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Projeto que transforma casas de comunidades em grande tela a céu aberto chega ao Aglomerado da Serra, em BH

A 4ª edição do Morro Arte Mural Urbano (MAMU) destacará a importância dos mananciais na maior favela de Minas; pinturas começam em 18 de agosto

Da direita para a esquerda: Aglomerado da Serra, na região Centro-Sul, e Morro do Papagaio, também na Centro-Sul

Quem passa pela avenida Nossa Senhora do Carmo, no sentido Centro, se surpreende com as casas coloridas, com imagens de pipas, que formam um grande desenho no Morro do Papagaio, na região Centro-Sul de Belo Horizonte. Agora, o mesmo projeto — o Morro Arte Mural Urbano (MAMU) — chega ao Aglomerado da Serra, na mesma região, a maior favela de Minas Gerais.

Trinta e quatro casas da comunidade vão se transformar em uma grande galeria ao ar livre por meio do projeto, que realiza intervenções artísticas nas fachadas das residências, formando um macromural coletivo.

A quarta edição do MAMU tem como tema “Águas da Serra”, escolhido após conversas com os moradores, que falaram sobre a preocupação com a preservação dos mananciais que cortam o morro e sua importância histórica para a formação do “Serrão”.

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Mural colorido toma forma nas paredes do Morro do Papagaio, em BH

“O tema surgiu primeiro como uma ideia durante uma visita ao aglomerado. Naquele dia, compartilhei com meu amigo e multiartista Kdu dos Anjos esse desejo de que a 4ª edição pudesse ser realizada ali. Durante a conversa, entre alguns detalhes e lembranças, Kdu me contou que a comunidade se geolocaliza dentro do território com a divisão de ‘três águas’. Aquilo ficou na minha cabeça”, contou Juliana Flores, diretora artística e curadora do MAMU, também responsável por outro projeto de intervenção urbana bem conhecido dos belo-horizontinos, o Circuito Urbano de Arte (CURA).

Ela relembra que voltou ao Serrão com parte da equipe para uma visita técnica, quando a pauta da água voltou aparecer. “A gente até ouvia, ao caminhar pelas vielas, os sons dos córregos e pequenas quedas d’água. Não tinha dúvidas, Águas da Serra seria o tema desta nossa edição”, acrescentou.

O bairro Alto Vera Cruz, localizado na região leste de Belo Horizonte, foi o primeiro a entrar para o mapa da arte urbana com um mural composto por pinturas em 41 casas

Juliana explica que o Aglomerado da Serra é cortado por diversos pontos hídricos. “Os mais conhecidos pelos moradores são a primeira água, que ao percorrer o território vira a segunda água e, depois, a terceira. Essas águas desempenham papel fundamental no abastecimento de Belo Horizonte”, afirmou.

Segundo ela, além da função ecológica, esses córregos também carregam memórias históricas. “Os moradores relatam que, antigamente, as águas eram usadas para lavar roupa, cozinhar e tomar banho. Portanto, elas não só ajudam a contar a história do Aglomerado, mas falam de sobrevivência, preservação, cultura local e organização do território. Representam também a conexão entre a comunidade, a natureza e a cidade”, completou.

Andaimes a postos

As obras começaram oficialmente no dia 14 de julho, com a instalação dos andaimes. A pintura está prevista para ocorrer entre 18 de agosto e 14 de setembro. Diferentemente das edições anteriores — cujos murais eram voltados para avenidas movimentadas da capital —, o novo macromural poderá ser visto da Praça do Cardoso e da Avenida Cardoso, valorizando o olhar interno da própria comunidade.

A missão ficou nas mãos — ou nos pincéis — do artista Jorge dos Anjos. Formado em Artes Plásticas pela Fundação de Arte de Ouro Preto (FAOP), ele é reconhecido como Mestre do Notório Saber pela UFMG. Sua produção transita entre escultura, desenho, pintura e instalações.

Jorge dos Anjos esculpiu várias obras, a maioria delas com expressões e manifestações culturais afro-brasileiras, e, que estão instaladas em Belo Horizonte, como o Portal da Memória, monumento feito em homenagem às matrizes culturais africanas na Lagoa da Pampulha

“Jorge dos Anjos foi convidado por sua relevância no cenário da arte contemporânea brasileira e sua forte conexão com temas como ancestralidade e espiritualidade afro-brasileira. Embora o mural seja assinado por ele, a execução envolve diretamente os artistas locais, fortalecendo a proposta coletiva do projeto”, explicou Juliana.

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Envolvimento da comunidade

A participação da comunidade é um dos pilares de todas as edições do MAMU. Segundo Fatini Forbeck, diretora criativa do projeto, cerca de 50% da equipe contratada é composta por moradores do próprio Aglomerado da Serra, entre eles, artistas, produtores culturais e prestadores de serviço.

“Os moradores contribuem desde a aprovação da proposta, ajudam na mobilização com os vizinhos, colaboram com a equipe de comunicação e integram também a equipe de pintura. Procuramos valorizar a economia local contratando serviços dentro do território, como a alimentação da equipe”, afirmou.

Fatini destaca ainda que o projeto promoverá atividades culturais voltadas para a comunidade, como a Pintura do Canão, oficinas com crianças na Rua da Água e a tradicional Festa de Encerramento, que contará com apresentações de artistas da própria Serra. “As duas atividades ainda terão mais informações em breve”, completou.

Outras edições

Alto Vera Cruz (2018): O primeiro mural, com 41 casas, criado pela dupla Cosmic Boys (Zéh Palito e Rimon Guimarães), resultando em um painel vibrante e colaborativo.

Vila Nova Cachoeirinha (2022): Um mural visível da Avenida Antônio Carlos, pintado pela artista Criola, um dos maiores nomes do graffiti no Brasil.

Morro do Papagaio (2024): A terceira edição contou com um macromural da artista capixaba Kika Carvalho em 40 casas, inspirado na série “Brasões” e com imagens de pipas que remetem a símbolos afro-diaspóricos.

Formou-se em jornalismo pela PUC Minas e trabalhou como repórter do caderno de Gerais do jornal Estado de Minas. Na Itatiaia, cobre principalmente Cidades, Brasil e Mundo.