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Igreja Católica ainda negligencia vítimas de abuso, revela painel do Vaticano

Documento divulgado pela Santa Sé detalhou retaliações contra vítimas que denunciam e falta de transparência em relação a bispos afastados

O documento revelou a prática de retaliações “perturbadoras” por parte dos líderes da Igreja Católica direcionadas às pessoas que denunciam os casos de abuso sexual

A comissão de proteção à criança do Vaticano revelou, nesta quinta-feira (16), que as vítimas de abuso sexual por parte do clero continuam sendo revitimizadas. Isso, mais de 20 anos após as primeiras revelações em grande escala nos Estados Unidos. O documento revelou a prática de retaliações “perturbadoras” por parte dos líderes da Igreja Católica direcionadas às pessoas que denunciam os casos.

A comissão antiabuso foi criada pelo Papa Francisco em 2014. No entanto, em mais uma década, apenas um relatório anual foi produzido. O novo relatório, produzido neste ano, criticou os líderes da Igreja por não fornecerem às vítimas sobre como os relatos de abuso estavam sendo tratados.

“Em muitos casos... vítimas/sobreviventes relatam que a Igreja respondeu com acordos vazios, gestos performáticos e uma recusa persistente em se envolver com vítimas/sobreviventes de boa-fé", disse o relatório.

Além disso, pela primeira vez, 40 vítimas contribuíram para a elaboração do documento. Destas, algumas denunciaram pressões por parte de autoridades da instituição. “Meu irmão era seminarista. O bispo disse à minha família que minha denúncia poderia comprometer sua ordenação”, contou uma delas.

Outra vítima relatou que teve a família excomungada publicamente após apresentar uma denúncia. Em coletiva de imprensa realizada nesta quinta-feira (16), o secretário da comissão, Luis Manuel Alí Herrera, falou sobre a importância do documento.

"É um verdadeiro grito por parte das vítimas: não se sentem ouvidas, não se sentem acompanhadas, às vezes não há uma relação empática, nem mesmo de respeito”, afirmou o colombiano.

Com 103 páginas, o documento foi apresentado em setembro ao papa Leão XIV e reforça a importância da reparação às vítimas, o que inclui apoio psicológico, pedidos públicos de desculpas e indenizações econômicas.

O relatório também insistiu na importância de “comunicar publicamente os motivos” da destituição de um padre. “A falta de responsabilização dos líderes da Igreja foi uma questão frequente levantada pelas vítimas/sobreviventes”, disse o relatório.

“A Comissão ressalta a importância de comunicar publicamente os motivos da renúncia e/ou remoção, quando a decisão estiver relacionada a casos de abuso ou negligência”, continuou.

Cultura do silêncio

Depois de analisar casos específicos de cerca de 20 países, a comissão destacou os “tabus culturais” e a “cultura do silêncio” que cercam estas violências, de Malta à Etiópia, passando por Moçambique ou Guiné.

Com vínculos históricos com o Vaticano, a Itália é especificamente criticada por mostrar “uma resistência cultural considerável à luta contra os abusos”, afirmou o documento. O relatório criticou ainda os bispos do país por não terem colaborado o suficiente. De um total de 226 dioceses, apenas 81 responderam a um questionário de investigação.

Comissão de Proteção à Criança

Composta por especialistas religiosos e leigos de diversas áreas, como direito, educação, psicologia e psiquiatria foi criada pelo papa Francisco em 2014, no início de seu pontificado.

Em meio as multiplas críticas sobre seu funcionamento e a renúncia de vários membros, a comissão foi integrada à Cúria Romana em 2022, quando o governo da Santa Sé passou a pedir um relatório anual sobre seus progressos.

O documento liberado nesta quinta-feira (16) é o segundo relatório produzido deste então.

*Com agências

(Sob supervisão de Lucas Borges)

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Rebeca Nicholls é estagiária do digital da Itatiaia com foco nas editorias de Cidades, Brasil e Mundo. É estudante de jornalismo pelo Centro Universitário de Belo Horizonte (UNIBH). Tem passagem pelo Laboratório de Comunicação e Audiovisual do UniBH (CACAU), pela Federação de Agricultura e Pecuária de Minas Gerais (Faemg) e pelo jornal Estado de Minas