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Conduta de gigantes da internet no debate sobre PL das Fake News deve ser investigada, diz pesquisadora

Para Jaqueline Pigatto, empresas como Google e Meta usaram algoritmo para “manipular debate público” sobre projeto

Debate sobre regulamentação das plataformas digitais segue mesmo após adiamento de votação do PL das Fake News

A votação do PL das Fake News no plenário da Câmara dos Deputados só deve ocorrer em cerca de duas semanas, de acordo com previsão do relator da proposta, o deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP). Na noite desta terça-feira (2), ele pediu a retirada do projeto da pauta por conta do que chamou de “divisões” entre as bancadas partidárias. Para o relator, é preciso mais tempo para analisar as mais de 70 emendas apresentadas pelos partidos horas antes da sessão no plenário.

O assunto, no entanto, permanece na ordem do dia - pelo menos em Brasília. Por determinação do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, a Polícia Federal vai ouvir, em até cinco dias, os presidentes das “big techs” - Google, Meta, Spotify, além do site Brasil Paralelo.

Todos veicularam em suas próprias plataformas, no começo desta semana, conteúdo contrário à aprovação do projeto de lei, que pretende regulamentar o funcionamento das redes sociais e ferramentas de busca.

A pesquisadora sênior da Associação Data Privacy Brasil, Jaqueline Pigatto, explica que essa ação das plataformas promove justamente o tipo de distorção no debate público que o PL das Fake News tenta combater.

“O grande problema é que está tendo um aproveitamento de algoritmo que a empresa possui para manipular o debate público. Ocorre justamente uma falta de transparência para as big techs. Então, utilizar mecanismos que alteram o ‘design’ da páginas e os resultados de busca para influenciar o debate, podem sim ser investigados”, afirmou a pesquisadora.

Ainda de acordo com Jaqueline Pigatto, conduta como as das grandes plataformas digitais durante os últimos dias fazem parte dos pontos que a legislação busca avançar.

“As empresas argumentam que a lei vai aumentar a confusão na internet sobre as informações verdadeiras ou falsas. Na verdade, ela propõe ter mais transparência sore o funcionamento das plataformas e exige ações como validações de risco e ação em casos específicos, como risco à saúde pública e à democracia”, explica.

A pesquisadora diz, ainda, que ao contrário do que está sendo argumentado, sobretudo na internet, o projeto de lei das Fake News não prevê ações a nível individual, ou seja, contra usuários das redes.

“A proposta traz mecanismos democráticos e salvaguardas sem realizar nenhum tipo de censura ou ação de nível individual. O usuário vai ter mais conhecimento sobre funcionamento das mídias sociais e informações sobre como recorrer em caso de remoção de conteúdo”, completa.

A lei não vai definir o que é verdade ou mentira, mas vai estabelecer obrigações para as plataformas

Plataformas lucram com a falta de regulamentação

Segundo um estudo publicado pelo Netlab, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), as ‘big techs’ – que são as principais plataformas digitais com milhões de usuários - se beneficiam da falta de regulamentação.

Em 2022, quase R$ 25 bilhões – mais da metade do mercado publicitário brasileiro – foi negociado diretamente com as plataformas, sem a interferência dos mecanismos de fiscalização do país. Assim, os conteúdos que promovem violência, discurso de ódio e diversos tipos de crimes, como golpes financeiros, são impulsionados nas redes sociais e se misturam à infinidade de outros anúncios. Sem transparência, só as próprias plataformas sabem quanto lucram com os conteúdos criminosos.

Só no ano passado, segundo o Netlab, 97,7% dos mais de US$ 116 bilhões de faturamento da Meta vieram de publicidade, assim como mais de 80% dos US$ 279 bilhões do Google.

Publicamente, porém, as empresas alegam que a legislação que está para ser votada precisa de mais discussão. A pesquisa Jaqueline Pigatto destaca, no entanto, que o projeto já está em debate no Congresso Nacional há mais de três anos.

“Na verdade, esse PL tem sido debatido há três anos com diferentes setores da sociedade, tanto setor privado como a sociedade civil já foram ouvidos pelos parlamentares. Inclusive, o relator é bastante reconhecido pelo trabalho árduo que faz de ouvir todos os lados e construir consensos mínimos - como já fez anteriormente com a Lei Geral de Proteção de Dados [LGPD]. Estamos em um momento muito urgente de avançar com as regras sobre as plataformas”, opina.

Além da oitiva pela Polícia Federal, as empresas também terão que responder ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), pelas ações realizadas contra o PL das Fake News. O órgão abriu uma investigação por abuso de poder econômico. A Secretaria Nacional do Consumidor, ligada ao Ministério da Justiça, também apura o caso.

Ana Luiza Bongiovani é jornalista e também graduada em direito. É repórter da Itatiaia.