Toda viagem que se preze, em Minas, começa no trem. Pois é da Estação Central de Belo Horizonte, bem cedo, que parte a locomotiva rumo a regiões produtoras do queijo minas artesanal. Três horas e uma baldeação depois, é no Santuário do Caraça, fundado em 1774 por um fugitivo da Coroa Portuguesa, onde vamos buscar os segredos do jeitinho mineiro de se fazer queijo - tradição que acaba de ser reconhecida como patrimônio imaterial da humanidade.
A honraria concedida pela UNESCO reconhece os modos de produção da iguaria que não falta na mesa do mineiro e abre a cozinha do estado para o mundo com gosto de novidade: este é o primeiro alimento brasileiro a integrar a lista de bens imateriais. Nesta semana, foram reconhecidos, na mesma reunião que consagrou o queijo minas, práticas e saberes tradicionais pelo mundo. Estão entre eles a guarânia do Paraguai, ritmo musical “primo” do sertanejo, o sabão artesanal de Alepo, na Síria, um tipo de pão feito no Afeganistão, danças típicas da Albânia e outras manifestações importantíssimas - mas aposto que você prefere um queijo minas.
Costume de família
Das 10 regiões produtoras do alimento em Minas, a reportagem da Itatiaia visita três nesta semana. A primeira, chamada Entre Serras da Piedade ao Caraça, a produtora Mirtes Maria da Fonseca estava radiante. “É um orgulho para nós, reconhece nosso trabalho. Vai ajudar em tudo, porque o queijo é o carro-chefe, mas temos também doces, quitandas…”, enumera a produtora, que chega a fazer cinco queijos por dia.
“Eu aprendi com meus avós, é receita de família do século XIX que estou reproduzindo”, pontua.
Renilda Aparecida Fonseca tem nas mãos um queijo de primeira. O D’Água Limpa, que conduz com o marido e o filho, foi premiado nas últimas três edições do torneiro leiteiro de Santa Bárbara (MG).
“É tudo artesanal, o mais natural e caseiro possível. Esse prêmio vai fazer o queijo ficar conhecido no mundo todo, e se antes a gente nem tinha registro, agora fica tranquilo com as pessoas procurando”, compara.
Território Queijeiro
As seis cidades produtoras de queijo na região Entre Serras da Piedade e do Caraça são:
• Barão de Cocais
• Bom Jesus
• Catas Altas
• Rio Piraciacaba
• Santa Bárbara
• Caeté, a única destas que fica na Grande BH.
O secretário de Turismo, Cultura e Patrimônio, Pedro Conceição, reforça o benefício para as comunidades ao verem suas antigas receitas reconhecidas.
“Vai muito além da renda. É o resgate das nossas raízes, um reconhecimento do jeito que o povo da montanha vive, produz e interage com seu território”, opina.
Pedro Henrique Araújo Caldeira, presidente da Associação dos Produtores de Queijo da região do entre serras, vê um caminho de ganho de qualidade para quem ainda vive da atividade informal. “Isso vai cativar mais produtores. Quem é informal não aparece. Com o selo sanitário, você garante qualidade ao consumidor e tranquilidade a quem produz”, explica.
Queijo ilegal
O queijo minas artesanal já foi um produto de venda “ilegal” para outros estados: até o início dos anos 2000, o Ministério da Agricultura só certificava queijos pasteurizados ou com maturação acima de 60 dias, desconsiderando a tradição do uso do leite cru. A legislação, considerada até preconceituosa, só foi alterada em Minas em 2002. Em nível federal, só em 2013 uma normativa autorizou a venda a outros estados do queijo minas artesanal com maturação inferior a 60 dias.
O engenheiro Édson Custódio da Silva, da Emater, explica que a entidade auxilia em todas as fases buscando a excelência do queijo.
“São necessárias boas práticas agropecuárias, da matéria-prima à preservação ambiental, conforto animal, práticas de higiene. Auxiliamos no controle de qualidade e na legislação sanitária”, exemplifica.
Isso vai além de atender a uma norma: cria oportunidades no campo para quem não via sentido em seguir a carreira dos pais. “O reconhecimento como patrimônio da humanidade é um resgate para as pessoas do campo. Diz ao jovem que não pensava em seguir a tradição de família que ele pode tirar o sustento daquilo e empreender. O programa do queijo minas artesanal é um dos mais lindos e promissores que já vi”, derrete-se o engenheiro passando o olho na farta mesa de quitutes.
* A reportagem viajou a convite da Secult/MG