Tragédia de Mariana completa nove anos e atingidos protestam contra mineração: ‘sentimento de ódio’
Moradores do distrito de Bento Rodrigues, arrasado pela lama, se dizem abandonados e questionam acordo celebrado em outubro; rompimento da barragem deixou 19 mortos e contaminou gravemente o Rio Doce
Moradores fizeram ato em memória dos nove anos do rompimento da barragem
A comunidade de Bento Rodrigues e o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) realizaram, na manhã desta terça-feira (5), um ato para relembrar os nove anos do rompimento da Barragem do Fundão, em Mariana, na região Central de Minas.
A estrutura que colapsou tinha quase 1 km de altura e ocupava uma área equivalente a 275 campos de futebol. No dia do rompimento, uma onda de lama saiu da barragem com uma velocidade assustadora, afetando 2,5 milhões de pessoas e contaminando quase 700 km da Bacia do Rio Doce, chegando até o litoral do Espírito Santo.
Mônica dos Santos, moradora de Bento Rodrigues e líder do motivo dos atingidos, afirma que nove anos depois, a sensação de impunidade continua.
"É muito triste porque a nossa comunidade era a mais organizada dos distritos de Mariana. Era uma comunidade muito limpa, muito cuidada pelos moradores. Estando aqui depois do crime, vendo esse matagal que não era para estar aqui, é muito triste. Embora a comunidade esteja abandonada pelo poder público e pelas mineradoras - que deveriam estar cuidando, já que temos um acordo homologado judicialmente, e elas deveriam manter aqui limpo -, Bento Rodrigues não está abandonada pelos moradores. Continuamos resistindo e insistindo em ficar aqui”, diz a moradora.
Até hoje, mesmo depois de quase uma década, ninguém foi preso ou responsabilizado pelo rompimento. “Um sentimento que eu carrego há nove anos é o de ódio, de revolta, de impotência”, lamenta a moradora.
Atingidos questionam construção do ‘Novo Bento Rodrigues’
O antigo Bento Rodrigues fica no distrito de Santa Rita Durão, que pertence a Mariana. De acordo com documento publicado em 2021 no portal da Fundação Cáritas o distrito tinha 612 moradores e cerca de 400 estavam no local no momento do rompimento da barragem.
Imagens aéreas do Novo Bento Rodrigues em novembro de 2024.
Em nota, a Fundação Renova informou que até o dia 11 de outubro de 2024 mais de 86% dos imóveis do Novo Bento Rodrigues foram construídos. Até agora, 156 imóveis dos 246 previstos já foram entregues aos novos moradores. No entanto, Mônica Santos afirma que a maior parte dos imóveis entregues apresentou algum problema.
“As casas não foram todas entregues ainda. A da minha mãe está sendo construída, ainda deve demorar uns três a quatro meses para ficar pronta e já tá cheia de problema. A minha tia, Sandra, tinha um bar e uma pousada. Ela ainda nem tem um projeto. Tem moradores que ainda não foi apresentado um terreno. Então, já tem pessoas morando [Novo Bento], tentando se adaptar, porque é o que a gente tem. Embora se fala que as casas foram construídas com a nossa participação, a última palavra era do arquiteto. Elas foram construídas do jeito que as empresas quiseram. Fizeram para mostrar para o mundo que entregaram uma coisa melhor do que a gente tinha, só que não é melhor. Não tem uma casa que foi entregue no reassentamento que não esteja com problema”, afirma Santos.
Acordo de Mariana prevê R$ 132 bilhões
Há 10 dias, no dia 25 de outubro de 2024, o novo acordo de Mariana foi assinado em Brasília. Os governos Federal, Estadual e Municipal, além das mineradores, definiram um investimento de R$ 132 bilhões em ações e obras na região da bacia do Rio Doce. Do valor total, serão R$ 100 bilhões investidos pelo Poder Público e R$ 32 bilhões de investimentos previstos pelas mineradoras Vale, BHP e Samarco.
A líder do movimento dos atingidos questiona o acordo e diz que ele foi firmado sem a participação dos moradores atingidos pelo rompimento da barragem. Mônica Santos ainda diz que acredita que o valor de R$ 132 bilhões não será suficiente para recuperar a área.
“Não é suficiente. Para mim, esse acordo não vai dar certo porque não teve a nossa participação. Eu vejo esse acordo como uma forma de tentar barrar a ação que a gente está movendo contra BHP em Londres. Isso ficou muito claro. Foi para mostrar que a Justiça estava sendo feita, mas para mim ela não está. Esse acordo só vai beneficiar as empresas assassinas, a União, o Estado e os municípios. Nós não fomos ouvidos. A partir do momento que você celebra um acordo, nove anos depois, para atrapalhar uma ação que as vítimas estão movendo, é porque a justiça não existe no nosso país, ela não é célere. Nós não precisamos dessa mineração predatória, que mata. Já passou da hora disso acabar. A gente precisa mudar esse sistema e punir, senão vamos continuar tendo milhares de atingidos. Hoje sou eu, quem me garante que amanhã não é você?”, questiona.
Repórter de política na Rádio Itatiaia. Começou no rádio comunitário aos 14 anos. Graduou-se em jornalismo pela PUC Minas. No rádio, teve passagens pela Alvorada FM, BandNews FM e CBN, no Grupo Globo. No Grupo Bandeirantes, ocupou vários cargos até chegar às funções de âncora e coordenador de redação na BandNews FM BH. Na televisão, participava diariamente da TV Band Minas e do BandNews TV. Vencedor de 8 prêmios de jornalismo. Já foi eleito pelo Portal dos Jornalistas um dos 50 profissionais mais premiados do Brasil.