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Como reconhecer o acúmulo de animais e ajudar com responsabilidade

Intervenção deve combinar assistência social, apoio psicológico e cuidado com os animais

Comportamento costuma ser motivado por uma intenção inicial de cuidado, mas pode ultrapassar os limites do bem-estar

O acúmulo compulsivo de animais é um transtorno complexo e que mistura traços de sofrimento psíquico com riscos reais para os animais e para o próprio acumulador.

A Sociedade Americana para a Prevenção da Crueldade contra os Animais (ASPCA) define a prática como uma condição em que a pessoa “mantém um número de animais muito acima da sua capacidade de oferecer cuidados mínimos, sem reconhecer os danos que isso causa”.

Muitos acumuladores, explica a ASPCA em publicação, negam o problema e acreditam estar salvando os animais, mesmo diante de condições visivelmente insalubres.

Diferentemente de quem apenas ama animais e convive com muitos deles de forma responsável, o acumulador compulsivo normalmente perde a capacidade de prover cuidados básicos como alimentação, higiene, abrigo adequado e atendimento veterinário.

Segundo a Organização Mundial da Saúde, esse tipo de comportamento pode estar ligado ao transtorno de acumulação, classificado no CID-11 (Código Internacional de Doenças) como um subtipo de transtorno obsessivo-compulsivo.

Há sinais claros que podem indicar um caso de acumulação:

  • A pessoa não sabe dizer quantos animais tem em casa;
  • Os animais apresentam sinais de desnutrição, doenças ou infestação por parasitas;
  • O ambiente está tomado por fezes, urina e mau cheiro;
  • Há recusa em receber visitas ou aceitar ajuda externa;
  • O responsável nega os riscos e justifica que está “protegendo” os animais.

Além disso, é comum que os acumuladores vivam isolados e apresentem dificuldades emocionais, como luto não resolvido, traumas e baixa rede de apoio.

Quase 100% dos casos de acúmulo reincidem se não houver tratamento psicológico associado à remoção dos animais, aponta o artigo Acumulação de Animais, publicado na revista Psychiatric Times.

Abordagem deve ser empática e profissional

Em 2023, a cidade de Petrópolis (RJ) sancionou a Lei nº 8.352, que institui o Programa de Atenção às Pessoas com Transtorno de Acumulação Compulsiva de Animais.

A proposta é promover ações conjuntas entre saúde mental, bem-estar animal e justiça, para que os envolvidos recebam apoio multidisciplinar e sejam acompanhados de forma contínua.

Segundo o texto da lei, o programa prevê desde a avaliação psiquiátrica e encaminhamento para tratamento até a limitação legal do número de animais que podem ser mantidos.

A política também reconhece a importância de parcerias com ONGs e redes de proteção animal.

Mas onde não há políticas de saúde específicas para o acúmulo de animais e as pessoas que sofrem com ele, restam as intervenções das pessoas próximas ou que presenciam situações extremas.

Para situações emergenciais, é possível denunciá-las aos órgãos de fiscalização ambiental, como secretarias municipais ou estaduais e o Ministério Público.

O Ibama, no portal oficial, orienta que denúncias de crime ambiental envolvendo animais domésticos também podem ser feitas via Disque 190, nos casos em que houver risco iminente à saúde ou à vida dos envolvidos.

Diante de uma situação de acúmulo, agir apenas com repressão ou julgamento tende a agravar o quadro.

Familiares e amigos do acumulador, ou o próprio acumulador, precisam buscar uma intervenção que combine assistência social, apoio psicológico e cuidado com os animais.

Jessica de Almeida é repórter multimídia e colabora com reportagens para a Itatiaia. Tem experiência em reportagem, checagem de fatos, produção audiovisual e trabalhos publicados em veículos como o jornal O Globo e as rádios alemãs Deutschlandfunk Kultur e SWR. Foi bolsista do International Center for Journalists.