Ouvindo...

Smartphone contrabandeado revela como Kim Jong-un monitora os norte-coreanos até nos mínimos detalhes

Dispositivo analisado pela BBC mostra vigilância extrema e censura linguística como parte da estratégia do regime para isolar a população da influência sul-coreana

Um smartphone contrabandeado da Coreia do Norte revelou práticas altamente invasivas utilizadas pelo regime de Kim Jong-un para controlar seus cidadãos. O aparelho, semelhante a um celular comum por fora, possui sistemas internos que censuram linguagem, monitoram o uso e reportam discretamente o comportamento do usuário às autoridades.

Segundo investigação da BBC, o celular em questão alertava usuários sobre o uso de gírias sul-coreanas e substituía automaticamente palavras como “ Coreia do Sul” por “estado fantoche”. A cada cinco minutos, o aparelho fazia capturas de tela em segredo e armazenava as imagens em uma pasta oculta, possivelmente acessível ao governo.

Ao tentar digitar a palavra “oppa” - popular na Coreia do Sul como forma carinhosa de se referir ao namorado - o sistema corrigia automaticamente para “camarada”. Um aviso então surgia, lembrando o usuário de que “oppa” só pode ser usado para irmãos mais velhos.

Leia também

‘Guerra da informação’

Essas práticas foram reveladas após a organização sul-coreana Daily NK conseguir retirar secretamente o aparelho da Coreia do Norte no fim de 2023. “Os smartphones agora são parte fundamental do modo como a Coreia do Norte tenta doutrinar as pessoas”, afirmou, ao New York Post, Martyn Williams, especialista em tecnologia norte-coreana do Stimson Center, nos EUA. Ele alertou que o país está “começando a ganhar vantagem” na guerra da informação.

O regime também criminalizou oficialmente o uso de sotaques e expressões sul-coreanas. Patrulhas conhecidas como ‘esquadrões de repressão juvenil’ percorrem as ruas monitorando o comportamento de jovens. Kang Gyuri, uma dissidente de 24 anos que fugiu para o Sul em 2023, relatou que frequentemente tinha seu celular confiscado para que suas mensagens fossem analisadas.

A intensificação do controle digital é uma resposta direta à tentativa do governo sul-coreano de enviar mensagens subversivas ao Norte, com o objetivo de mostrar à população norte-coreana a diferença de vida entre os dois países. Apesar das restrições, emissoras conseguem transmitir informações por ondas de rádio durante a madrugada. Além disso, milhares de pendrives e cartões SD com músicas de K-pop e novelas sul-coreanas continuam sendo contrabandeados, muitas vezes escondidos em caixas de frutas.

Segundo o New York Post, boa parte dessas ações é financiada pelo governo dos EUA. Contudo, cortes de ajuda promovidos por Donald Trump durante sua presidência levantaram preocupações sobre uma possível vantagem crescente de Kim no controle da informação. “O motivo desse controle é que grande parte da mitologia em torno da família Kim é inventada. Muito do que dizem ao povo são mentiras”, concluiu Williams.

Jornalista graduado com ênfase em multimídia pelo Centro Universitário Una. Com mais de 10 anos de experiência em jornalismo digital, é repórter do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Antes, trabalhou na Revista Encontro e nas agências de comunicação FBK e Viver