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Custo estrada: o impacto das rodovias ruins na mesa do brasileiro

Série de reportagens da Itatiaia explica de que forma a qualidade das rodovias pode gerar impacto no preço dos alimentos e produtos consumidos pelos brasileiros

Caminhão acidentado à beira de rodovia

Pela primeira vez, desde o início dos estudos da Confederação Nacional dos Transportes (CNT), menos de 10% do asfalto das rodovias brasileiras foi classificado como excelente. A pesquisa mais recente, realizada em 2022, apontou a pior avaliação das estradas que cortam o país em 27 anos.

Os indicadores reforçam o que motoristas e empresários de diversos setores da economia já constataram: a maioria das BRs caminha na contramão do desenvolvimento.

Dos mais de 110 mil quilômetros avaliados pela CNT, 66% foram classificados como regular, ruim ou péssimo, tornando a trajetória de crescimento da indústria, do agronegócio, da mineração e até do turismo cada vez mais difícil.

E se é pelas estradas que mais de 60% de toda mercadoria do país é escoada, a relação entre a condição dos trechos, os custos do transporte e a qualidade dos produtos que chegam aos clientes não é das mais amigáveis. Os números retratam com clareza o impacto da falta de políticas públicas e privadas no setor rodoviário brasileiro e como o percurso do avanço econômico é sinuoso e lento.

Durante dois meses, a Itatiaia percorreu trechos de estradas e coletou depoimento de caminhoneiros, representantes de entidades nacionais e internacionais e de consumidores sobre a consequência das estradas ruins na qualidade dos produtos. E como tantos indicadores negativos contribuem para encarecer e reduzir a segurança do alimento que chega na sua casa.

Ao longo desta semana, a série “Custo Estrada: o impacto das rodovias ruins na mesa do brasileiro” vai abordar em cinco matérias os principais problemas, gargalos e apontar soluções para as deficiências crônicas desse modal .

As reclamações

Depois de 1600 quilômetros de viagem, encontramos Ramon Pereira Arruda na Central de Abastecimento de Minas Gerais, que fica em Contagem, na região metropolitana de Belo Horizonte. O caminhoneiro, de 35 anos, entregava uma carga de coco fresco, após 30 horas de viagem desde Juazeiro, na Bahia. A rota do transportador de frutas passa por rodovias de estados do Sudeste e Nordeste do país e, segundo ele, todas apresentam semelhanças negativas.

“Eu tenho 35 anos de caminhão e vejo que está cada dia pior. A cada ano, a cada governo, só aumentam impostos e pouco fazem. E as melhorias nas estradas são muito poucas e as que fazem é a gente que paga, né? Quando chega fazer alguma coisa privatiza a via”, comenta.

Em Minas, por parte dos usuários, as queixas atingem rodovias de responsabilidade do governo federal, estadual e até das concedidas à iniciativa privada. Já o lado que deveria trazer soluções apresenta discursos repetidos, jogo de empurra, acusações e pedidos para quebra de contratos.

Entre as federais, os principais alvos de reclamações são BR-381, entre a capital mineira e Vitória, no Espírito Santo, a rodovia Fernão Dias, de BH a SP, e a BR-040, principal ligação entre a capital mineira e o Rio de Janeiro, sendo as duas últimas privatizadas.

BR-381 sentido São Paulo

A saída para SP é crítica. Na rodovia, os caminhoneiros são obrigados a abandonar a faixa da direita para desviar de buracos e erosões, o que provoca lentidão no fluxo de veículos de passeio. Neste segmento, a estrada é privatizada e é administrada pela Arteris Fernão Dias. São 8 praças de pedágio. Um caminhoneiro chega a gastar mais de 100 reais no percurso. O caminhoneiro Júlio Lessa diz que não consegue entender como uma estrada pedagiada pode ter trechos tão ruins. "É uma vergonha. A pista da direita, uma estrada com pedágio, e tudo cheio de buraco! Você, não pode andar 30, 40 Km, o caminhão chacoalha todo. É inexplicável um lugar que tem pedágio ser ruim daquele jeito”, desabafa.

BR-381 sentido Vitória

Já entre Minas Gerais e Espírito Santo, o trecho mais crítico, segundo os caminhoneiros, é na BR-381 entre as cidades de João Monlevade e Vitória. Há relatos de pneus estourados, rodas destruídas e acidentes causados por motoristas de carros de passeio que tentam desviar dos buracos no asfalto. O borracheiro José do Carmo Silva afirma que os caminhoneiros chegam à borracharia dele querendo até vender o caminhão, após passar por alguns trechos da BR-381.

“Não é só pneu furado não, é várias coisas, né? Roda quebra também, pneu desloca, aí já era, o frete vai embora. O reparo fica ali em 3 mil reais um pneu, o mais barato é R$2.200 ou R$2.400, aí acabou, né?”, comenta.

“Tem caminhoneiro que chega aqui e diz que dá vontade de largar a carreta e ir embora. É muito problema, muito buraco, quebra toda hora o caminhão, então a pessoa acaba até desistindo, né? Acaba vendendo um caminhão por causa dos problemas da BR”.

Norte de Minas

Também não faltam reclamações em relação às rodovias que cortam o Norte de Minas. A BR-122 tem causado prejuízos e estresse semanalmente para o caminhoneiro Mário Lucas Cantuária, que traz alimentos in natura da região para a capital mineira.

"[eu passo por] um trechinho de 100 Km, mas tem muito buraco, trepidação, pra nós lá tá o caos, viu? A gente a gente fica sem graça até, chegar no cliente aqui com com a fruta danificada ou com carga torta, essas coisas, por causa da estrada”, comenta.

Depois de anos transportando frutas, legumes e verduras de outros produtores, Breno Maia decidiu “mudar de lado” e investir na própria produção rural na região turística da Serra do Cipó, na Grande BH. Apesar de toda experiência no volante, o escoamento dos produtos foi terceirizado.

“Tive que reduzir as minhas entregas, vendi o caminhão justamente por causa de estrada, a gente não dava conta de pagar a manutenção, caminhão quebra demais. O alimento tem que ser transportado adequadamente. Ele balançando vai só estragando, né? Então uma estrada boa ajudaria demais da conta e a estrada ruim é o caminhão quebrando mais. E aí é tudo inclui no frete, né? Não tem como, vai estragando, vai dando manutenção e a gente tem que jogar o valor das mercadorias em cima dessa manutenção do automóvel da gente”, explica.

Prejuízos

Além de comprometer a qualidade dos alimentos, as estradas ruins têm efeitos variados nos veículos. Um pneu estourado pode provocar um prejuízo, aproximado, de três mil reais e zerar todo o lucro de uma viagem.

Um estudo da CNT aponta que problemas no pavimento das estradas provocam uma elevação do custo operacional do transporte de mais de 28%. Prejuízo também para o bolso do consumidor. É o que vamos contar na segunda reportagem da série: como as estradas em más condições têm contribuído para elevação no preço do frete e para o desperdício de alimentos.

Ouça a primeira reportagem completa:

Ficha técnica:

Reportagem: Mardélio Couto
Produção e edição: Maria Fernanda Cinini
Sonoplastia: Thiago Castro

Repórter de política na Rádio Itatiaia. Começou no rádio comunitário aos 14 anos. Graduou-se em jornalismo pela PUC Minas. No rádio, teve passagens pela Alvorada FM, BandNews FM e CBN, no Grupo Globo. No Grupo Bandeirantes, ocupou vários cargos até chegar às funções de âncora e coordenador de redação na BandNews FM BH. Na televisão, participava diariamente da TV Band Minas e do BandNews TV. Vencedor de 8 prêmios de jornalismo. Já foi eleito pelo Portal dos Jornalistas um dos 50 profissionais mais premiados do Brasil.