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Custo estrada: buracos e trepidações danificam cargas e machucam alimentos, dizem transportadores

ONU aponta que 30% dos alimentos são perdidos na fase pós-colheita no Brasil

Caminhão descarrega na Ceasa

Distância percorrida, categoria do produto transportado, combustível e impostos. Esses são os principais fatores que compõem o cálculo do frete e, consequentemente, o preço final de uma mercadoria. Mas quem viaja pelas rodovias brasileiras convive com diversas variáveis, que nem sempre são consideradas na equação dos custos. Buracos, interdições, desvios e acidentes – que deveriam ser eventos excepcionais – estão se tornando cada dia mais corriqueiros nas estradas.

Caminhoneiros e autoridades do setor do transporte concordam que a má qualidade das rodovias provoca inúmeros danos nos veículos, que vão desde pneus estourados, rodas e cargas quebradas e danos ao sistema de suspensão dos veículos.

“Custo estrada”

E se um item estraga, o caminhoneiro autônomo ou a empresa de transporte precisam colocar a mão no bolso para fazer a manutenção ou trocar o equipamento. Esse “custo estrada” tem sido incluído no preço final dos produtos. Nas ruas das grandes capitais, a população tem diversas reclamações:

“Caríssimo! Isso aqui tá um horror, antigamente a gente pegava R$ 100 e dava pra encher a sacola. Hoje em dia não dá pra comprar nada, não dá nem pra dois dias, principalmente se tiver carne, né? Aí que não dá mesmo, eu sou aposentada, né? Aí tem que fazer uns biquinhos pra conseguir alimentar os meus netos que moram comigo, com um salário mínimo não dá", conta Maria Soares de Abreu enquanto faz compras em um sacolão de BH.

Segundo a Embrapa, Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, a área plantada no país é de aproximadamente 64 milhões de hectares. Tamanha oferta deveria ser capaz de garantir um alimento barato na mesa do brasileiro, mas não é isso que acontece.

O peso das frutas, legumes e verduras no bolso das pessoas também foi constatado pela Federação de Agricultura e Pecuária de Minas. O presidente da instituição, Antônio Pitangui de Salvo, afirma que a entidade realizou estudos e levantamentos que comprovaram a relação direta entre as estradas em péssimas condições e o aumento nos preços dos itens que compõem a refeição dos brasileiros.

“Uma estrada ruim prejudica o escoamento da safra. Melhor dizendo, prejudica a chegada de insumos nas fazendas, nas propriedades, mas - mais do que isso - prejudica no aumento do preço da cesta básica. Estradas que tem mais fluidez, estradas em que você possa transportar de maneira mais rápida e mais segura os produtos que vem do campo, esses produtos consequentemente chegarão nas cidades mais baratos. Estrada ruim é produto mais caro no supermercado, sem sombra de dúvida.”, explicou.

Ceasa

Local de fluxo intenso de caminhoneiros, principalmente nas primeiras horas da manhã, as Centrais de Abastecimento são um termômetro do que sai dos campos e chega aos sacolões e supermercados do país. E por lá, os preços também estão em elevação. O presidente da Ceasa Minas, Luciano Oliveira, reforça que estradas melhores resultariam em custos menores.

“Uma boa estrada vai se traduzir num menor consumo de combustível. Melhorou a operacionalidade desse transporte e, com isso, ele vai ter rapidez pra chegar aqui e com isso os cursos vão baratear. É importantíssimo”, frisou.

Trechos críticos

Em apenas um ano, o número de trechos problemáticos nas estradas do país cresceu 50%. Em 2022, a pesquisa “Transporte Rodoviário – Os Pontos Críticos nas Rodovias Brasileiras”, lançada pela Confederação Nacional do Transporte, apontou 2.610 pontos de atenção na malha estudada.

Ainda segundo o levantamento, há dez anos, o motorista encontrava, em média, um ponto crítico a cada 372 quilômetros percorridos; em 2022, a frequência passou para uma ocorrência a cada 44 quilômetros. Entre os principais problemas estão quedas de barreiras, erosões na pista, buracos grandes, pontes caídas e pontes estreitas.

Os problemas se concentram, majoritariamente, em rodovias sob gestão pública estadual. No ranking das 10 piores estradas do país, oito são de responsabilidade dos estados, principalmente do Norte e Nordeste do país. As duas piores rodovias federais são a BR-403, no Ceará, e a BR-342, que liga a Bahia ao Espírito Santo.

Se há problemas em todo o Brasil, os impactos também ultrapassam os contornos de Minas Gerais. Eder Eduardo Bublitz, diretor presidente da Associação Brasileira das Centrais de Abastecimentos – que reúne todas as Ceasas do país - reafirma que há uma deficiência crônica no escoamento dos itens in natura.

“Impacta diretamente o custo do consumidor, no quilo do alimento, a questão das perdas. É um buraco, um pulo que um caminhão dá, ocorre um trauma no alimento. Qualquer tipo de fruta ou legume transportado, com esse trauma, tem seu preço e qualidade afetados”, explica.

Desperdício

Alimentos mais sensíveis, como as frutas, por exemplo, recorrentemente precisam ser descartados por não resistirem ao sacolejo das viagens.

O fornecedor João Paulo Alves Marques confirma as perdas e diz que às vezes é obrigado a repassar parte do prejuízo aos sacolões e supermercados que ele abastece na Grande BH.

"Às vezes o cara tem que rodar mais do que devia porque teve um pneu estourado, um problema na estrada e o cara tem que se matar na estrada para não perder a feira. Para eu não perder o dinheiro, para ele não ficar mais agarrado. Se aumentou para mim o frete eu tenho que aumentar para o cliente. Então um aumenta para o outro”, detalha.

Maurício Gomes é responsável por descarregar os caminhões que chegam de todas as partes do país na Ceasa Minas. Ele exerce a função conhecida popularmente como chapa e geralmente é o primeiro a verificar a condição dos produtos e veículos após quilômetros nas estradas.

“Muita carga torta, muita caixa quebrada, muito desperdício, né? Muitas coisas que já chegam estragadas por conta de buraco na estrada, como melancia. Vem pulando, estoura bastante. E não tem como ter uma revenda. Então já vem com um sentido de desperdício”, conta.

Quando o alimento chega em condições ruins, inevitavelmente, o destino é o lixo. O Brasil, segundo a Organização das Nações Unidas, é considerado um dos dez países que mais desperdiçam comida em todo o mundo. Cerca de 30% da produção é descartada na fase pós-colheita.

Mas esse percentual poderia ser reduzido e evitado. E um dos fatores que poderia retirar o Brasil do ranking do desperdício é a melhoria das estradas. É o que apontou, em entrevista exclusiva à Itatiaia, Rafael Zavala, Representante no Brasil da FAO, braço da ONU dedicado à Alimentação e a Agricultura.

“Estradas ruins podem, sem dúvida, significar em alimentos mais caros. E isso coloca em risco a segurança alimentar da população”, disse.

Em muitas ocasiões, o transporte também ocasiona danos estéticos aos alimentos, ou seja, a segurança nutricional permanece, mas o valor comercial é perdido. A Organização das Nações Unidas estima que o Brasil descarte 27 milhões de toneladas de alimentos por ano e um dos motivos é o fato de parte deles não se encaixar em formatos e cores tidos como ideais.

Na terceira reportagem da série “Custo Estrada: o impacto das rodovias ruins na mesa do brasileiro”, nós vamos contar os desafios, dilemas e os impactos financeiros na vida do caminhoneiro que circula por algumas das piores rodovias do país.

Ouça a reportagem abaixo:

Ficha técnica:

Reportagem: Mardélio Couto
Produção e edição: Maria Fernanda Cinini
Sonoplastia: Thiago Castro

Repórter de política na Rádio Itatiaia. Começou no rádio comunitário aos 14 anos. Graduou-se em jornalismo pela PUC Minas. No rádio, teve passagens pela Alvorada FM, BandNews FM e CBN, no Grupo Globo. No Grupo Bandeirantes, ocupou vários cargos até chegar às funções de âncora e coordenador de redação na BandNews FM BH. Na televisão, participava diariamente da TV Band Minas e do BandNews TV. Vencedor de 8 prêmios de jornalismo. Já foi eleito pelo Portal dos Jornalistas um dos 50 profissionais mais premiados do Brasil.