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Praia de cachoeira em BH? Ponto de lazer que virou esgoto é tema de festival cultural

Fotografias dos anos 1950 mostram moradores se banhando no rio, quando suas águas ainda serviam para lazer e pesca; Hoje, ribeirão é poluído e impróprio para uso

Imagens da população usufruindo do Ribeirão Onça nas décadas de 1950 e 1960

Já pensou em uma cachoeira, com direito a areia e muito mais, dentro de Belo Horizonte? Pois é, essa já foi a realidade do Ribeirão do Onça, no bairro Novo Aarão Reis, na Região Norte da capital. A água continua lá, mas hoje está poluída e imprópria para uso. É justamente esse cenário que o Festival da Onça, em sua segunda edição, busca transformar — com cultura, música, mutirões e mobilização social, além do sonho de um dia possibilitar a volta de brincar e nadar no local. O evento já começou e segue até 7 de setembro.

A programação reúne shows, rodas de samba, blocos de carnaval, oficinas e atividades comunitárias, além de ações de cuidado com o rio, como plantios, limpeza e construção de mobiliário urbano. A proposta é valorizar o Ribeirão Onça.

Do passado para o sonho do futuro

Fotografias das décadas de 1950 e 1960 mostram moradores se banhando no rio, em uma época em que as águas ainda eram usadas para lazer e pesca.

“O Ribeirão Onça tem sua foz no Rio das Velhas, em Santa Luzia (Grande BH). A região do Baixo Onça era conhecida como Arraial do Onça e, nesse território, próximo ao ribeirão, eram praticadas atividades agropastoris, pesca, consumo doméstico da água e retirada de areia. Na época da fotografia, ainda era possível usar as águas para lazer”, Sônia dos Santos França, moradora de 59 anos, 50 deles vivendo no Baixo Onça.

Crianças em cachoeira no bairro Ribeiro de Abreu, na região Norte de BH, entre as décadas de 50 e 60

Com o passar dos anos, segundo ela, foram instalados na região um matadouro e um curtume (fábrica para transformar peles de animais em couro), o que contaminou severamente as águas.

“Com o adensamento populacional, em todo o seu percurso, o Ribeirão Onça passou a receber esgoto, o que tornou seu curso d’água poluído e impróprio para uso”, explicou Sônia.

O professor Roberto Andrés, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e coordenador do projeto de extensão da Escola de Arquitetura que criou o Festival da Onça, descreve o cenário atual do Ribeirão Onça como desolador: “O que se vê é uma água cinza e fétida.”

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Pensando nisso, o festival foi idealizado no ano passado pela Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em parceria com o Conselho Comunitário Unidos pelo Ribeiro de Abreu (Comupra), o Movimento Deixem o Onça Beber Água Limpa e o Projeto Manuelzão, com o objetivo de dar voz à luta da comunidade.

Voltar a nadar no Onça

“O Ribeirão do Onça é um tesouro que corre com cachoeiras, cascatas, praias e corredeiras por seis quilômetros em BH. Mas a poluição está terrível. Há dez anos, o bairro estabeleceu a meta de voltar a nadar, pescar e brincar no Onça até 2025. Estamos perto, mas ainda longe, porque nada avançou no tratamento das águas”, disse o professor Roberto Andrés, coordenador do projeto.

Segundo ele, o maior desafio é a atuação do poder público: “A Copasa distribui bilhões de reais em lucros para acionistas. Se parte desse recurso fosse investido em coletores e interceptores de esgoto, o rio estaria limpo. É uma escolha política.”

Imagens mostram o Ribeirão Onça em dois tempos: à direita, uma foto de 2024; à esquerda, registros das décadas de 1950 e 1960

Parque comunitário

Outra aposta é a criação do Parque Ciliar Comunitário do Ribeirão Onça, demanda histórica dos moradores. O espaço prevê áreas verdes, quadras, pistas de caminhada, ciclovias e praças, além de funcionar como barreira natural contra enchentes.

Na primeira edição do festival, a área ganhou um mirante e um escorregador. Agora, os mutirões seguem com desocupação de áreas de risco, retirada de entulho e ações para transformar margens degradadas em espaços coletivos.

Programação cultural para todo mundo

A curadoria da programação foi construída com escuta popular, edital e diálogo com artistas das regiões Norte e Nordeste da capital. O resultado é uma agenda diversa, que vai do maracatu ao samba, passando pelo hip hop e pela gastronomia.

Além da feira de gastronomia, estão previstas oficinas de jardinagem, slackline e o festival de pipas, além de intervenções artísticas. Entre as atrações musicais, destaque para Fran Januário e Dona Eliza, Talita Silva & Banda Lance Livre, Bloco Swing Safado e MC Dodô. (Veja aqui a programação completa com os horários)

Para moradores, o festival é também um instrumento de transformação do local.

“O trabalho do Comupra e do Movimento Deixem o Onça Beber Água foi fundamental para conscientizar a população e conquistar a implantação do Parque Ciliar. Isso trouxe dignidade às pessoas ribeirinhas e valorização do território em sua dimensão socioambiental, cultural e étnico-racial”, afirmou uma moradora da região.

Primeira edição do Festival da Onça, na região Norte de BH, em 2024

O que diz a Copasa?

A Copasa informou, por meio de nota, que está investindo cerca de R$ 1 bilhão em uma série de obras de modernização e ampliação da Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) Onça com um tratamento terciário que remove nutrientes e desinfecção por luz ultravioleta.

Além disso, a companhia informou que está expandindo o sistema de esgoto em vários bairros, como Vila do Índio e Ribeiro de Abreu, para reduzir o despejo irregular de esgoto e melhorar a qualidade da água. Veja nota completa

''A Copasa informa que vem executando uma série ações estruturais, socioambientais e de mobilização comunitária para reduzir o despejo irregular de esgoto e promover a recuperação ambiental da bacia do Ribeirão Onça. As intervenções contemplam a ampliação e implantação do Sistema de Esgotamento Sanitário (SES) na região, com destaque para as obras na Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) Onça.

Com investimentos da ordem de R$ 1 bilhão, a ETE Onça se transformará na unidade na mais moderna do país. Além da ampliação do tratamento de 1.800 litros de esgoto por segundo para 2.700 l/s, o projeto prevê também o aumento da eficiência e a sustentabilidade dos processos, com tratamento terciário, etapa avançada que limpa ainda mais os efluentes, removendo nutrientes, como nitrogênio e fósforo, além da desinfecção com ultravioleta. Todo esse processo vai impactar diretamente na qualidade das águas do ribeirão do Onça e rio das Velhas.

A Companhia também está com várias outras frentes de obra para a ampliação e implantação do Sistema de Esgotamento Sanitário (SES) em diversos bairros da região, beneficiando centenas de imóveis e contribuindo para a melhoria da qualidade da água e das condições de vida da população local. Entre as obras em andamento, destacam-se:

  • Comunidade Vila do Índio: cerca de 200 metros de rede coletora e 1.000 metros de interceptor, com conclusão prevista para julho de 2026;
  • Bairro Maria Tereza: implantação de mais de 3.000 metros de rede coletora, com término previsto para dezembro de 2025;
  • Bairro Montes Claros: 14 mil metros de rede coletora e 1.000 metros de interceptor, também com conclusão prevista para dezembro de 2025;
  • Bairro Ribeiro de Abreu: implantação de 680 metros de redes coletoras, beneficiando 260 imóveis com conclusão prevista para dezembro de 2025;
  • Tupi, Lajedo e Novo Lajedo (bacia do Córrego Lajinha): implantação de 2.740 metros de redes coletoras nos trechos das ruas Pintor Di Cavalcanti, Pintor Tintoreto e Pintor Cezane, beneficiando 226 imóveis, com conclusão prevista para dezembro de 2025.

As iniciativas estruturais são complementadas por ações socioambientais. A Copasa atua em parceria com o Conselho Comunitário Unidos pelo Ribeiro de Abreu (Comupra) para fomentar projetos de sustentabilidade e apoia o movimento “Deixem o Onça Beber Água Limpa”, que promove a requalificação socioeconômica, ambiental, étnico-racial e participativa da bacia.

Por meio do Programa de Educação Ambiental (PEA) – ETE Onça, a Companhia desenvolve atividades educativas junto às comunidades do entorno, ampliando a compreensão sobre os impactos e benefícios dessas obras e incentivando práticas sustentáveis no dia a dia.

A Copasa ressalta que, historicamente, a bacia do Ribeirão Onça passou por um processo de ocupação irregular ao longo dos anos, combinando áreas planejadas e não planejadas. Além das ações em andamento por parte da Companhia, a recuperação da bacia depende da parceria com prefeituras e moradores, pois envolve urbanização, regularização e adesão ao sistema de esgoto.’'

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Formou-se em jornalismo pela PUC Minas e trabalhou como repórter do caderno de Gerais do jornal Estado de Minas. Na Itatiaia, cobre principalmente Cidades, Brasil e Mundo.