O caso das joias que chegaram ao Brasil como presente do governo da Arábia Saudita para o ex-presidente Jair Bolsonaro e para a primeira-dama Michelle Bolsonaro levantou várias questões sobre como funcionam os acervos pessoais dos presidentes da República.
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Estimadas em mais de R$ 16 milhões, o conjunto de joias foi retido pela Receita Federal em outubro de 2021, depois que a comitiva do então ministro de Minas e Energia Bento Albuquerque voltou de uma viagem na Arábia Saudita.
O assessor do ministro passou pelo raio-x da alfândega e teve o conjunto de joias, que estava em sua mochila, retido. A lei determina que para entrar no Brasil com mercadorias acima de US$ 1 mil é preciso pagar imposto de importação equivalente a 50% do valor do produto. Quando o passageiro omite o item da Receita, ele tem que pagar uma multa adicional de 50% do valor.
O caso está sendo
Nesta sexta-feira (10), o jornal Estado de São Paulo revelou um documento do dia 29 de dezembro de 2022 do Palácio do Planalto que pedia para que as joias retidas pela Receita sejam cadastradas como acervo privado do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Regras sobre presentes
Desde 1991, durante o governo de Fernando Collor de Mello, o Brasil conta com uma lei que trata das regras para o recebimento de presentes destinados aos presidentes da República.
A lei 8.394/1991 diz que “os acervos documentais privados dos presidentes da República integram o patrimônio cultural brasileiro e são declaradas de interesse público”. A lei diz ainda que, em caso de venda, a União terá a preferência e que os bens não poderão ser alienados para o exterior sem manifestação expressa da União.
O que diz a lei
“O sistema de acervos documentais privados dos presidentes da República, através de seus participantes, terá como objetivo: preservar a memória presidencial como um todo num conjunto integrado, compreendendo os acervos privados arquivísticos, bibliográficos e museológicos; coordenar, no que diz respeito às tarefas de preservação, conservação, organização e acesso aos acervos presidenciais privados, as ações dos órgãos públicos de documentação e articulá-los com entidades privadas que detenham ou tratem de tais acervos; manter referencial único de informação, capaz de fornecer ao cidadão, de maneira uniforme e sistemática, a possibilidade de localizar, de ter acesso e de utilizar os documentos, onde quer que estejam guardados, seja em entidades públicas, em instituições privadas ou com particulares, tanto na capital federal como na região de origem do Presidente ou nas demais regiões do País; propor metodologia, técnicas e tecnologias para identificação, referência, preservação, conservação, organização e difusão da documentação presidencial privada; e conceituar e compatibilizar as informações referentes à documentação dos acervos privados presidenciais aos documentos arquivísticos, bibliográficos e museológicos de caráter público”
Mais de uma década depois, o então presidente Fernando Henrique Cardoso, assinou um decreto regulamentando o tema e determinou que documentos adquiridos em cerimônias oficiais durante visitas oficiais ou viagens de Estado ao exterior seriam incorporadas à União.
Lula e Fernando Henrique criaram institutos para cuidar de suas memórias e de seus acervos.
Dúvidas e limites
As regras, no entanto, foram consideradas ambíguas ao se tratar de quais itens poderiam ser considerados do acervo privado dos presidentes. Itens recebidos em “troca de presentes de chefes de Estado” poderiam ser incorporados nos arquivos pessoais?
Em 2016, o Tribunal de Contas da União (TCU) analisou o tema durante uma auditoria sobre o acervo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Uma ação da Operação Lava Jato apurou se presentes recebidos pelo petista e transportados para um depósito pela empreiteira OAS foram pagos com dinheiro de propina.
O TCU entendeu que só poderiam ser levados pelo presidente ao final de seu mandato presentes de “natureza personalíssima”, como por exemplo medalhas e honrarias concedidas em solenidades oficiais, ou produtos de consumo direto, como roupas, alimentos e perfumes.
A regra impediria que os presidentes levassem para acervos privados bens valiosos, como as joias que foram retidas pela Receita Federal.
O entendimento do TCU foi citado pelo senador Flávio Bolsonaro (Republicanos) ao comentar o caso das joias destinadas à primeira-dama em 2021.
“Na minha opinião, (o conjunto de joias) é personalíssima, independente do valor. O TCU está tendo esse entendimento agora. A Comissão de Ética falou que não tinha problema. Foi seguindo o que foi pedido. Não tem nenhum dolo da parte dele, de maldade, ou ato de corrupção”, afirmou o parlamentar, filho do ex-presidente Bolsonaro.