As redes sociais se tornaram espaços que, além da interação entre os usuários, promovem debates e exposições de opiniões de todos os tipos entre as conexões. Com essa popularização, surgiu um termo conhecido como “cancelamento”.
O “cancelamento” é a prática de repudiar publicamente uma pessoa por atitudes ou opiniões consideradas inaceitáveis. Vale ressaltar, que o fenômeno não acontece apenas nas redes sociais, mas também na televisão e até na vida fora da internet.
Embora funcione como uma forma de pressão social, especialistas alertam que os efeitos do “cancelamento” podem ser profundos e perigosos. A exposição negativa pode gerar impactos emocionais duradouros na mente humana que vão muito além da esfera virtual.
O psicólogo Alexander Bez, especialista em relacionamentos pela Universidade de Miami (UM), nos Estados Unidos (EUA), ponderou que os efeitos do “cancelamento” incluem ansiedade, depressão, transtornos alimentares e do sono, podendo levar ao estresse pós-traumático.
De acordo com o Bez, que também é especialista em ansiedade e síndrome do pânico pela Universidade da Califórnia (UCLA) e em Saúde Mental, psicologia é essencial tanto para aliviar os sintomas causados pelo cancelamento quanto para ajudar o indivíduo a ressignificar a experiência.
Confira a entrevista do psicólogo Alexander Bez à Itatiaia:
1. Como o cancelamento nas redes sociais pode afetar o indivíduo?
Vivemos em uma era fortemente marcada pela presença das mídias sociais. Mesmo que alguns optem por se afastar delas, a maioria das pessoas ainda interage, consome conteúdo e lucra por meio dessas plataformas. Por isso, o cancelamento, que é um fenômeno típico das redes, precisa ser compreendido nesse contexto. O cancelamento ocorre, geralmente, quando alguém expressa uma opinião considerada ofensiva ou inadequada por parte do público. Embora todos tenham direito à liberdade de expressão, essa liberdade vem com responsabilidades e limites. Quando esses limites são ultrapassados, o cancelamento pode surgir como forma de resposta coletiva. As consequências psicológicas podem ser sérias: ansiedade, depressão, transtornos alimentares e do sono, entre outros. Em casos mais graves, pode levar até ao estresse pós-traumático, especialmente quando a pessoa depende profissional ou financeiramente das redes. Quanto maior essa dependência, maior o impacto do cancelamento.
2. Como a vítima deve agir para preservar a saúde mental?
A primeira etapa é entender o motivo do cancelamento: a crítica foi injusta ou houve realmente um erro? Se a pessoa acredita ter sido injustiçada e está segura de seus argumentos — com base em fatos e responsabilidade —, ela pode enfrentar a situação com mais equilíbrio. Já nos casos em que houve erro, é importante reconhecer, aprender e ajustar o comportamento. Evitar posturas radicais, especialmente em temas polarizados como política, é essencial. O radicalismo, de qualquer lado, aumenta as chances de ser alvo de cancelamento. Outro ponto fundamental é desenvolver autoconsciência, refletir sobre as próprias atitudes e buscar conhecimento sobre o que mudou nas normas sociais. Se os efeitos emocionais forem intensos, a terapia é altamente recomendada. Em alguns casos, o acompanhamento psiquiátrico com uso de ansiolíticos ou antidepressivos pode ser necessário. Atividades físicas, pausas nas redes sociais e práticas de autocuidado também ajudam no processo de recuperação.
3. E se a pessoa não puder se afastar da internet?
Se não houver possibilidade de se desligar temporariamente das redes, como no caso de influenciadores ou profissionais que dependem delas, é preciso agir com estratégia. Manter a calma, reorganizar o conteúdo postado, mudar a postura e adotar um posicionamento mais cuidadoso são medidas fundamentais. A pessoa deve, com o tempo, reconquistar a confiança do público por meio de consistência, responsabilidade e mudança real. Isso pode levar semanas ou meses, e exige paciência. Além disso, estudar casos semelhantes e entender o que costuma levar ao cancelamento pode ajudar a evitar novas situações semelhantes.
4. Como a psicologia pode ajudar?
A psicologia é essencial tanto para aliviar os sintomas causados pelo cancelamento quanto para ajudar o indivíduo a ressignificar a experiência. Através da escuta, do acolhimento e de técnicas específicas, o psicólogo pode apoiar o desenvolvimento da chamada “maturidade midiática”, ou seja, a capacidade de interagir nas redes com mais consciência e equilíbrio. Nos casos mais severos, a psicoterapia pode ser combinada com o uso de medicamentos, prescritos por um psiquiatra, para lidar com transtornos de ansiedade ou depressão gerados pelo episódio.
5. Algo a acrescentar?
Acredito que é fundamental que cada pessoa assuma responsabilidade pelo que publica. É possível expor opiniões, inclusive críticas, desde que com respeito, embasamento e empatia. Evitar discursos de ódio, extremismo e atitudes ofensivas é o melhor caminho para preservar tanto a saúde mental quanto as relações nas redes. Ser verdadeiro não significa ser agressivo. E ter voz não significa deixar de lado a responsabilidade sobre o impacto que suas palavras causam.