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Minas pode perder parte de município para a Bahia? Entenda o inusitado caso de Santo Antônio do Jacinto

Moradores de dois povoados de cidade no Vale do Jequitinhonha dizem que ‘dormiram mineiros e acordaram baianos’

Moradores do município de Santo Antônio do Jacinto, no Vale do Jequitinhonha, dizem que território da cidade foi ‘incorporado’ ao estado da Bahia

O município de Santo Antônio do Jacinto, que fica no Vale do Jequitinhonha e tem pouco mais de 15 mil habitantes, se tornou alvo de uma polêmica que vem dando muita dor de cabeça para parte de seus moradores.

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Dois povoados do município, Paxés e Córrego de Santa Maria, que ficam na divisa de Minas com a Bahia passaram a ser considerados parte do estado baiano, dentro do município de Guaratinga, com a criação do parque nacional do Alto Cariri.

Os moradores, no entanto, se dizem nativos e moradores de Minas Gerais e garantem que os povoados fazem parte da cidade de Santo Antônio do Jacinto.

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Vários moradores de Santo Antônio viajaram mais de 800 quilômetros nesta quinta-feira (11) para participar de uma audiência pública na Comissão de Assuntos Municipais da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) que debateu a incorporação da cidade mineira ao estado da Bahia.

‘Queremos continuar mineiros’

Morador de Córrego de Santa Maria, um dos povoados de Santo Antonio que pode se tornar parte da Bahia, o agricultor Charles Batista dos Santos afirmou que os moradores foram pegos de surpresa e consideram que perderam suas identidade com a confusão entre as fronteiras.

“Paxés e Córrego de Santa Maria são comunidades produtivas, que garantem o sustento a muitas famílias de nosso município de Jacinto. Fomos pegos de surpresa porque nós, como mineiros, ficamos sendo considerados baianos e fomos surpreendidos. Ficamos sem identidade. Queremos permanecer mineiros e da cidade de Santo Antônio do Jacinto”, afirmou Charles.

A mudança de estado tem impacto direto na vida dos moradores, uma vez que eles usam serviços da prefeitura e participam de programas sociais ligados à cidade mineira. Os moradores temem também perder o direito de propriedade com a mudança, caso os documentos em órgãos mineiros passem a não ter mais validade no estado vizinho.

A vice-prefeita de Santo Antonio, Luzia Alves, explicou o drama enfrentado pelos moradores, com dificuldade em conseguir acesso a programas voltados para a agricultura familiar.

“Santo Antônio do Jacinto é um município do Baixo Jequitinhonha, tem no seu histórico a agricultura familiar muito presente, é de pequenos agricultores e trabalhadores rurais. Fomos informados que parte daquele território estava em outro município, Mas sem que ninguém nos desse nenhuma informação dessa alteração, acreditamos que fosse um pequeno erro, que não traria prejuízos para aquelas comunidades. Mas, em março de 2023, fui chamada para uma reunião com o ICM-Bio sobre o parque nacional do Alto Cariri, lá ficamos sabendo dessa situação. Não tínhamos dificuldade até que nossos agricultores foram impedidos de acessar ao Pronaf, programa que ajuda a agricultura familiar em todo o Vale do Jequitinhonha”, explica Luzia.

“Hoje, nosso sentimento é que não pertencemos a nenhum território, o sentimento é que não pertencemos a lugar nenhum. É muito ruim não ter a identidade garantida. Nós temos documentos de 1979, que mostram que esse território pertence a Minas Gerais. Hoje temos relato de pessoas que estão preocupadas, sem saber o que fazer. Retirar uma comunidade de seu território é acabar com sua história. São pessoas que estão ali há mais de 100 anos”, continua a vice-prefeita.

‘Nada contra a Bahia, mas são mineiros’

O ex-deputado Vilson da Fetaemg acompanha a situação dos moradores em Santo Antonio e questiona uma suposta mudança no tratado do município. Segundo ele, os moradores têm documentos da extinta Fundação Rural Minas, alguns com datas de quase 50 anos, o que confirma o território em Minas Gerais.

“O que me estranha é o Instituto Chico Mendes, para mudar um traçado geográfico de um estado para outro, depende de uma PEC, depende de uma lei federal. Temos duas comunidades de um dos nossos 853 municípios do nosso estado de Minas Gerais, nada contra a Bahia, mas é território mineiro. Se fosse da Bahia, nós estaríamos discutindo isso lá na Assembleia da Bahia, em Salvador, não aqui na Assembleia de Minas. Eles têm documentos da nossa extinta Fundação Rural Minas, que dá legitimidade a esses moradores. Não estamos sendo contra a Bahia, nem contra o parque, mas não podemos tratorar essas famílias”, diz Vilson.

O prefeito de Santo Antônio de Jacinto, Wesdra Tavares Bandeira, também lamenta a mudança no entendimento territorial sobre o município e cita que todos os gastos e custos das duas comunidades são feitos pela prefeitura mineira.

“O sentimento de perda é muito grande para essas comunidades. Eles não sabem se são baianos ou mineiros. E isso é muito grave para nossa cidade. Os custos com transporte escolar, remédios, exames, tudo isso é feito na nossa cidade. Perdendo essas comunidades, são mais de 300 pessoas, que criaram seus filhos e netos ali. Comunidades produtivas. Não podemos aceitar que isso aconteça. Espero que os governantes reavaliem, voltem atrás, para atender nossa população”, afirmou o prefeito.

Dúvidas na legislação e próximos passos

O deputado estadual Leleco Pimentel (PT) avaliou que a legislação é vaga em relação às delimitações de fronteiras e que será preciso um grupo de trabalho, com a participação da União e dos governos de Minas e da Bahia para buscar uma solução para o caso.

“A legislação vigente não existe uma orientação de nenhum órgão sobre a forma como os limites devem ser definidos entre estados e municípios. Estamos diante de um hiato. A Constituição de 1988 diz que é de competência dos estados e municípios definir suas fronteiras e caso não resolvam, caberá à União determinar os limites litigiosos. Estamos tratando de comunidades que buscam os serviços e políticas públicas dentro do município de Santo Antônio do Jacinto, não só pela comunidade, mas pelo sentimento de pertencimento ao território. Estamos falando de respeitar as ancestralidades e seus pais. A nossa ancestralidade é mineira e pai e mãe são Santo Antônio do Jacinto”, continuou.

Segundo ele, desde abril, quando foram comparados mapas da região, ficou comprovado que o parque do Alto Cariri, criado em 2010, considera que as comunidades Paxés e Córrego de Santa Maria pertencem ao município de Guaratinga, do estado da Bahia.

A procuradora do Estado da Bahia, Guerta Almeida, afirmou que o tema ainda não foi analisado pelo governo baiano.

“O estado da Bahia é grande, já conseguimos identificar outras divergências em relação a Tocantins, Sergipe e Pernambuco. Acho que esse é o momento de tratar do estado de Minas. Não sei exatamente sobre esse município, mas é importante fazer um estudo técnico e chegar a um consenso. Talvez nem exista o conflito, pode ser uma questão ligada ao parque nacional, então temos que identificar para resolver.

Editor de Política. Formado em Comunicação Social pela PUC Minas e em História pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Já escreveu para os jornais Estado de Minas, O Tempo e Folha de S. Paulo.