O garimpo artesanal é uma prática marcada pelo uso de ferramentas simples, como bateias, enxadas e picaretas. Ao longo de décadas, essa atividade foi responsável por gerar renda para famílias em diversas regiões do país. Além do aspecto econômico, o garimpo também possui um papel social e cultural. Em comunidades como a de Antônio Pereira, distrito de Ouro Preto (MG), o ato de garimpar reúne moradores em torno do trabalho coletivo, funcionando também como espaço de convivência e transmissão de saberes locais.
Apesar de sua relevância social, a atividade envolve riscos significativos, especialmente quando se utiliza o mercúrio no processo de separação do ouro.
O contato com o metal pode causar danos à saúde dos trabalhadores e contaminação de solos e cursos d’água. A queima do amálgama formado entre o ouro e o mercúrio libera vapores tóxicos, gerando impactos ambientais e sanitários.
Foi diante desse cenário que a pesquisa de mestrado “Emprego de subprodutos da folha de ora-pro-nóbis (Pereskia aculeata Miller) como metodologia alternativa ao uso de mercúrio na extração artesanal de ouro”, desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Química (PPGQuim) da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), passou a investigar alternativas ao uso do mercúrio.
O estudo, orientado pela professora Roberta Fróes, analisa o emprego da mucilagem presente nas folhas da planta ora-pro-nóbis (Pereskia aculeata Miller) como método de extração de ouro em garimpos artesanais.
Daiana Rocha, formada em Química pela UFOP, mestranda em Química pelo PPGQuim/UFOP e autora da pesquisa, conta qual foi o ponto de partida do estudo e como chegou ao uso do ora-pro-nóbis:
“Em 2017, a alta incidência de pênfigo foliáceo (fogo selvagem) na região de Antônio Pereira gerou preocupação em setores da universidade. A vice-reitora da UFOP, professora Roberta Fróis, conduziu uma pesquisa de mestrado sobre a presença de mercúrio em vegetais cultivados próximos à mineração artesanal de ouro. A pesquisa revelou que esses vegetais apresentavam 18 vezes mais mercúrio do que os de hortas orgânicas, destacando riscos tóxicos, como danos ao sistema nervoso e malformações fetais. Durante as coletas, alguns garimpeiros afirmaram não usar mercúrio, mas sim uma planta, o ora-pro-nóbis, para extrair o ouro. A descoberta motivou o desenvolvimento de um projeto para investigar como o Oroponópolis realizava essa extração,” disse.
A proposta surgiu a partir de relatos de famílias do distrito de Antônio Pereira que já utilizavam a planta no lugar do mercúrio. A equipe de pesquisa realizou simulações do processo, tanto em áreas de garimpo quanto em ambiente controlado. A metodologia buscou comprovar a eficiência da técnica e sua viabilidade como substituição segura ao modelo tradicional.
Daiana Rocha ainda comenta como a pesquisa pretende impactar positivamente a região, que é historicamente marcada pela mineração:
“A pesquisa mostra que Ouro Preto e Mariana surgiram com a descoberta do ouro, que trouxe desenvolvimento, mas também impactos sociais e ambientais. O ouro beneficiou poucas famílias e foi majoritariamente levado para fora do país. Pessoas escravizadas, especialmente da Costa da Mina, contribuíram com técnicas avançadas de beneficiamento. O uso de mercúrio no garimpo causa contaminação grave e irreversível em pessoas e no ambiente. O estudo propõe alternativas para mitigar esses efeitos e valoriza o conhecimento ancestral envolvido no processo,” alegou.
Ela explica que transformar um saber popular em método científico é um desafio, mas também uma oportunidade para inovar na ciência brasileira sem descaracterizar suas origens. Ressalta que muitos medicamentos surgem a partir de conhecimentos tradicionais, e que validar esses saberes cientificamente é fundamental, sobretudo em um país tão biodiverso como o Brasil.
Destaca ainda que o projeto em que atua pode criar uma nova relação entre o garimpo e o meio ambiente, ao propor alternativas ao uso do mercúrio – um contaminante de difícil reversão, presente em diversas regiões mineradoras, especialmente na Amazônia.
Com apoio de profissionais da UFOP, como farmacêuticos, químicos e engenheiros, a equipe foi a campo observar a prática no rio, e agora trabalha na construção de uma metodologia científica. Cada etapa do projeto, segundo ela, precisa ter um propósito claro e fundamentado.
A pesquisadora aponta ainda o uso do Oropronobis como uma possível solução ecológica no beneficiamento de minerais e na economia circular, por sua capacidade de capturar CO₂ durante o crescimento.
A pesquisa que está em fase de conclusão foi selecionada para a 4ª Mostra Inova Minas Fapemig, que aconteceu na última sexta-feira, dia 4, e domingo, dia 6, em Belo Horizonte.