Aglomerado da Serra, incluindo artistas, produtores culturais e prestadores de serviço.
Nesta segunda-feira (18), foi realizada a capacitação dos trabalhadores que atuarão nas alturas. O treinamento segue a Norma Regulamentadora 35 (trabalho em altura). Além de ensinar técnicas de prevenção de acidentes, inclui orientações sobre o uso adequado dos Equipamentos de Proteção Individual (EPI), procedimentos em situações de emergência e noções de primeiros socorros.
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Raissa Delmontes, conhecida como RIPPINGS, de 28 anos, artista visual, skatista, foi uma das participantes. “Eu nasci e cresci aqui na Serra. Hoje, a gente aprendeu várias técnicas de segurança que vão ser essenciais nesse processo. Eu já pintei antes, mas não em uma altura como essa, então vai ser a primeira vez”, contou. Ao ser questionada sobre o medo de altura, ela brincou: “Vamos descobrir”.
O desenho
O desenho que vai se formar ainda é um mistério para os moradores. Para a Kátia, que vive há quatro décadas na comunidade, será a primeira vez vendo o lugar com as fachadas coloridas. “A expectativa está a mil. É uma cultura muito bacana e, sem contar, a beleza que fica”, disse.
Diferente das edições anteriores — que podiam ser vistas de avenidas importantes, como Antônio Carlos e Nossa Senhora do Carmo —, desta vez o desenho foi pensado para dentro da comunidade.
O bairro Alto Vera Cruz, localizado na região leste de Belo Horizonte, foi o primeiro a entrar para o mapa da arte urbana com um mural composto por pinturas em 41 casas
“Antes a ideia era sempre ter essa visada para o asfalto, para a avenida, para a cidade, para as pessoas enxergarem a favela. Só que o ‘Serrão’ já tem muita visibilidade. Aqui é uma comunidade que recebe todo mundo, as pessoas sobem para as festas e, por ser a maior favela de Minas Gerais, achei que fazia mais sentido voltar o olhar para dentro”, explicou Juliana.
O mural terá vista da Praça do Cardoso, privilegiando quem passa pela famosa Avenida Cardoso, via que dá acesso à praça.
Programação cultural
O projeto promoverá atividades culturais voltadas para a comunidade, como a pintura do canão, oficinas com crianças na Rua da Água e a tradicional festa de encerramento, que contará com apresentações de artistas da própria Serra.
“Ao longo dessas quatro semanas de pintura, vamos ter também uma programação especial, que ainda será divulgada, com curadoria do Kdu dos Anjos, uma liderança daqui. Será uma programação que articula várias potências e ações artísticas”, acrescentou Juliana.
Outras edições
• Alto Vera Cruz (2018): O primeiro mural, com 41 casas, criado pela dupla Cosmic Boys (Zéh Palito e Rimon Guimarães), resultando em um painel vibrante e colaborativo.
• Vila Nova Cachoeirinha (2022): Um mural visível da Avenida Antônio Carlos, pintado pela artista Criola, um dos maiores nomes do graffiti no Brasil.
• Morro do Papagaio (2024): A terceira edição contou com um macromural da artista capixaba Kika Carvalho em 40 casas, inspirado na série “Brasões” e com imagens de pipas que remetem a símbolos afro-diaspóricos.