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Polícia investiga construtora suspeita de desviar toneladas de materiais de obras de luxo na Grande BH

Empresa nega e aponta problemas em razão da pandemia de Covid-19, mas sócios já foram indiciados pela Polícia Civil

Obra contratada por médico não evoluiu conforme acordado

‘O espaço que você sempre sonhou feito do melhor jeito’. O slogan é da SCA Gerenciamento e Projetos, construtora de Belo Horizonte que atende clientes de alto padrão na Grande BH. Apesar da promessa, a empresa é investigada pela Polícia Civil por transformar o sonho de vários consumidores em pesadelo, causando prejuízo que pode chegar à casa dos milhões. A reportagem constatou que a SCA é parte em 16 processos no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG).

A Itatiaia teve acesso a todos os casos, conversou com clientes e apurou que os sócios da empresa já foram indiciados por estelionato pela Polícia Civil. Mesmo assim, a SCA continua fechando novos contratos, inclusive para construções em condomínios de Nova Lima, da Grande BH.

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Entre os clientes que acionaram a Justiça, estão um policial e um médico. Este chegou a pagar cerca de R$ 900 mil para a SCA, mas a construção da casa de alto padrão, de 455 metros quadrados, no bairro Santa Lúcia, lado Centro-Sul de BH, não foi concluída.

É o caso do médico que ilustra a primeira de duas reportagens sobre a SCA.

R$ 1,8 milhão

Conforme advogados que representam o médico, o valor do contrato firmado com a SCA , em junho de 2022, foi de R$ 1,8 milhão. A construtora teria que executar projeto feito por uma das principais empresas de arquitetura de Belo Horizonte. Ainda de acordo com a defesa, o médico desconfiou que algo estava errado somente depois que funcionários da própria SCA o alertaram.

“A estimativa do contrato era de, aproximadamente, R$ 1,8 milhão, mas o que se percebeu foi o desvio de recursos financeiros, de materiais durante a fase inicial da construção, quando ainda estava se tratando sobre a terraplanagem, fundação da estrutura básica da casa. No entanto, foi percebida não só a aquisição de materiais desnecessários, que não se aplicavam para essa etapa da obra, mas também quantidades absurdas de material para outros endereços de entrega”, disse o advogado Geovane Ferreira Pires.

Entre esses materiais, estão 39 toneladas de argamassa, 27 toneladas de cimento, além de vasos sanitários, pisos e rejuntes. A defesa aponta, ainda, que parte do material foi entregue em um endereço de Conselheiro Lafaiete, cidade da região Central de Minas, que fica a 100 km da obra.

“Isso é possível constatar por meio de notas fiscais. Considerando que estamos tratando de uma fundação, de uma etapa estrutural bem básica de uma construção, não faria sentido contratar argamassa. No entanto, meu cliente foi compelido, digamos assim, foi induzido a adquirir 39 toneladas de argamassa destinadas ao município de Conselheiro Lafaiete, completamente fora do destino da obra que aqui em Belo Horizonte, no bairro Santa Lúcia”, disse o advogado.

Notas anexadas no processos mostram entregas em endereço de Conselheiro Lafaiete

Além do prejuízo financeiro, o advogado destaca que os problemas com a obra acabaram com o sonho de uma família inteira.

“É uma construção de luxo. Na verdade, não se trata só de uma casa, mas de uma realização de um sonho. Estamos falando da casa de uma família com pais e filhos que sonharam com essa residência, contrataram um escritório de arquitetura renomado para colocar em prática a idealização desse sonho. São pessoas extremamente idôneas, de boa-fé, tanto que se viram vítimas, principalmente baseado nos levantamentos prévios, de um cenário de fraude, de desvios, um cenário de pedaladas”, disse Geovane.

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Sem planilhas

O advogado explica que o médico repassou, inicialmente, R$ 492 mil à empresa, que tem como sócios Pedro Otávio Alfenas da Silva e Marcelo Matos Correa Cançado. No entanto, a SCA não fornecia planilhas com as medições e tinha executado R$ 58 mil, referente à terraplagem. Apesar de a obra avançar lentamente, os pedidos de repasse continuavam e atingiram quase R$ 900 mil.

“Estranhamente, a construtora não fornecia as medições, não fornecia as planilhas detalhadas sobre esse custo. Até que houve uma denúncia de um funcionário da própria empresa, um empreiteiro que trabalhava nessa própria empresa, de que o valor que estava sendo pago não estava sendo utilizado na própria obra. Aí o cliente começou a buscar informações e começou a exigir essas medições e prestação de contas que não vinham sendo fornecidas, apesar de a previsão contratual determinar essa prestação. Quando foram apurar o que estava acontecendo, se depararam com notas fiscais, demonstrando entregas de grande quantidade de material para outros destinos, como Conselheiro Lafaiete, na sua maioria”, apontou Geovane, que destaca ainda que o prejuízo do cliente só não foi maior porque eles conseguiram a devolução de parte do valor pago diretamente com fornecedores.

Obra não evoluiu, apesar dos pagamentos

O advogado ressaltou ainda que os clientes da empresa são de alto poder aquisitivo, o que, para ele, reforça a habilidade dos sócios da empresa de convencê-los a fechar contrato.

BO

Conforme Boletim de Ocorrência registrado pelo médico em abril de 2023, perícia particular contratado por ele após receber as denúncias de desvios constatou que as execuções das fundações não estavam corretas, fluxo financeiro incompatível com a cronologia da obra, além de problemas na fundação.

Tentativa de acordo

O advogado informou que um acordo com um valor menor que o pago pelo cliente chegou a ser encaminhado, mas os sócios recuaram quando foram exigidas garantias para o cumprimento dos termos.

“Foi feita uma proposta pelo representante da empresa, Pedro Alfenas, no valor de R$ 420 mil em 120 parcelas de R$ 3.500. O desespero do meu cliente era tão grande que ele chegou a cogitar esse parcelamento em 120 parcelas. Quando fomos colocar isso em um instrumento e exigir alguma garantia, o próprio Pedro deixou claro que a empresa estava passando algumas dificuldades”.

O que diz a SCA?

Procurada pela Itatiaia, a SCA diz tratar de um caso de “denunciação caluniosa”. A empresa foi questionada sobre os indiciamentos feitos pela Polícia Civil, mas não respondeu. “Ambos clientes solicitaram a interrupção dos contratos. Esse desacordo comercial está gerando denunciação caluniosa. Nosso jurídico está acompanhando os fatos. Prestamos todos os esclarecimentos junto à PCMG. Não houve desvios, seguimos o contrato e respeitamos a decisão de rescisão dos clientes. Fomos chamados a prestar depoimento na PCMG. Prestamos os esclarecimentos e deixamos com a PCMG para dar seguimento nas apurações. Reforçamos que se trata de um desacordo comercial”.

A mensagem, enviada por WhatsApp, destaca ainda que os desacordos comerciais aumentaram com a pandemia de Covid-19. “Ainda existem reflexos em diversos setores. Nenhuma ação trabalhista ficou sem solução. Estamos trabalhando, firmes para resolvermos todas as pendências com fornecedores. Já negociamos e estamos quitando diversos acordos e faremos o mesmo, em todos os casos e contratos, onde houver culpa comprovada”.

Indiciamento

A Polícia Civil indiciou dois sócios da empresa. No momento, a corporação cumpre novas diligências, pedidas pelo Ministério Público, que avalia denunciar o caso à justiça. Outro inquérito está em andamento em Nova Lima, apurando fatos relacionados à mesma empresa. Leia a nota na íntegra:

A Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG) informa que concluiu um inquérito policial sobre os fatos registrados no mês de julho de 2021, em Nova Lima, sendo dois homens, de 34 e 38 anos, indiciados, a princípio, pelo crime de estelionato.

O procedimento investigativo foi relatado e remetido à justiça em dezembro de 2022, tendo o Ministério Público solicitado o cumprimento de outras diligências, as quais encontram-se em andamento a cargo da 3ª Delegacia de Polícia Civil de Nova Lima.

A PCMG esclarece que outro inquérito policial segue em tramitação a cargo da 3ª Delegacia Especializada em Investigação de Fraudes, na capital, para apurar fatos registrados em abril de 2023, em desfavor dos envolvidos.


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Jornalista formado pela Newton Paiva. É repórter da rádio Itatiaia desde 2013, com atuação em todas editorias. Atualmente, está na editoria de cidades.