Vítimas de três dos maiores desastres recentes no Brasil aguardam com ansiedade decisões judiciais que garantam alguma indenização pelos danos que sofreram nos últimos anos. No entanto, sem esperanças de uma solução definitiva no país, os atingidos procuram a Justiça em países europeus, sede das empresas envolvidas nas tragédias. Escritórios de advocacia representam parte das vítimas dos rompimentos de barragens de mineração em
A ação mais recente foi protocolada na Corte de Rotterdam, sede da petroquímica Braskem. Em 2020, nove vítimas, forçadas a deixarem suas casas em Maceió por conta de um afundamento de solo que estaria ligada à exploração de sal-gema na capital alagoana, contrataram advogados para ingressarem com uma ação no Tribunal. Quatro anos depois, são 10 mil o número de vítimas que procuram justiça no país europeu.
Conforme o advogado das vítimas, Tom Goodhead, a jurisdição do caso foi confirmada pelo tribunal em setembro de 2022. A primeira audiência foi realizada na última quinta-feira (15).
“A partir deste momento, está sendo analisado a responsabilidade dos réus no desastre”, explica Goodhead.
É esse o sentimento em Maceió e em outros municípios alagoanos nos últimos cinco anos, desde que foram localizadas as primeiras rachaduras em imóveis causadas pelo
‘Não há justiça no Brasil’
Maria Rosângela da Silva afirma ter perdido a mãe devido à depressão desencadeada por ser obrigada a deixar para trás a própria casa. Uma das partes no processo, ela procurou as autoridades holandesas pela descrença no Judiciário brasileiro. Moradora do bairro Pinheiros, um dos cinco bairros de Maceió que precisaram ser desapropriados após dano geográfico causado pela Braskem, Maria Rosângela vai à Holanda em busca de justiça.
Estamos recorrendo aos tribunais holandeses porque, depois de Deus, essa é a nossa única esperança
A mulher ainda afirma que a Braskem realizou propostas de acordo na época da desapropriação, mas diz que os valores propostos eram muito baixos em relação aos danos causados. “Não há justiça no Brasil – estamos literalmente afundados, estamos arrasados, porque quem manda aqui é a Braskem, por isso recorremos à Holanda”, desabafa.
De acordo com Tom Goodhead, é um direito das vítimas reivindicar a justiça em todas as instâncias que forem possíveis, no Brasil e no mundo. O advogado afirma, ainda que a Corte de Rotterdam considerou a três filiais da empresa nos Países Baixos como “indissociavelmente conectadas” às atividades da petroquímica em Maceió (AL).
“O julgamento holandês se baseará no direito brasileiro, extremamente desenvolvido no que tange a questões ambientais e sociais”, afirma.
Pesquisadores alertavam risco geológico desde 1980
No dia 3 de março de 2018, um abalo sísmico foi o primeiro sinal que os moradores de alguns bairros de Maceió tiveram de que um colapso de solo estava prestes a alterar a geografia local. Após o surgimento de diversas rachaduras e afundamento do terreno, cinco bairros da cidade alagoana precisaram ser desapropriados: Pinheiro, Mutange, Bebedouro, Bom Parto e parte do Farol. Ao todo, 60 mil pessoas precisaram sair de suas casas às pressas devido ao risco de desabamento. As operações da Braskem nas jazidas de sal-gema duraram 40 anos e se encerraram definitivamente naquele mesmo ano, no final de 2018.
Apesar de não ter havido mortes diretas, o dano geológico e material iminente foi alertado por pesquisadores da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) ainda na década de 1980, uma década após o início das operações da petroquímica. Os riscos ocasionados pela extração de sal-gema pela Braskem já indicavam a possibilidade de uma catástrofe na região. Atualmente, o caso é mencionado como a maior tragédia socioambiental em área urbana do mundo. A Braskem foi procurada pela reportagem da Itatiaia, no entanto, até o fechamento desta reportagem não respondeu aos questionamentos feitos.
Vítimas de outros desastres também procuraram justiça no exterior
As vítimas de Maceió (AL) não foram as únicas a enxergarem a chance de justiça além das fronteiras brasileiras: as vítimas do rompimento de barragem em Mariana, na região central de Minas Gerais, também procuraram o escritório de Tom Goodhead em busca de uma compensação justa por suas perdas no Judiciário britânico. O rompimento da barragem do Fundão despejou 50 milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração na cidade mineira. A barragem, pertencente à mineradora Samarco, apresentava problemas estruturais. Dezenove pessoas morreram soterradas e milhares tiveram prejuízos materiais e econômicos. A contaminação do rio Doce tornou o desastre a maior tragédia ambiental do Brasil.
Apesar de ter ocorrido há mais de oito anos, o cenário não mudou muito de lá para cá: devido à morosidade da justiça brasileira, os processos criminais correm o risco de prescrição, o que motivou milhares de pessoas a procurarem ajuda no país, sede da empresa anglo-australiana BHP Billiton, ao lado da Vale, controladora da mineradora Samarco. Em Londres, o mesmo escritório que representa as vítimas na Holanda comanda uma
Os tribunais alemães receberam ações de outra cidade mineira atingida por uma tragédia-crime: Brumadinho. Segundo informações do escritório Pogust Goodhead, já são cerca de
Em nota, a Tüv Süd manifestou solidariedade às vítimas, mas se afirma não ter responsabilidade legal pelo rompimento da barragem. A empresa alemã ainda ressalta que as alegações dos autores da ação não apresentam base jurídica. “Apoiamos o fato de o tribunal alemão estar analisando em profundidade os pedidos, o que inclui o esclarecimento de questões legais que podem ser relevantes. As declarações de estabilidade foram emitidas segundo a legislação, estando conforme a regulamentação brasileira em vigor na data de sua emissão”, diz o texto.
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