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Trabalhadores de países pobres ganham US$ 2 para ensinar ChatGPT

A inteligência artificial não existiria se os dados não fossem rotulados corretamente por eles

Trabalho humano mal remunerado é o que garante que a inteligência artificial funcione

Talvez você nunca tenha ouvido falar dos rotuladores de dados, mas é o trabalho deles que permite que ferramentas de inteligência artificial, como o ChatGPT, existam. Esses trabalhadores foram denominados de “força de trabalho oculta” pela Partnership on AI (PAI), que reúne representantes de universidades, de organizações da sociedade civil, da mídia e da indústria envolvida com a inteligência artificial.

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A maioria deles é subcontratada por grandes empresas de tecnologia — geralmente em países pobres do Hemisfério Sul — para treinar sistemas de inteligência artificial. Sua tarefa é tediosa, mas essencial para que esses programas funcionem: são eles que rotulam os dados e as imagens para garantir que a inteligência artificial saiba como agir.

O ChatGPT, por exemplo, usa cerca de 175 bilhões de parâmetros ou variáveis para decidir o que responder quando o usuário faz uma pergunta a ele. Para distinguir os conteúdos que encontra na internet, ele recorre às referências oferecidas por seres humanos. “Não há nada de inteligente na inteligência artificial. Ela aprende à medida que é treinada”, explica Enrique García, cofundador e gerente da DignifAI, em entrevista à BBC.

Na indústria de tecnologia, essa atividade é conhecida como enriquecimento de dados — executada pelos rotuladores de dados. Apesar de ser uma prática essencial para o desenvolvimento da inteligência artificial, entretanto, é a menos reconhecida na cadeia produtiva. “Apesar do papel fundamental que esses profissionais desempenham, pesquisas revelam as precárias condições de trabalho que eles enfrentam”, diz a PAI à BBC.

Uma investigação da revista Time revela que muitos dos rotuladores que a OpenAI contratou para treinar o ChatGPT recebiam entre US$ 1,32 e US$ 2 por hora (de R$ 6 a R$10). Reportagem de Billy Perrigo aponta que a empresa contratou uma companhia chamada Sama, com sede em São Francisco, para fazer o trabalho. Ela, por sua vez, o repassou a trabalhadores no Quênia.

Em comunicado, a OpenAI informa que a terceirizada era responsável pela gestão dos salários e das condições de trabalho desses profissionais. “Nossa missão é garantir que a inteligência artificial beneficie toda a humanidade. Trabalhamos para construir sistemas seguros e úteis que limitem o viés e o conteúdo nocivo”, afirma.

Para o Google e a Meta, a mesma empresa contrata rotuladores em outros países de baixa renda, como Uganda e Índia. Embora a empresa afirme ter tirado mais de 50 mil pessoas da pobreza, Martha Dark, diretora da organização ativista britânica Foxglove, avalia que as empresas de tecnologia pagam a esses trabalhadores muito menos do que deveriam. “Todas essas empresas são multibilionárias e é inadequado que pagando US$ 2 por hora para os trabalhadores que tornam essas plataformas possíveis”, aponta.

Para García, do DignifAI, a polêmica sobre os salários “é questão de perspectiva”. Se na Europa e nos EUA ganhar essa quantia não é suficiente, em outras partes do mundo esse pode ser um bom salário. “Muitos criticam nosso setor pelo salário, mas na DignifAI nosso piso salarial é de US$ 2,30 a hora, o que representa 1,8 vezes o salário mínimo na Colômbia”, afirma.

Ele garante, entretanto, que em projetos mais complexos e que exigem profissionais especializados, como arquitetos ou médicos, o salário pode chegar a US$ 25 por hora. “Existem dinâmicas de terceirização em muitos setores, não apenas neste. Então, não é justo nos rotular por ‘exploração digital’”, completa.