O atual cenário econômico global é estratégico para que os Brics iniciem as discussões acerca de uma moeda comum no bloco, e esse processo deve começar na Cúpula de Joanesburgo, conforme disseram especialistas à CNN.
Segundo Evandro Caciano, head de câmbio da Trace Finance, o dólar já não é mais tão seguro como já foi, o que torna o momento propício para iniciar uma conversa sobre novas formas de lastrear negociações internacionais.
“Estamos na maior crise americana da história, é uma crise de fundamentos, com nota rebaixada por agências de crédito e fundamentos que colocam o dólar em cheque”, avalia.
O presidente Lula já defendeu a formação de uma moeda comum entre os países do bloco como forma de reduzir a dependência do dólar em trocas comerciais.
“Eu sonho com a construção de várias moedas entre outros países que façam comércio, que os Brics tenham uma moeda. Como o euro”, disse o na reunião do G7 em maio deste ano.
Para a Cúpula de Joanesburgo, evento que acontece nos dias 22 a 24 de agosto, Caciano espera que os países devem sair da reunião com grupos de trabalho montados sobre o tema.
“A conversa deve avançar para grupos menores e mais técnicos sobre o assunto, precisamos dos países na mesma página”, avalia.
Milena Araújo, analista da Nexgen, também tem expectativas que o evento dê início a essas discussões, partindo para um plano de viabilidade concreto dessa proposta.
Caminho para moeda comum
Para Pedro Brites, professor de relações internacionais da Fundação Getulio Vargas (FGV), objetivo de uma moeda comum entre os Brics é tirar a dependência do dólar, e ao mesmo tempo impulsionar as relações comerciais entre esses países.
“O ponto de partida das discussões é reaproximar esses países economicamente”, pontua.
Mas o professor ressalta que esse processo é longo e deve acontecer em fases. “Em um primeiro momento, o intuito é diminuir a dependência do dólar nos fluxos comerciais entre esses países, usando as moedas locais, como o yuan (chinês), o real, ou rublo (russo), aumentando os ativos nacionais”, explica.
Reginaldo Nogueira, PhD em Economia e diretor sênior do Ibmec, destaca que é possível possibilitar a troca entre os países sem a utilização direta do dólar.
“Existem acordos que simplesmente consideram o que foi importado e exportado nas respectivas moedas de cada país, vê o saldo e liquida a diferença em dólares, isso pode acontecer entre os Brics”, explica.
Nesses casos, bastaria um acordo entre os bancos centrais, uma maneira mais simples do que criar uma nova moeda.
Operações desse tipo já acontecem entre os países do Mercosul, por meio do Sistema de Pagamentos em Moeda Local (SML). Se trata de um sistema de pagamento internacional administrado pelo Banco Central do Brasil em parceria com os bancos centrais da Argentina, Uruguai e Paraguai.
Segundo o BCB, ele permite que pagamentos e recebimentos sejam efetuados diretamente em reais, sem a necessidade de moeda intermediária, como o dólar, dispensando, assim, o contrato de câmbio. “Isso torna o sistema mais eficiente e reduz o custo das operações”, segundo o site do BCB.
Moeda Digital
Ainda, segundo o professor Brites, montar efetivamente uma moeda comum aconteceria apenas na segunda fase do processo. Ele ressalta que essa moeda serviria unicamente para os fluxos comerciais internacionais, mas não atuaria dentro dos países como uma moeda de circulação interna, aos moldes do que ocorre com o euro na União Europeia.
Uma das maneiras de viabilizar essa moeda seria por meio de uma moeda digital, da mesma maneira que diferentes autarquias financeiras estão propondo a criação de uma Moeda Digital de Banco Central (CDBC) – caso do real digital, recém batizado de Drex.
“Seria possível ter uma moeda digital única para o bloco, com emissão e regulamentação pelo Banco dos Brics“, defende Evandro Caciano.
Para Caciano, da Trace Finance, a criação e implementação dessa moeda levaria anos, e pode acontecer em fases. Começando por operações de aquisição de ativos, depois realização de investimentos, para em seguida servir como moeda de transações comerciais.
“Mas a adoção de uma moeda digital em todo o Brics é um projeto de, no mínimo, cinco a dez anos“, avalia.
Desafios
Os especialistas ainda ressaltaram que a falta de harmonização é um grande entrave para a criação de uma moeda única entre os países do bloco.
“Criar uma moeda única é um processo muito mais complexo, porque são economias diferentes, com tamanhos, crises, e potencialidades muito distintas entre si”, avalia Reginaldo Nogueira.
Para o especialista do IBMEC, o processo encontraria desafios para calcular como a moeda seria equalizada e qual o modelo de recursos para operar transações entre ela.
Milena Araújo destaca que é uma proposta muito desafiadora.
“Precisa suplantar uma confiança global, ter uma paridade com o dólar que seja compatível, além de pontos a serem corrigido e desenvolvidos internamente, como divergências econômicas, e de política monetária”, explica.