Quem passa pela avenida Nossa Senhora do Carmo, em BH, já consegue ver os desenhos tomando forma, em tons de azul, em dezenas de casas do Morro do Papagaio, na região Centro-Sul. Trata-se da 3ª edição do Morro Arte Mural (MUMA),
O Morro do Papagaio é uma das favelas mais antigas e populosas da capital. A trabalhadora de serviços gerais Neide Maria, de 43 anos, mora lá desde que nasceu e se emocionou ao contar que faz parte do projeto. Na fachada da sua casa é possível ver os traços de uma pomba branca. “A pomba, para mim, tem significado muito especial. Sou evangélica e a bíblia fala que a pomba é o espírito santo de Deus. Para mim, significa que espírito santo de Deus habita minha casa, e o Senhor continua cuidando de nós”, disse.
A pomba é um dos “Brasões” feitos pela artista capixaba Kika Carvalho, criadora da obra que vai tomando forma no local. Para ela, o animal é símbolo de liberdade e dividirá o grande mural com os desenhos de um punho de resistência — símbolo pela luta do movimento negro — e uma pipa.
“Comecei com o projeto em 2020, quando eu me apropriei da imagem da referência da pipa para fazer a alusão a esses emblemas familiares. Esse desejo partiu da minha experiência como uma arte educadora, dando oficina de arte para crianças e adolescentes das periferias de Vitória. Na época, eu tinha a intenção de aproximar simbologias da cultura afro-brasileira do cotidiano delas através da brincadeira. Foi aí que ocorreu a produção das pipas. Por conta desse projeto, fui convidada a participar”, contou.
O Morro do Papagaio é uma das favelas mais antigas e populosas da capital
A jovem, que tem obras expostas em Inhotim (Brumadinho/MG) e na Pinacoteca (São Paulo/SP), além de países como Portugal, Itália e Estados Unidos, tem como foco o retrato de mulheres negras e a cultura de matriz africana.
O “Brasões” virou pintura em tela e chamou atenção da produção do MAMU. “Quando decidimos realizar a edição no Morro do Papagaio, veio a ideia de dialogar com o nome. Conhecíamos e admirávamos o trabalho da Kika e achamos muito interessante, porque o trabalho dela não só dialoga com a própria imagem do papagaio, mas, também, com a história do povo preto no Brasil”, disse Juliana Flores, da Pública Agência de Arte, que está à frente do projeto.
No mural de Kika, serão usados quase mil litros de tinta para dar cor a mais de 3 mil metros quadrados de superfície. “São quase dez pessoas aí pintando durante quatro semanas”, acrescentou.
Economia na favela
Um dos pilares do projeto é contar com a comunidade como parte da equipe de trabalhadores e fornecedores. “Mais da metade da nossa equipe é formada por fornecedores de alimento, fornecedores de material de construção, trabalho de fotografia contratados da comunidade. A gente não quer só entregar uma grande obra, mas, também, fazer a economia circular no morro”, explicou.
A pintora Laiza Natália, conhecida como Branca, de 21 anos, é uma das jovens que segura o pincel. Apesar dos anos de experiência, ela contou que nunca tinha feito nenhum trabalho como esse. “Pinto desde os 13 anos. Pintar está no meu sangue e achei muito legal poder participar”, disse. Para a colega Úrsula Beatriz, de 28, tudo é novidade. “Nunca tinha feito isso. Estou amando, mas meu medo é subir nos andaimes. Mas, devagarzinho, um auxiliando o outro, vou me superando”, contou. Ela e toda equipe participaram de uma formação por meio de oficinas.
Além de dar oportunidades aos moradores, Úrsula acredita que, estar entre vizinhos, faz com que tudo ocorra em sintonia. “Como a gente já conhece a maioria das pessoas, fica mais fácil a comunicação, fica mais fácil entrar na casa da pessoa, tem um vínculo de confiança”, disse.
‘Bagunça boa’
A rotina mudou desde que as pinturas começaram. Neide divide a pequena casa com o esposo, um gato e um cachorro e descreve a experiência de ter sua casa pintada como “uma bagunça boa”: “Traz brilho, traz alegria e traz uma satisfação imensa para os nossos corações”, avaliou.
Cleide Rodrigues, de 42 anos, que nasceu no Morro do Papagaio, ficou feliz com a possibilidade de ter a casa colorida. “O projeto veio ajudar. Antes, a parede da minha casa era só no tijolo. Não tinha reboco e, hoje, devido ao projeto, e Graças a Deus, ganhei. Estou gostando muito”, contou.
A previsão é que o mural fique pronto no dia 30 de junho, quando ocorrerá uma festa de encerramento. O projeto já coloriu as comunidades do Cruzeirinho, no Alto Vera Cruz, região Leste, em 2018, e a Vila Nova Cachoeirinha, na região Noroeste de BH, em 2022.
MAMU na Vila Nova Cachoeirinha, em BH, em 2022