Os dias que antecederam a leitura do relatório final da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) que se debruçou sobre os ataques ocorridos no 8 de Janeiro mergulharam o Congresso Nacional em uma atmosfera de ansiedade. Os aliados do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) trabalhavam para garantir o número mínimo de votos necessários à aprovação do relatório elaborado pela senadora Eliziane Gama (PSD-MA), e os membros da oposição articulavam uma estratégia própria para desviar as atenções dirigidas ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Na manhã daquele 17 de outubro, a sala onde aconteciam as audiências da CPMI, na Ala Nilo Coelho, não comportava a entrada de mais parlamentares; estava lotada à espera da relatora. A chegada de Eliziane ao corredor coincidiu com a publicação do relatório, e na página 811 do documento ela confirmava o que era esperado: um pedido de indiciamento de Bolsonaro, classificado como autor intelectual e moral dos atos antidemocráticos. “As investigações aqui realizadas, os depoimentos colhidos, os documentos recebidos permitiram que chegássemos a um nome em evidência e a várias conclusões. O nome é Jair Messias Bolsonaro”, escreveu Eliziane. “O Oito de Janeiro é obra do bolsonarismo”, acrescentou.
Apesar do relatório ter sido aprovado no dia seguinte, 18 de outubro, a CPMI terminou sem consenso — o que é evidenciado pelo placar reunindo 20 votos favoráveis diante de 11 contrários — e, nos cinco meses que durou, demonstrou o abismo entre base e oposição. Não à toa, os parlamentares aliados a Jair Bolsonaro propuseram um relatório paralelo, no qual pedem o indiciamento de Lula. Essas divergências são parte de um movimento de proposição de diferentes versões sobre os ataques do 8 de Janeiro que esteve presente no transcorrer de toda a investigação.
A oposição alegava que o governo foi omisso e permitiu a invasão dos prédios públicos na data; o grupo pedia, além do indiciamento do presidente, também os indiciamentos do ministro Flávio Dino, do general Gonçalves Dias e outros. À época da apresentação do relatório, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) acusou Lula de ter abandonado Brasília — isto porque o petista estava em Araraquara, no interior de São Paulo, no dia. “A leniência de Lula teve uma contribuição fundamental para permitir a invasão e a destruição do patrimônio público. Se ele tivesse agido, conforme determina o arcabouço de contribuições legais, não tivesse abandonado a cidade, certamente as invasões não teriam ocorrido”, disse.
Na contramão, a versão aprovada pela base, que consta no relatório de Eliziane Gama, indica que o 8 de Janeiro foi obra da manipulação de pessoas através do discurso de ódio atribuído a Bolsonaro. Ela, inclusive, o acusa dos crimes de associação criminosa, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado. A relatora cita as ocasiões em que o ex-presidente pôs em xeque o sistema eleitoral e inflamou seus seguidores contra as instituições democráticas, principalmente contra o Supremo Tribunal Federal (STF).
Ela afirma ainda que Bolsonaro usou o aparato estatal para permanecer no poder e menciona como exemplo os bloqueios da Polícia Rodoviária Federal (PRF) nas localidades onde Lula ganhou no primeiro turno da eleição presidencial. “Há fartos indícios de que Bolsonaro se utilizou da Polícia Rodoviária Federal, por meio do então diretor-geral Silvinei Vasques, para monitorar esses locais”, detalhou a senadora. Vasques, assim como o ex-presidente, está entre os 61 nomes contra os quais pesam pedidos de indiciamento no relatório aprovado pelo Congresso Nacional; nele também estão: general Braga Netto, general Augusto Heleno, almirante Almir Garnier, o ajudante de ordens Mauro Cid, a deputada Carla Zambelli e o hacker Walter Delgatti Neto.
Aprovado, o relatório da CPMI foi entregue ao Tribunal de Contas da União (TCU), à Procuradoria-Geral da República (PGR), ao Supremo Tribunal Federal (STF), à Polícia Federal (PF) e ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). As denúncias caberão à PGR, agora chefiada pelo procurador indicado por Lula, Paulo Gonet. A decisão sobre o futuro do relatório será dada por ele.