“A experiência é um carro com os faróis virados para trás”, dizia o médico e escritor mineiro Pedro Nava, numa alusão ao fato de que aprendizados nos deixam mais alertas para seguir rumo a um futuro que nunca conseguiremos, na verdade, prever em detalhes.
Em um cenário global cada vez mais dinâmico e complexo saber onde se está pisando é um exercício importante, ainda que as certezas sejam escassas.
Quatro anos atrás, depois de serem saudados pela decisão de voltar ao Acordo de Paris, os Estados Unidos rascunhavam seu Inflation Reduction Act. Tratava-se de legislação destinada a criar empregos compatíveis com um modelo de crescimento baseado em inovação; diminuir os custos da energia para os consumidores; enfrentar os desafios climáticos. A legislação foi desidratada na atual gestão e Donald Trump tirou outra vez o país do Acordo de Paris, em nova reviravolta geopolítica, econômica e ambiental da Casa Branca.
Naquele já longínquo 2021 o outro lado do Atlântico se despedia da chanceler alemã Angela Merkel e de seu papel protagonista na União Europeia, desempenhado ao longo de 16 anos. E a China fechava o ano com um crescimento de 8% apesar das restrições de circulação impostas por seu governo como parte do esforço de combate a Covid19.
O ChatGPT estava a um ano de ser lançado oficialmente e a Rússia ainda não havia invadido a Ucrânia. Por sua vez, as expressões “terras raras” e “minerais críticos” continuavam restritas a círculos de especialistas.
Enquanto isso, em um Brasil que já assistira a mais de 600 mil mortes devido a pandemia, as urnas eletrônicas estavam colocadas no centro das atenções a ponto de afetar os humores de Brasília.
Como se vê, meros quatro anos são suficientes para operar profundas transformações e impor novos desafios a lideranças políticas e empresariais, bem como aos diferentes elos da sociedade civil.
O que aprendemos no período e o quanto essa experiência nos ajuda ao olhar para idêntico lapso de tempo que nos espera a partir de 2026?
Há poucas dúvidas de que os próximos quatro anos vão determinar enormes mudanças na ordem mundial. Nesse contexto algumas perguntas se impõem naturalmente: a inteligência artificial avançará a ponto de tomar decisões fora do controle dos humanos? Qual o destino de Taiwan? O apetite territorial de Vladimir
Putin tem limites? A Europa conseguirá retomar o vigor econômico e manter um patamar adequado de coesão política? A grande guinada nas relações dos Estados Unidos com seus aliados tradicionais veio para ficar? Como se insere o Brasil nesse processo e o que precisa ser feito para garantir sua evolução e competitividade nos próximos anos?
A História ensina que cenários internacionais se estabelecem, dão as cartas durante algumas décadas, depois desbotam e cedem lugar a novas realidades.
A Primeira Guerra Mundial foi um divisor de águas que corroeu estruturas de poder até então aparentemente inabaláveis, como os impérios Otomano e Austro-Húngaro. “La Grande Guerre”, como passou a ser identificada na França (que perdeu 1,4 milhão de cidadãos durante o conflito), redesenhou parte do mapa da Europa e representou rupturas também nas dimensões econômica e social. Além disso, abriu espaço para que os Estados Unidos se consolidassem definitivamente como potência mundial.
Encerrado aquele confronto com um Tratado de Versalhes que puniu drasticamente a derrotada Alemanha e esteve na gênese do nazismo e da ascensão de Adolf Hitler, o mundo conheceu duas décadas de paz que terminaram com a eclosão da Segunda Guerra Mundial. Esta, além de devastar boa parte da Europa, ampliou os campos de batalha na África e na Ásia. A vitória dos Aliados (Estados Unidos, Inglaterra e França à frente) sobre as forças do Eixo (Alemanha, Itália, Japão) criou uma ordem internacional diferente e mais longeva.
Sacramentada em 1945 ela marcaria o início de uma nova disputa: a Guerra Fria entre os Estados Unidos e a então União Soviética, que consagrou a multiplicação do poder nuclear de parte a parte.
Essa fase começou a se desfazer em 1985 a partir das políticas da Perestroika (reestruturação econômica) e Glasnost (abertura política) anunciadas pelo líder soviético Mikhail Gorbachev, que enfraqueceram o regime de Moscou e acabaram levando-o à dissolução. Iniciava-se ali um ciclo que se insinuava mais virtuoso, aberto ao diálogo e colaborativo do que os anteriores.
Quarenta anos depois, no entanto, assistimos a um redesenho do mapa mundi que vai muito além da geografia e que foi ganhando contornos gradualmente ao longo do século 21. De composição fortemente geopolítico e militar, tal movimento está também relacionado a mudanças no ambiente de negócios e no crescente protagonismo da Ásia. China (segunda maior economia do mundo) e Índia (quarta no ranking, nos calcanhares da terceira colocada Alemanha) ganham cada vez mais musculatura e influência globais. Não apenas por seus PIBs robustos mas também por já terem se transformado, respectivamente, em
terceiro e quarto maiores forças militares do planeta (atrás apenas de Estados Unidos e Rússia).
Embora afastado dos cenários mais belicosos do planeta o Brasil enfrenta várias outras batalhas e desafios, que incluem desde a polarização política até uma aparente falta de apetite para um projeto estratégico de estado com foco no médio e no longo prazo.
No dia a dia o país se depara com a contínua expansão territorial e diversificação no modus operandi do crime organizado. Este não mais se restringe ao tráfico de drogas e armas, estendendo suas atividades ao garimpo, aos crimes cibernéticos e negócios ilícitos em vários setores, principalmente no de combustíveis.
Em outro quadrante, uma silenciosa mas relevante variável vai ganhando corpo e atende pelo nome de contas públicas. Segundo a Instituição Fiscal Independente (IFI) o crescimento contínuo das despesas oficiais obrigatórias em contraste com receitas que avançam (quando avançam) mais vagarosamente permitem projetar déficits sucessivos, além de aceleração da defasagem nos próximos anos. Em outras palavras, isso significa vulnerabilidades do atual regime fiscal e o risco de a dívida pública sair dos atuais 78,6% para atingir o equivalente a 100% do PIB já em 2030 (números anteriores: 71,7% em 2022; 74,4% em 2023; 76,1% em 2024).
Estamos chegando a 2026, ano em que mais de 158 milhões de brasileiros estarão aptos a ir às urnas. Seria mais do que desejável que os candidatos em geral se ocupassem em contornar os discursos inflamados e requentados de sempre para buscar proposições práticas e viáveis, capazes de ajudar o país a chegar a 2030 mais saudável (em todas as dimensões) e melhor preparado para enfrentar as próximas décadas.