Ouvindo...

Revisão da Lei de Cotas: 10 anos depois, a medida de correção de desigualdades deu certo?

Especialista garantem que a lei alterou o perfil das pessoas nas universidades brasileiras promovendo uma grande mudança

Correção de desigualdades presentes em nossa sociedade. Foi com esse objetivo que há 10 anos a Lei 12.711 foi implementada. Mais conhecida como Lei de Cotas, ela prevê a reserva de, no mínimo, 50% das vagas de universidades e institutos federais para estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas.

Dez anos depois, uma revisão precisa ser feita, uma espécie de balanço, para entender de que ponto saímos, onde chegamos e, principalmente, para onde vamos a partir de agora. O próprio Ministério da Educação deveria ter feito estudos para subsidiar essas respostas. Mas, de acordo com especialistas na área que acompanham o passo a passo da Lei de Cotas, isso não foi feito. Mas e então? A Lei de Cotas cumpre o seu papel de correção de desigualdades?

Quem se aprofundou e conhece bem a questão, diz que sim. Um estudo feito pelo pesquisador e professor de Direito da PUC Minas, Marciano Seabra de Godoi, em parceria com a doutora em direito pela UFMG e professora da Universidade Federal de Viçosa, Maria Angélica dos Santos, responde a questões cruciais: se a lei surtiu os efeitos esperados, se seria recomendável a prorrogação e se seriam necessárias mudanças.

De acordo com o professor Marciano, a lei realmente alterou o perfil das pessoas nas universidades brasileiras, promovendo uma grande mudança.

“Nos cursos que nós chamamos de ‘cursos imperiais’, como, medicina, engenharia e direito, o público quase todo era composto por pessoas brancas e pessoas oriundas das escolas privadas. Isso nos anos 90. Nos anos 2000, quando começaram os programas de cotas e, posteriormente, a implementação da lei de 2012, a realidade mudou”, disse.

Segundo o especialista, um estudo feito em 2018 mostra que a maioria das pessoas nas universidades federais é parda e preta. “Essa pesquisa também mostra que, aproximadamente, de 60 a 70% das pessoas que estão nessas universidades têm uma renda familiar de até um salário mínimo e meio. Portanto, em função desses programas dos anos 2000 e, depois, com a implementação da lei, houve essa mudança do mudança do perfil das pessoas”, acrescentou.

Para se falar em mudança efetiva, é preciso superar as críticas. Quando o sistema de cotas foi implementado se falava em queda de qualidade e da excelência do ensino. Isso aconteceu?

“Não aconteceu isso. Temos vários estudos que demonstram que o rendimento dos alunos cotistas e não cotistas é mais ou menos o mesmo. Pode até ser que em algum curso como engenharia ou medicina haja algum tipo de discrepância. Mas nada significativa”, disse.

Então, a pergunta que fica agora é: se a Lei de Cotas mudou o perfil da universidade, possibilitou o acesso de negros e estudantes pobres, sem impactos ou efeitos colaterais, ela já cumpriu o seu papel?

“Mesmo com todas essas mudanças que eu falei, ainda há dados que mostram claramente que, primeiro, a expectativa de uma pessoa negra chegar à universidade hoje é muito menor do que a expectativa dos brancos”, afirmou o especialista.

Ele explica que o plano nacional de educação tem várias metas. “Uma delas é a seguinte: das pessoas de 18 a 24 anos, pelo menos 33%, tem que estar na universidade. Isso chama taxa líquida de matrícula no ensino superior. Em relação à população branca, essa meta já foi batida há muito tempo. Já em relação aos negros, o índice é de 18%”, disse o professor Marciano.

Ele também chama atenção para a proporção de analfabetismo. “Entre a população negra, o índice é muito maior do que na população branca. Então, ainda assim, nós podemos dizer que há uma diferença brutal. Portanto, a lei precisa ser renovada. Se a lei não continuar, as próximas gerações serão prejudicadas”, acrescentou.

E essa missão, de redução de desigualdade social, na prática, representa mudança de vida. Sem a cota, Mariana Camiliano não estaria hoje cursando medicina na Universidade Federal de Lavras. Reduzir desigualdade para ela representa disputa de iguais com iguais e de diferentes com diferentes.

“No meu caso, foi um incentivo maior saber que eu estaria concorrendo com pessoas em cenários similares. Eu nunca tive condições de fazer um cursinho preparatório e, aqueles que fazem, com certeza tem uma formação mais específica para fazer a prova. Então (a lei) garante uma concorrência mais justa. Essa é uma forma de reduzir a desigualdade social que se mantém, ao longo de tantos anos, no nosso país e que vai ser uma coisa que para ser mudada é necessário paciência. Provavelmente, nossos netos, bisnetos e trinetos vão ver o impacto de como a lei de cotas foi importante”, disse.

Amanhã a gente vai falar sobre algumas das principais críticas direcionadas à Lei de Cotas, a reserva racial e aquilo que seria a quebra da meritocracia na disputa.

Leia mais