A investigação da Polícia Civil que concluiu pelo indiciamento do vereador Léo Burguês (União) expõe a relação de troca de favores e facilitamento para procedimentos dentro da estrutura da Prefeitura de Belo Horizonte. O inquérito flagrou, em gravações telefônicas e trocas de mensagens de celular, pelo menos três casos em que o parlamentar, então líder de governo na gestão de Alexandre Kalil (PSD), conseguiu impedir a fiscalização de eventos e empreendimentos ilegais, além da liberação de alvarás, através da relação com a ex-secretária de Política Urbana Maria Caldas, o atual subsecretário de Fiscalização José Mauro Gomes e Aldo Oliveira, à época diretor de fiscalização da Regional Oeste.
Léo Burguês, sete servidores e o diretor de fiscalização da PBH foram indiciados pelos crimes de peculato-desvio, corrupção passiva, corrupção ativa, advocacia administrativa, lavagem de dinheiro e organização criminosa. O parlamentar nega a existência de qualquer irregularidade em sua atuação. Apesar de flagrados em conversas e trocas de mensagens atuando junto à suposta irregularidade liderada pelo vereador, a secretária Maria Caldas e o subsecretário José Mauro não foram indiciados.
Segundo a prefeitura, todos os servidores que foram indiciado no inquérito foram exonerados neste sábado (28). Aldo Oliveira, por ser funcionário efetivo, ainda vai responder a um processo administrativo interno no município, mas perdeu o cargo comissionado.
Os casos encontrados durante a investigação ocorreram em 2020 - em agosto daquele ano, a Polícia Civil realizou uma operação de busca e apreensão em endereços ligados ao parlamentar.
Em março de 2020, um empresário do ramo de eventos e proprietário de uma casa de shows no Prado faz contato com o vereador: um show de rock internacional já programado para ocorrer estava ameaçado porque a casa não possuía alvará para funcionamento. Léo Burguês, junto a uma assessora de seu gabinete, prevê que dificilmente a documentação seria liberada pela prefeitura a tempo de permitir o evento. O parlamentar, então, atua junto ao diretor de Fiscalização da Regional Oeste, Aldo Oliveira, para que não ocorressem atos de fiscalização por parte da prefeitura no dia do show.
Na ligação telefônica interceptada pela polícia, Burguês avisa o diretor Aldo sobre a realização do evento e que o caso era um “problema” por conta da falta de regularização. Aldo responde, “não, mas a gente não vai lá, não tem nada, não tem nem equipe pra ir lá. (...) Não vai ter fiscalização não, beleza?”.
A troca de favores continua, com Burguês afirmando a Aldo que apresentaria emenda a um projeto de lei dando benefícios a categoria de fiscais. “Nós não fizemos isso por categoria nenhuma, a gente vai colocar isso aqui, que é uma coisa que como a gente falou que ia fazer, vamos colocar na lei”, diz o vereador.
Posteriormente, o evento ocorre - a polícia ainda pontua que, no ano de 2020, “não houve autuação para o referido estabelecimento”. O empresário proprietário da casa de shows também devolve o favor ao parlamentar: ele disponibiliza dados pessoais de cerca de 110 mil pessoas que já passaram pelos eventos organizados por ele. O material, segundo o inquérito, seria utilizado para ajudar na campanah eleitoral de Burguês naquele ano.
Em junho de 2020, empresários proprietários de um heliponto no Estoril pedem ajuda ao vereador: o empreendimento estava interditado pela prefeitura e não poderia funcionar normalmente. Burguês aciona diretamente o subsecretário de Fiscalização da Prefeitura de BH, José Mauro Gomes, que acalma o vereador, garantindo que o heliponto poderia funcionar mesmo sem a documentação e que já havia acordado com equipes para não fiscalizar o local.
“Nessa sequência da conversa, ZE (José Mauro) confirmou o anteriormente acordado: que a empresa interditada poderia continuar as atividades com a garantia de que não haveria fiscalização por parte da prefeitura e que ALDO se reuniria com representantes dessa companhia. Ao final, ZE reiterou que a documentação disponível ao empreendimento não lhes dava o direito à operação”, mostra trecho do inquérito.
Nesse mesmo dia, Burguês faz contato com a secretária de Política Urbana, Maria Caldas, avisando que haviam interditado o heliponto do Estoril, e questiona sobre o que aconteceu. “Amanhã vou ver”, responde a secretária. No dia seguinte, o vereador pergunta novamente, “chegou a olhar a questão do heliponto?”, Maria Caldas reage, “estou aguardando o retorno do Zé Mauro hoje pela manhã".
Em oitiva aos investigadores, o subsecretário José Mauro confirmou as conversas entre ele e o vereador, e afirmou que “a decisão de ‘tolerar’ o funcionamento do heliponto se deu a pedido dos empreendedores através de LEO BURGUÊS e que tal ato seria comum, entendido pelo Subsecretáro de Fiscalização como uma forma de não impedir as atividades empresariais na capital mineira diante dos requisitos para a devida legalização. Questionado sobre a relação dele com o vereador investigado, disse que era somente institucional”.
Também ouvidos pela polícia, os empresários proprietários do empreendimento afirmaram que, apesar das movimentações do vereador junto à prefeitura, a empresa não funcionou após a interdição. “Ele asseverou que o setor jurídico proibiu qualquer pouso ou decolagem enquanto não obtivessem a licença de operação”. A documentação foi liberada à empresa em junho de 2021, um ano depois do episódio.
Um outro episódio indicando a relação próxima de Burguês com a prefeitura se deu por conta da realização de um evento de natal promovido por uma empresa de parentes do vereador. Com dificuldades financeiras para emplacar o show “Encantos de Natal”, o parlamentar recorre a um empresário que empresta dinheiro para a realização do evento. Em troca, o interlocutor passa a pedir favores para o vereador.
“A sequência das conversas entre LEO e LEANDRO (empresário) esclareceram que a mensagem do vereador para MARIA CALDAS se tratava de um pedido em favor de LEANDRO. Como visto abaixo, imediatamente após se oferecer para “salvar” o evento de LEO BURGUÊS fazendo contato com o gerente buscando o dinheiro, LEANDRO perguntou sobre o andamento do alvará solicitado por ele, tendo LEO explicado que havia despachado direto com a secretária (MARIA CALDAS). Além disso, LEO assumiu ser o despachante de LEANDRO na PBH, que teria se tornado o “recordista de tempo na prefeitura”, ou seja, LEO usou da influência como vereador para acelerar os processos de interesse de LEANDRO junto à prefeitura de Belo Horizonte”, mostra trecho do inquérito.
A investigação flagrou, neste caso, atuação do vereador para auxiliar o empresário a resolver trâmites envolvendo a liberação de alvarás para os empreendimentos do empresário. Burguês chega a enviar imagens de conversas com a secretária Maria Caldas tratando da agilização do trâmite para o alvará pedido. O parlamentar chega, na conversa com o empresário, a demonstrar entusiasmo quanto à velocidade em que conseguiu avançar com as documentações. “Irmao pode não ser na velocidade que a gente quer, mas a sua velocidade NINGUÉM EM BH TEM !!Pode perguntar pra qualquer construtor”, escreve.
Segundo o inquérito, a apuração indicou que os recursos enviados pelo empresário para financiar o evento natalino não foram integralmente para o show - parte, segundo a polícia, serviu para realizar reformar em um imóvel do parlamentar.
Além de atuar junto a prefeitura para beneficiar entes privados, Burguês também foi investigado neste inquérito por supostos esquemas de rachadinha e outros crimes. A investigação segue com o Ministério Público, que ainda estuda a formulação de denúncia contra o vereador à Justiça.
Em nota, o vereador Léo Burguês afirmou que frases retiradas do contexto não retratam a realidade e que seu trabalho é buscar soluções para problemas da cidade.
"É minha função buscas soluções para os problemas da cidade. Em especial para o setor produtivo. Todas as ações em defesa do interesse do cidadão feitas por mim, junto a Maria Caldas, ao José Mauro e todos os funcionários da PBH que já me relacionei até hoje foram feitas estritamente dentro da lei, especificamente nesses casos todas as explicações foram dadas pelos agentes envolvidos. Conversas ou frases retiras de contexto não retratam a realidade dos fatos”, pontuou o vereador.
Na sexta-feira (27), também em nota, Burguês lamentou o indiciamento e negou qualquer irregularidade em seu gabinete.“É com grande indignação e perplexidade que recebemos essa notícia já que, na realidade, as investigações apuraram justamente o contrário: tal prática nunca ocorreu. Ao longo de uma devassa de quase quatro anos em meu gabinete, na minha vida pessoal e profissional e de total colaboração minha TODOS os depoimentos negaram devolução de dinheiro e mostram materialmente e textualmente que todos os assessores prestam serviços de acordo com suas funções no mandato. Destaco ainda que todas minhas contas foram aprovadas pela justiça e meu patrimônio é público e compatível com meus ganhos. A única irregularidade existente é o vazamento de informações de um procedimento ainda embrionário que corre em segredo de justiça para a imprensa, o que inevitavelmente atinge minha honra, minha vida pessoal e meu mandato. Lamentável”.