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Mineiro preso por engano em BH foi vítima de falsidade ideológica, diz defensoria

José Carlos de Souza, de 52 anos, ficou preso por quase dois meses no lugar de ‘homônimo'; Defensoria Pública denuncia que caso envolve falsidade ideológica

À esquerda, o suspeito que está foragido. À direita, José Carlos de Souza, de 52 anos, preso injustamente

O mineiro José Carlos de Souza, de 52 anos, que ficou preso por quase dois meses confundido com um foragido da Justiça de Alagoas, foi vítima de falsidade ideológica. É o que aponta a Defensoria Pública do Estado de Alagoas. De acordo com o órgão, o verdadeiro foragido utilizava documentos falsos com os dados do mineiro, como nome, filiação e data de nascimento.

O ‘homônimo’ do mineiro foi preso em flagrante, junto a outras pessoas, em 2010, transportando em um caminhão quase 700 kg de maconha e 1 kg de cocaína. O homem foi condenado pelos crimes de tráfico de drogas e associação para o tráfico, e continuou preso em Alagoas. No entanto, fugiu da prisão no mesmo dia em que passou ao regime semiaberto em dezembro de 2014.

Mais de 10 anos depois, no dia 31 de janeiro de 2024, o mineiro José Carlos de Souza, de 52 anos, estava na Unidade de Atendimento Integrado (UAI) da Praça Sete, na Região Centro-Sul de Belo Horizonte, quando foi informado que havia um mandado de prisão expedido pela Justiça de Alagoas em nome dele.

José de Souza, que nunca esteve no Estado de Alagoas, foi encaminhado para a delegacia, onde ficou por três semanas. Em seguida, o mineiro ficou preso um mês no Ceresp Gameleira, na Região Oeste de Belo Horizonte.

Ao saber da situação, a Defensoria Pública de Minas Gerais comunicou à Defensoria Pública do Estado de Alagoas a possível prisão ilegal de um homônimo. Ao atuar no caso, o órgão alagoano identificou uma série de inconsistências no processo e verificou que, na verdade, se tratava de falsificação.

O defensor público Ricardo Anízio Ferreira de Sá verificou que a pessoa presa e condenada em Alagoas utilizava documentos falsos, confeccionados no Espírito Santo, em nome do cidadão mineiro.

“Sua identidade verdadeira ainda é desconhecida e só poderá ser confirmada por meio de perícia grafotécnica e da análise de impressões digitais, já solicitadas pela Defensoria Pública do Estado de Alagoas no processo”, explica o órgão em nota enviada à Itatiaia.

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Pedido pela soltura do mineiro

Uma petição foi apresentada à Justiça em janeiro de 2025. No documento, foram demonstradas as divergências apuradas pelas defensorias de Alagoas e Minas Gerais, como documentos, assinaturas e fotografias do reeducando preso em Alagoas e do cidadão mineiro.

A partir de elementos fornecidos pela Defensoria Pública de Minas Gerais também foi comprovado que o mineiro nunca esteve em Alagoas. A tese apresentada pelas defensorias públicas foi reconhecida pela 16ª Vara Criminal da Capital, que expediu o alvará de soltura e reconheceu a existência de dúvidas razoáveis quanto à identidade do condenado em Alagoas.

O que diz a defesa do mineiro?

O advogado criminalista Thiago Calazans, que defende José Carlos de Souza, não acredita na tese da falsidade ideológica. Thiago Calazans também reforça que a pessoa do Espírito Santo possui carteira de motorista e o mineiro nunca dirigiu.

“O seu José, naquela oportunidade em que foi preso, estava até no UAI no intuito de retirar um documento que ele havia perdido. Eu não vislumbro essa possibilidade porque se fosse realmente isso, eles teriam clonado, copiado, falsificado o RG dele. E o RG dele é de Minas e o RG da outra pessoa é do Espírito Santo, então não tinha motivo para clonarem, copiaram, falsificaram parcialmente”, detalha o advogado criminalista.

Apesar de, inicialmente, não acreditar na tese da falsidade ideológica, o advogado criminalista não exclui totalmente essa possibilidade. “Já foi enviado um ofício para a Receita Federal para analisar essa questão do documento do outro José e também já informando essa questão do Detran, que seria a questão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH)”, explica Calazans.

Pedido de indenização

José de Souza entrou na Justiça para pedir uma indenização pelo tempo em que passou preso injustamente. Acompanhado pelo advogado criminalista Thiago Calazans, o mineiro defende que deve ser reparado pela injustiça.

“Foi identificado dentro do processo inúmeras possibilidades do Estado conseguir identificar que o José aqui presente não se trata daquele José: através da assinatura, através do RG, através, até mesmo, mesmo da aparência, porque foi colocado no processo as fotografias dos José e o Estado, infelizmente, errou drasticamente”, ressaltou o advogado criminalista.

“Não se trata de um mero engano, trata-se de uma vida interrompida por um descaso estatal”, finalizou.

A reportagem da Itatiaia tenta contato com a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) desde segunda-feira (25), mas não obteve retorno até o fechamento desta matéria. O texto será atualizado quando o posicionamento chegar.

Preso por quase dois meses

O belorizontino definiu os dias na prisão como “muito difíceis”. “Só gente que você não conhece, tem todo tipo de pessoas. [...] Muita crueldade. Eles não olharam primeiro, nem verificaram o meu estado”, desabafou José de Souza.

A situação assustou os familiares da vítima, que ficaram preocupados, principalmente, com a situação em que ele estava dentro do Ceresp Gameleira. Raquel Souza, filha do mineiro, definiu os quase dois meses em que o pai ficou detido como angustiantes.

“A gente no início não tinha notícias, não sabia onde ele estava. E meu pai estava numa situação deplorável, ele estava cheio de machucados no corpo”, relembrou Raquel de Souza.

*Sob supervisão de Edu Oliveira

Rebeca Nicholls é estagiária do digital da Itatiaia com foco nas editorias de Cidades, Brasil e Mundo. É estudante de jornalismo pelo Centro Universitário de Belo Horizonte (UNIBH). Tem passagem pelo Laboratório de Comunicação e Audiovisual do UniBH (CACAU), pela Federação de Agricultura e Pecuária de Minas Gerais (Faemg) e pelo jornal Estado de Minas
Fabiano Frade é jornalista na Itatiaia. Cobre as pautas de cidades e geral, com dedicação especial à Central de Trânsito. Antes da rádio de Minas, passou pela Rádio Band News FM e também pela BTN, onde cobriu o trânsito para várias rádios de BH e Brasília.