Centenas de indígenas cruzaram a Esplanada dos Ministérios a pé rumo à praça dos Três Poderes, em Brasília, na manhã desta terça-feira (23). Eles partiram do Acampamento Terra Livre (ATL), instalado em frente ao Estádio Mané Garrincha, nesta que é a vigésima edição do encontro.
O grupo liderado pela deputada Célia Xakriabá (Psol-MG) e pela ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, cobra em sessão solene no Congresso Nacional uma arrancada do Supremo Tribunal Federal (STF) contra a tese do marco temporal e acentua a pressão sobre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) por uma política de demarcações dos territórios.
Antes do início da sessão solene, a parlamentar indígena criticou a atuação do Congresso Nacional na derrubada do veto de Lula à então proposta de lei do marco temporal — hoje já convertida em lei promulgada pelo Legislativo.
“A derrota do marco temporal, com a derrubada do veto do presidente Lula, não é uma derrota somente para nós, indígenas. É uma derrota política para o Brasil. Se hoje fosse tipificado o crime de ecocídio no Brasil, a aprovação do marco temporal seria considerada um crime climático”, afirmou. “A não demarcação dos territórios indígenas coloca em risco a vida de cada um de nós”, acrescentou.
Célia Xakriabá é uma das autoras de uma carta com as pautas prioritárias das populações indígenas dirigida ao Congresso Nacional. Entre elas, medidas de proteção às mulheres indígenas vítimas de violência e a garantia de cotas em concursos públicos.
Queda de braço
No ano passado, o Congresso Nacional derrubou o veto do presidente Lula ao projeto de lei do marco temporal, e o presidente do Legislativo, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) promulgou a proposta, então convertida em lei. Essa legislação prevê que só poderão ser demarcadas como territórios indígenas aquelas áreas ocupadas pelos povos originários na data da promulgação da Constituição mais recente do país — 5 de outubro de 1988.
O debate em torno do marco temporal suscitou tensionamentos entre os Três Poderes e o Legislativo, responsável pela criação dessa lei, é o único a se postar favorável à medida. O Executivo indicou a insatisfação com a matéria a partir do veto assinado pelo presidente Lula, em outubro, que rejeitava a posição dos parlamentares — quando, em 27 de setembro, o plenário do Senado endossou o parecer da Câmara dos Deputados e aprovou o projeto que regulamenta os direitos dos indígenas sobre os territórios. Antes ainda, em 21 de setembro, o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou inconstitucional essa tese do marco temporal.
A derrubada do veto de Lula ao marco temporal partiu de um movimento liderado pela bancada ruralista no Congresso Nacional, uma das principais frentes parlamentares no Legislativo brasileiro.
O que é o marco temporal?
Tratado como inconstitucional pelo STF, o marco temporal é uma tese jurídica. Ela prevê que os povos originários têm direito apenas às terras que ocupavam ou disputavam na ocasião da promulgação da Constituição Federal de 1988. O principal argumento adotado por juristas contrários ao marco temporal, e por nove dos 11 ministros que votaram contra a tese, é que o texto da Carta Magna já reconhecia o direito universal das populações indígenas à terra e previa a garantia da permanência desses grupos em tais territórios.
Apesar de derrotado no ponto central tratado pelo PL do marco temporal, e que se refere às demarcações, o governo obteve uma vitória na sessão do Congresso que derrubou o veto à proposta de lei: os parlamentares optaram por manter os vetos aos trechos do texto que previam o plantio de alimentos transgênicos em territórios indígenas e o contato com populações isoladas.