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TSE cria regras para uso de IA nas eleições; saiba como pensam as campanhas em BH

Pleito de 2024 será o primeiro depois da popularização de ferramentas de Inteligência Artificial

Urnas eletrônicas

Num vídeo, um homem aspira um pó branco e a legenda afirma se tratar de Sergio Massa, candidato ao segundo turno nas eleições presidenciais na Argentina em 2023, contra Javier Milei (que, mais tarde, viria a ser eleito). Mas, a gravação é manipulada: o vídeo se baseia em outro que circula nas redes sociais pelo menos desde 2016, no qual se substituiu o homem original pela inserção do rosto e voz de Massa.

As imagens foram compartilhadas centenas de milhares de vezes, ainda que diversas agências de checagem argentinas e brasileiras tenham verificado a veracidade do vídeo.

Com as ferramentas de inteligência artificial (IA), muitos processos e serviços foram otimizados e agilizados. Por outro lado, a possibilidade de manipulação chegou a um nível de sofisticação inédito, garantindo que a desinformação se aperfeiçoe, atinja cada vez mais pessoas e levante cada vez menos dúvidas sobre a autenticidade do material.

O caso envolvendo Sergio Massa ganhou repercussão e tumultuou o processo eleitoral argentino. Neste ano, as eleições municipais brasileiras trarão consigo um desafio a mais: garantir que os mais 156 milhões de eleitores sejam bem-informados e façam escolhas conscientes.

Ruído informacional

Nas campanhas eleitorais, a desinformação pode ser criada para prejudicar ou fortalecer uma candidatura, ou mesmo para que as pessoas passem a desconfiar do próprio processo eleitoral e das instituições envolvidas nele, como o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Camilo Aggio, professor e pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais, com estudos em comunicação, democracia e desinformação, diz que desinformação gera ruído informacional

E a desinformação com recursos de IA pode ir mais longe, pois tem mais chances de passar despercebida. As possibilidades de uso de IA na campanha eleitoral vão desde a melhoria técnica de uma imagem até a criação de um vídeo totalmente falso sobre as realizações de uma candidata ou candidato.

“O maior problema é o potencial da desinformação de desorientar, de provocar acirramentos grupais”, diz Camilo Aggio, professor e pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais, com estudos em comunicação, democracia e desinformação.

Ele explica que o modo como se dá o confronto com o contraditório, também é abalado. “Num cenário de desinformação, o contraditório acaba sendo não uma provocação que nos faz refletir e refinar o nosso conhecimento, mas vira um problema que divide, segrega, e implica nessas fraturas que não deveriam existir na esfera pública ou em qualquer experiência democrática”.

Um chamado para ação do TSE

Ao contrário do que se imagina, Inteligência Artificial não é sinônimo de robôs que parecem seres humanos. Sistemas que sejam capazes de “raciocinar”, ir além da simples realização de comandos, são considerados inteligência artificial. Por meio da identificação e reprodução de padrões, o sistema “aprende” e, com isso, pode ser capaz de produzir textos, imagens, sons e vídeos - a chamada IA generativa.

Pablo Aragão, secretário de eleições do TRE-MG, explica que o TSE não proibiu o uso de IA nas campanhas, apenas regulamentou

Diante disso, o TSE criou regras sobre o uso da IA nas campanhas. “O TSE regulamentou o uso da IA na propaganda eleitoral. Não houve proibição, mas regulamentação. E qual é o princípio básico dela? Que tudo seja informado ao eleitor”, diz Pablo Aragão, secretário de eleições do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais (TRE-MG).

“Tudo aquilo que os partidos contratarem de IA e utilizarem na propaganda, tem que estar informado e ser acessível, e a tecnologia utilizada tem que constar nas peças publicitárias”, explica.

Assim, para garantir que o eleitorado não seja enganado, o TSE impôs às candidatas e candidatos o dever de informar, de modo explícito, destacado e acessível, o uso de conteúdo sintético fabricado ou manipulado, gerado por meio de IA para criar, substituir, omitir, mesclar ou alterar a velocidade ou sobrepor imagens ou sons. O uso de chatbots, avatares e conteúdos sintéticos de comunicação também deve ser devidamente informado.

Para além disso, o uso de conteúdo fabricado ou manipulado digitalmente para difundir desinformação capaz de afetar o equilíbrio das eleições ou a integridade do processo eleitoral, foi completamente proibido. Esse uso pode configurar abuso de poder político ou uso indevido dos meios de comunicação que, como se sabe, levam à cassação do registro ou mandato e inelegibilidade.

“Se o eleitor está informado, ele é um agente que pode barrar a desinformação. Ela não pode atingir a validade, rigidez e transparência do processo eleitoral deste ano”, afirma Aragão.

Comissão Temporária Interna sobre Inteligência Artificial no Brasil (CTIA), no Senado Federal, em Brasília

Legislativo como aliado?

No Senado, a votação do projeto que regulamenta o uso da Inteligência Artificial no Brasil foi adiada neste mês e por tempo indeterminado, diferentemente do que fez a União Europeia.

No Brasil, foi criada a Comissão Temporária Interna sobre Inteligência Artificial (CTIA), cujo presidente, Carlos Viana (Podemos-MG), defendeu que o texto do PL 2338/2023 seja debatido com mais profundidade. Para ele, a votação no colegiado deve ficar para depois das eleições municipais, em outubro.

Para Aggio, a classe política não está e talvez nunca esteja preparada para debater sobre IA em contexto eleitoral. “Não são poucos os parlamentares que acabam se beneficiando profundamente de recursos antiéticos. Muitos deles investindo na produção profissional de informações falsas, distorcidas, caluniosas, fake news”, opina.

O que dizem pré-candidatos à Prefeitura de BH:

Gabriel Azevedo (MDB)

O marqueteiro da campanha de Gabriel Azevedo (MDB), Alberto Lage, disse à Itatiaia que segue o posicionamento do Clube Associativo de Profissionais de Marketing Político, “que faço parte e participou da regulamentação do TSE”.

Bruno Engler (PL)

A pré-campanha de Bruno Engler (PL) respondeu que não usará nenhum recurso de IA durante a campanha e que as regras criadas pelo TSE são razoáveis e suficientes para frear o mau uso de IA nas campanhas eleitorais.

Mauro Tramonte (Republicanos)

A equipe de pré-campanha de Mauro Tramonte (Republicanos) respondeu que utilizarão ferramentas de IA para monitorar as redes sociais e analisar o sentimento dos eleitores em relação ao pré-candidato e às questões importantes para a cidade. “A IA nos ajuda a segmentar nosso público-alvo e personalizar as mensagens de campanha para diferentes grupos de eleitores, aumentando a relevância e a eficácia da nossa comunicação”.

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“Todas as informações fornecidas ao público são verificadas para garantir precisão e evitar a disseminação de fake news, e, tendo em vista a proliferação das deepfakes, especialmente durante as eleições, temos um cuidado redobrado para proteger a integridade do nosso pré-candidato”, completa a equipe, em nota enviada à Itatiaia, em que afirmam também que “apesar das boas intenções das regras do TSE, o risco de desinformação ainda existe”.

Rogério Correia (PT)

Já para a equipe de pré-campanha de Rogério Correia, há possibilidade de usarem IA “dentro dos critérios e em conformidade com a legislação”. A equipe também contará com uma equipe dedicada a revisar e validar todas as informações antes de divulgá-las. “Nossa campanha adota uma postura ética intransigente contra a disseminação de informações falsas. Acreditamos que a confiança das pessoas só pode ser conquistada com transparência e verdade”.

Outros

As equipes de pré-campanha do atual prefeito, Fuad Noman (PSD), e Duda Salabert (PDT), não responderam até o fechamento da matéria.


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Jessica de Almeida é repórter multimídia e colabora com reportagens para a Itatiaia. Tem experiência em reportagem, checagem de fatos, produção audiovisual e trabalhos publicados em veículos como o jornal O Globo e as rádios alemãs Deutschlandfunk Kultur e SWR. Foi bolsista do International Center for Journalists.