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Inteligência artificial pode avaliar risco de depressão e ansiedade

Cientistas da USP usam aprendizado profundo de máquina para avaliar padrões de escrita no Twitter que sugerem probabilidade de transtorno psiquiátrico

Pesquisadores da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (Each-USP) estão desenvolvendo um algoritmo para analisar perfis do Twitter e buscar pistas que sugiram transtornos psiquiátricos. A ideia é avaliar se a linguagem usada nas redes sociais pode apresentar padrões e sinais precoces de quadros relacionados à saúde mental.

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Ivandré Paraboni, que coordena o projeto, diz que a equipe já tem uma base de dados com informações de 3,9 mil usuários do Twitter que afirmam ter recebido diagnóstico de depressão ou ansiedade. Os cientistas compilaram as redes de conexões desses perfis e o conteúdo em texto compartilhado por eles na rede social — em um total de 47 milhões de pequenos posts de até 280 caracteres.

O material foi comparado ao de outro grupo de usuários do Twitter — escolhidos de forma aleatória —, que não demonstravam ter passado por avaliação médica sobre saúde mental nem estar em tratamento contra transtornos psiquiátricos. "É claro que, no meio desse universo, pode haver indivíduos que mentiram ou que omitiram essas informações”, pondera Paraboni. “Como a base de dados é grande, estimamos que esses falsos positivos ou falsos negativos sejam poucos.”

Um levantamento da Comscore indica que os brasileiros mantêm 131 milhões de contas ativas em redes sociais e passam 46 horas do mês conectados a YouTube, Instagram, Twitter, TikTok e afins. Paralelamente, a Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que a depressão afeta 3,8% da população mundial (ou 280 milhões de pessoas) e que houve aumento de 25% na prevalência de ansiedade e depressão desde o início da pandemia de covid-19.

Para garantir a privacidade, as publicações foram anonimizadas — ou seja, todas as referências à identidade dos usuários foram excluídas. Além disso, foram removidas hashtags, menções a outras contas, caracteres fora do padrão e hiperlinks. Os dois grupos, então, foram comparados. Além de avaliar os textos compartilhados pelo Twitter, os pesquisadores analisaram a rede de contatos dos usuários e as contas que eles seguem.

Paraboni destaca que já existem estudos desse tipo, com conteúdo em inglês. Há, entretanto, particularidades culturais e linguísticas, o que pode fazer os padrões serem diferentes dos comuns no Brasil entre falantes de português. “Alguém precisa desenvolver essa infraestrutura computacional, para que nós tenhamos acesso a essas ferramentas adaptadas para o português”, aponta.

Resultados iniciais

Os modelos encontraram padrões que podem indicar propensão a doenças como ansiedade e depressão. O primeiro deles é a maior frequência de posts sobre si mesmo observada no grupo que declara ter transtornos psiquiátricos. Outra constatação foi a de que esses indivíduos recorrem bastante a emojis e símbolos gráficos que simbolizam o coração, bem como temas como morte, crise e psicologia são mais comuns nessas contas.

Os pesquisadores observaram, ainda, que indivíduos com ansiedade ou depressão tendem a seguir outras páginas e usuários que tratem do tema. "É importante explicar que os padrões encontrados pelos modelos de aprendizagem profunda podem ser literalmente qualquer coisa”, lembra Paraboni. “A forma como a pessoa se expressa nas redes sociais não é necessariamente igual ao jeito que ela fala na vida real ou no consultório do psiquiatra.”

Em outras palavras, é possível que publicações em redes sociais revelem traços e características diferentes daquelas que aparecem em avaliações formais com especialistas. “A maioria dos padrões encontrados são abstratos e não há uma explicação para eles nas teorias da psicologia.”

Mesmo que possa ser relativamente fácil especular os motivos que fazem alguém com ansiedade ou depressão falar mais sobre si mesmo, outros aspectos e comportamentos, como distribuir símbolos de coração ou seguir contas com a mesma temática, não aparecem tão facilmente durante o diálogo no consultório.

Agora, os cientistas querem ampliar a base de dados e refinar as técnicas de aprendizado profundo. Assim, vai ser possível obter resultados melhores e análises mais precisas. “Essa é uma das áreas mais perigosas quando pensamos no uso de novas tecnologias”, ressalta Paraboni. “Ninguém quer ser diagnosticado erroneamente ou, pelo contrário, ver um quadro como depressão ou ansiedade passar despercebido.”

Segundo ele, essas bases de dados devem ser úteis como complemento ou um primeiro indicativo de que o indivíduo deve se atentar ao cuidado da saúde mental. “Quem sabe isso não possa virar uma ferramenta que analise as redes sociais de crianças e adolescentes e ajude a indicar aspectos que mereçam atenção e avaliação de um profissional da saúde?”

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