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O que significa quando uma pessoa permanece em silêncio para evitar conflitos, segundo a psicologia?

“Existem três grandes estilos de comunicação”, explica Lara Ferreiro

Por trás do silêncio, há medo, aponta a especialista

Em qualquer relacionamento, seja amoroso, de amizade ou familiar, a forma como nos comunicamos afeta profundamente a qualidade do vínculo.

No entanto, nem todas as pessoas se expressam da mesma maneira. Algumas tendem a dizer o que pensam sem filtros, enquanto outras evitam o confronto a todo custo.

E estas últimas, que escolhem o silêncio para evitar conflitos, formam um perfil que a psicóloga Lara Ferreiro conhece muito bem. Por isso, ela explica por que esse comportamento acontece, quais são as suas consequências e, principalmente, como ele pode ser mudado.

Os três estilos de comunicação: agressivo, submisso-passivo e assertivo

“Existem três grandes estilos de comunicação”, explica Lara Ferreiro. “O primeiro é o agressivo, representado pelos leões, aquelas pessoas que adoram conflitos e dizem tudo o que pensam. O segundo é o submisso-passivo, os ratinhos, que se calam ou dizem o que acham que o outro quer ouvir. E, por fim, estão os assertivos, os golfinhos, que não pisam nem se deixam pisar”. Neste caso, estamos falando dos “ratinhos”, ou seja, das pessoas que, por diversos motivos, reprimem o que sentem.

Por que algumas pessoas preferem se calar

Por trás do silêncio, há medo. “Muitas pessoas temem expressar o que sentem por medo da rejeição ou do abandono. Elas acreditam que, se ficarem caladas, não serão abandonadas. É uma estratégia inconsciente para manter vínculos, mesmo que seja à custa do próprio bem-estar”, afirma a especialista.

Em outros casos, a origem está na infância. “Elas cresceram em ambientes onde houve gritos, brigas, violência... e aprenderam que é melhor calar. Pode até haver um trauma intergeracional, com mães ou avós submissas que transmitiram esse padrão”.

Às vezes, também há uma falta de habilidades comunicativas. “São pessoas que não sabem como abordar um assunto, e isso gera tanta ansiedade que preferem se calar”. O medo do “o que vão pensar” também pesa: “Elas acham que, se disserem o que pensam, parecerão rudes, arrogantes... Essas crenças limitantes as bloqueiam”.

Além disso, pode existir a ideia equivocada de que ser “boa pessoa” significa ficar em silêncio. “Muitas pessoas acreditam que ser boas pessoas é não reclamar, perdoar, aguentar. Mas não, ser uma boa pessoa não significa deixar que se aproveitem de você. Algumas sentem que, se disserem o que pensam, estão sendo egoístas, quando, na verdade, estão protegendo sua saúde emocional”.

Altamente sensíveis e ansiosos: os que mais evitam conflitos

Segundo a especialista, há pessoas que são especialmente sensíveis a conflitos, como as PAS (Pessoas Altamente Sensíveis). “O cérebro delas reage com muita intensidade ao estresse. Eu mesma sou uma delas. Para mim, o conflito gera tensão, embora eu tente dizer o que penso de forma carinhosa”. Estudos como os da Universidade de Harvard confirmam que essas pessoas tendem a evitar confrontos.

“Também acontece com quem tem ansiedade social, transtornos de ansiedade não tratados ou apego evitativo, que se afastam emocionalmente para se proteger”. É um mecanismo de defesa que se manifesta tanto em homens quanto em mulheres, embora, segundo a especialista, os homens tenham uma maior tendência a esse apego evitativo.

Um aprendizado desde a infância

Como a especialista explicou, calar-se pode ser uma estratégia aprendida muito cedo. “Muitos vêm de famílias com tabus emocionais, onde não se falava dos problemas. Ou tiveram pais autoritários ou ausentes. Tudo isso influencia muito”. Ferreiro também se refere ao “reforço do silêncio": quando calar-se evita um conflito, o cérebro interpreta isso como uma estratégia válida.

Crianças que não tiveram suas emoções validadas também tendem a ter esse comportamento. “Frases como ‘cala a boca’, ‘não chore’, ‘isso é coisa de menina’ ou ‘você é um exagerado’ fazem com que a criança aprenda que expressar o que sente é errado”.

Existe também outro perfil muito comum: o das crianças “parentalizadas”, que tiveram que cuidar de pais com problemas emocionais. “Em vez de receberem cuidados, eles os davam. Não podiam expressar emoções porque tinham que estar disponíveis para os adultos”.

As consequências de se calar demais

Independentemente da origem, calar-se de forma sistemática tem efeitos devastadores. “O primeiro: acúmulo emocional. Tudo o que você não diz fica dentro de você e, em algum momento, explode. Pode levar a explosões de raiva, insônia, ansiedade...”.

Há também uma perda de identidade. “Se você se cala sempre, renuncia a quem você é. Deixa de ter personalidade própria”. Essa repressão emocional pode se transformar em somatizações: “dores musculares, problemas digestivos, doenças psicossomáticas”.

E isso afeta os relacionamentos. “Eles acabam sendo pouco autênticos, desequilibrados, até mesmo abusivos. Pessoas que não sabem impor limites acabam em relações onde apenas cedem e o outro impõe. Elas sentem culpa, ressentimento e sua autoestima se deteriora”.

É possível mudar: a chave está na terapia

A boa notícia, segundo Lara Ferreiro, é que esse padrão pode ser mudado. “Não é algo inato, mas aprendido. E é um dos motivos de consulta mais frequentes na terapia. É possível trabalhar com a terapia cognitivo-comportamental: mudando crenças limitantes, aumentando a autoestima, melhorando a inteligência emocional”.

A psicóloga defende firmemente a assertividade. "É um treinamento. Aprender a dizer o que pensa e impor limites. Eu sou totalmente fã. O autorrespeito começa por saber dizer não. E isso pode ser aprendido em poucas semanas”.

Como ajudar alguém que sempre se cala?

As pessoas que estão ao redor de alguém que sempre se cala e cede também podem ajudar. Como? Criando espaços seguros onde essa pessoa possa falar. Validar suas emoções com frases como “eu te entendo”, fazer perguntas abertas, sem pressionar. Não se deve falar por elas, mas sim acompanhar o processo. E dar o exemplo, mostrando como limites podem ser impostos de forma saudável. Reforçar cada avanço e ter paciência. As mudanças levam tempo.

O que você pode fazer por si mesmo

Há várias ferramentas que ajudam a quebrar esse padrão:

Iniciar um processo de terapia individual.

Praticar a auto-observação e cuidar da sua conversa interna. Por exemplo, se alguém fura a fila do supermercado, em vez de pensar “já estão me fazendo de bobo”, você pode dizer a si mesmo: “ok, aos poucos vou impor limites”, e então dizer: “com licença, a fila está lá atrás”.

Aprender a dizer não em pequenas coisas. Substituir frases autocríticas por outras como “eu tenho o direito de dizer o que penso”.

Usar técnicas como a do “disco riscado": repetir a mesma mensagem sem se justificar. Por exemplo: “sinto muito, não posso te emprestar o carro”.

Usar o WhatsApp para ganhar tempo. Se alguém te pede algo que você não pode conceder, como emprestar dinheiro, responda mais tarde com uma mensagem clara: “sinto muito, não posso te emprestar”. Assim, você evita dizer sim na hora por pressão.

Você também pode usar esse canal para expressar coisas que não disse pessoalmente: “olha, o que você disse na frente das pessoas me fez sentir mal. Eu gostaria de pedir que isso não aconteça de novo”.

Falar, diz Ferreiro, é fundamental para o autorrespeito. Se você não o faz, sente que estão tirando vantagem de você.

Quando procurar ajuda profissional?

Quando você sentir ansiedade, insônia, dores físicas sem explicação aparente. Se houver isolamento social para evitar conflitos. Se você se culpar por falar ou por se calar. Se repetir o mesmo padrão em todos os seus relacionamentos e se sentir invisível ou maltratado. Quando houver traumas não resolvidos ou explosões de raiva incontroladas. Tudo isso é um sinal de que você precisa de ajuda.

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Graduado em Jornalismo e Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Atuou como repórter das editorias de Política, Economia e Esportes antes de assumir o cargo de chefe de reportagem do portal da Itatiaia.