Ouvindo...

Acordo de Mariana: por que escritório da ação na Inglaterra é processado no Brasil e pode ter que pagar R$ 45 milhões?

Ação Civil Pública destaca possíveis cláusulas abusivas nos contratos firmados entre o escritório Pogust Goodhead e atingidos pela tragédia de Fundão; empresa alega pressão aos clientes

Rompimento da Barragem de Fundão, em Mariana

Uma Ação Civil Pública foi ajuizada no Brasil pelo Ministério Público Federal (MPF), Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), Ministério Público do Espírito Santo (MPES), e as Defensorias Públicas do Espírito Santo (DP/ES), Minas Gerais (DP/MG) e da União (DPU) sobre a atuação do escritório de advocacia Pogust Goodhead, que representa mais de 620 mil vítimas da tragédia de Fundão, em Mariana, na ação de Londres, e seu colaborador no Brasil, Hotta Advocacia.

A ação pede indenização de mais de R$ 45 milhões e aponta que os contratos firmados entre esses escritórios e as vítimas contêm cláusulas consideradas abusivas, gerando prejuízos aos atingidos e limitando sua autonomia.

Leia também

Uma das principais acusações é a cobrança de honorários sobre indenizações recebidas no Brasil, mesmo quando não há atuação direta do escritório estrangeiro nos processos brasileiros. Outra cláusula abusiva seria a que proíbe os clientes de firmarem acordos diretamente nas demandas ou processos no Brasil, sob pena de serem responsabilizados por danos sofridos pelos advogados. Há também cláusulas que prevêem indenizações ao escritório caso o cliente desista da ação em Londres, o que, segundo a ação, limita a autonomia dos clientes.

A Ação Civil Pública pede, entre outras coisas, a declaração de nulidade das cláusulas, a suspensão de sua exigibilidade e a aplicação da legislação brasileira aos contratos. Também requer a restituição de valores indevidamente cobrados e a condenação dos escritórios ao pagamento de indenização por danos morais coletivos no valor de R$ 45.525.200,00.

De acordo com os órgãos de Justiça, o objetivo é garantir que os atingidos pelo desastre de Mariana possam exercer seus direitos sem restrições indevidas.

Falta de transparência

Ainda segundo a ação, o escritório teria criado uma plataforma online para que os atingidos comparassem valores estimados de indenização na ação inglesa com os do Programa de Indenização Definitiva (PID) no Brasil, mas sem apresentar uma metodologia clara para o cálculo da estimativa inglesa. Além disso, publicidades em redes sociais, como as do Hotta Advocacia, desaconselhariam a participação nos programas de compensação brasileiros sem justificativas objetivas.

Os argumentos legais da ação ainda sustentam a competência da justiça brasileira para julgar o caso, apesar das cláusulas de eleição de foro estrangeiro e aplicação da lei inglesa presentes nos contratos.

O que diz o escritório?

Em nota, o escritório de advocacia Pogust Goodhead afirma que não foi notificada sobre a ação civil pública e a considera uma tentativa de pressionar os atingidos a aceitarem o Programa de Indenização Definitiva.

Confira a nota na íntegra:

“Em relação à referida Ação Civil Pública com pedido de tutela de urgência, ajuizada pelo Ministério Público do Espírito Santo (MPES) e outras instituições, o escritório internacional Pogust Goodhead esclarece que:

  • O Pogust Goodhead não foi notificado oficialmente e conhece apenas as informações veiculadas na imprensa.
  • Faltando menos de 10 dias para o fim do prazo de adesão ao PID, o escritório Pogust Goodhead é mais uma vez alvo de uma campanha de lawfare. Tal estratégia, como em episódios anteriores, visa a prejudicar o direito - já reconhecido pela Justiça inglesa - dos atingidos de buscarem uma indenização integral e pressionar os mesmos a aceitarem os termos de um acordo incompatível com os danos sofridos.
  • Os contratos do PG são regidos pela lei inglesa e estão em vigor desde 2018, mas somente agora estão sendo questionados. Isso porque foi constatado que o PID não teve a adesão massiva esperada e que centenas de milhares de pessoas decidiram continuar litigando na Inglaterra em busca de reparação integral.
  • Em cumprimento com sua função de advogados, o Pogust Goodhead vem ativamente esclarecendo seus clientes sobre as condições e consequências da eventual adesão à repactuação que, de acordo com os termos impostos pelas mineradoras, obriga os aderentes a renunciarem a ações judiciais no Brasil e no exterior caso optem por programas como o PID. Diante disso, o Comitê representativo dos clientes aprovou, em 26 de fevereiro e por unanimidade, uma resolução recomendando aos atingidos a não-adesão aos referidos programas.
  • ⁠Diversas autoridades públicas brasileiras, incluindo o presidente do STF em ao menos três ocasiões, já admitiram que a existência do processo na Inglaterra exerceu uma pressão decisiva para que o acordo no Brasil fosse concluído, depois de quase uma década de idas e vindas nas negociações.
  • No acordo da repactuação, as mineradoras impuseram critérios rígidos de elegibilidade que deixaram de fora mais de 400 mil autores da ação contra a BHP em Londres. Esses atingidos têm o processo inglês como único meio para buscar reparação pelo maior crime ambiental da história do Brasil.
  • Em relação à atualização dos contratos com o Pogust Goodhead, não há qualquer mudança material nas condições nem nos percentuais a serem cobrados pela firma, que recebe honorários apenas em caso de êxito e, para indígenas e quilombolas, atua pro-bono”.
Graduado em jornalismo e pós graduado em Ciência Política. Foi produtor e chefe de redação na Alvorada FM, além de repórter, âncora e apresentador na Bandnews FM. Finalista dos prêmios de jornalismo CDL e Sebrae.