Ouvindo...

Enem 2024 tem o menor número de redações nota mil nos últimos 10 anos; entenda o porquê

Professora explica o que pode ter feito apenas 12 estudantes terem conseguido a nota máxima; quantidade caiu 80% se comparado ao Enem 2023, quando 60 alunos receberam nota mil

O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) divulgou nesta segunda-feira (13) o resultado do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2024. Entre os principais dados publicados, um chamou atenção: a quantidade de redações nota mil.

Em 2024, apenas 12 estudantes alcançaram a nota máxima na redação. O número é 80% menor do que em 2023, quando 60 alunos tiraram nota mil. Mas o que explica tamanha diferença?

Allana Mátar, professora de Língua Portuguesa do Colégio Técnico da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), explica que a redução tenha a ver com uma correção mais rígida. No entanto, ela afirma que é preciso questionar os parâmetros adotados.

“O número baixo, a meu ver, reflete uma banca mais rígida, que tem o intuito de, supostamente, uniformizar o máximo possível a avaliação das centenas de corretores do país e aumentar a confiabilidade do exame. É só olhar as redações notas mil de alguns anos atrás e perceber como, de forma geral, o ‘sarrafo’ da exigência foi subindo, chegando a um número de notas mil quase irreal de tão baixo”, comenta.

Leia também

Este também é o menor número de redações nota mil dos últimos 10 anos. Mátar afirma que a quantidade “assusta”, se comparado ao número de inscritos no exame.

“Será mesmo que só doze candidatos no Brasil mereciam uma nota total? Isso pressiona os alunos de forma excessiva e aumenta a insegurança sobre a escrita”, questiona.

O tema pode ter ajudado o número de notas mil cair?

Entre os possíveis motivos para o baixo número de notas máximas, cogita-se o tema da redação, que em 2024 foi “Desafios para a valorização da herança africana no Brasil”.

Porém, a professora acredita que o tema não tenha sido o problema, já que foi mais fácil que o do Enem 2023 (“Desafios para o enfrentamento da invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher no Brasil”).

“O tema deste ano, sem dúvida, não foi mais difícil que o do ano anterior. Inclusive, a frase temática era mais simples, direta, e permitia mais abordagens de repertórios. Pode ser que, com um tema mais simples, a exigência dos corretores sobre a qualidade do texto tenha sido um pouco maior, naturalmente”, diz.

Fórmulas decoradas podem ter sido penalizadas, diz professora

Para Matár, ainda pode haver uma outra explicação. Segundo ela, informações não oficiais, que teriam sido obtidas nos treinamentos dos corretores, davam conta de que a orientação era penalizar quem apresentasse argumentos ou repertórios decorados.

“Isso parece ser um direcionamento interessante, já que valorizaria mais a autoria dos textos e os alunos que não se contentam com modelos prontos e artificiais de escrita (estes estudantes são cada vez mais raros).

Apesar de ser uma boa alternativa para incentivar textos originais, a medida pode ter reduzido as notas e impedido algumas redações de tirarem nota mil.

Redução de notas máximas refletem descrença do jovem com a educação?

A divulgação dos resultados do Enem 2024 acendeu um outro alerta: a possível descrença dos jovens com o ensino superior. Apesar do número de inscrições para o Enem estar caindo ano a ano, especialmente após a pandemia, a professora acredita que não deve haver uma generalização do assunto.

"É difícil fazer generalizações quanto a esse interesse do jovem, porque podemos estar falando de recortes sociais diversos. É claro que a evasão escolar no ensino médio, ainda alta, nos leva a pensar nesse desinteresse, bem como os índices elevados da geração ‘nem-nem’ (jovens que não trabalham nem estudam). Também há uma descrença maior no poder de mobilidade social da educação. Mas me parece precipitado dizer que, para todos os jovens, sobretudo para aqueles de alguns recortes sociais, o vestibular e o ensino superior não são mais uma meta”, opina.


Participe dos canais da Itatiaia:

Fernanda Rodrigues é repórter da Itatiaia. Graduada em Jornalismo e Relações Internacionais, cobre principalmente Brasil e Mundo.
Leia mais