Ontem, 25 de novembro, marcou o Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra a Mulher. A data é relativamente recente, mas o combate é tão antigo quanto as primeiras estruturas sociais que tentaram definir o que uma mulher “podia” ou “não podia” ser. Muito antes de existir delegacia especializada, medida protetiva ou Lei Maria da Penha, já havia mulheres resistindo em silêncio — ou pagando um preço alto por ousar existir fora do padrão imposto. E, curiosamente, apesar de séculos de luta, campanhas, protocolos e diplomas legais, a violência permanece como uma ferida aberta na nossa sociedade.
Não é por falta de legislação. O Brasil possui um dos arcabouços mais completos do mundo: Lei Maria da Penha, Lei do Feminicídio, medidas protetivas ampliadas, políticas integradas de prevenção, atendimento e responsabilização. Todos os anos, o Estado anuncia novas normas, novas iniciativas, novos mecanismos de proteção. Mas a persistência da violência revela que o problema não se encerra no texto jurídico. Ele nasce e se alimenta de um padrão sociocultural profundamente arraigado, que ainda sustenta a ideia de que o homem detém algum tipo de autoridade natural sobre a mulher.
A verdade incômoda é que muitos homens — não todos, mas um número significativo — não conseguem lidar com mulheres autônomas, assertivas, financeiramente independentes e conscientes de seus direitos. A sociedade evoluiu, o Direito avançou, mas parte deles ficou presa a um modelo ultrapassado de masculinidade, em que o poder se exerce pela imposição e não pelo diálogo. Quando a mulher se posiciona, questiona, recusa, prospera ou simplesmente vive com liberdade, alguns respondem com controle, intimidação e, nos casos mais graves, agressão física e psicológica. É a velha tentativa de restabelecer uma “ordem” que nunca deveria ter existido.
O que favorece essa violência? A normalização de microagressões; a ideia de que ciúme é prova de amor; a crença de que conflitos domésticos são “problemas do casal”; a perpetuação de discursos que deslegitimam a palavra da vítima; e, claro, a persistente tolerância social com comportamentos masculinos abusivos. Soma-se a isso uma educação que ainda forma meninos sem responsabilidade emocional e meninas acostumadas a se adaptarem para evitar conflito. O resultado é um ambiente fértil para a perpetuação de relações assimétricas.
Por mais que o Direito seja essencial — e é —, ele não substitui a transformação cultural necessária. Leis protegem, punem, organizam. Mas não reeducam sentimentos, não corrigem masculinidades frágeis, não refazem estruturas familiares, não substituem o dever social de exigir limites claros. A violência contra a mulher não é um problema feminino: é um problema masculino, estrutural, que se manifesta sobre o corpo e a vida das mulheres.
O 25 de novembro não é uma data simbólica isolada. É um lembrete anual de que, apesar de todos os avanços legais, a cultura ainda está aquém da lei. E enquanto essa distância existir, o Direito continuará sendo chamado a conter aquilo que deveria ter sido resolvido pela educação, pela maturidade emocional e pelo respeito humano básico.