No segundo episódio da série de reportagens “Grandes incêndios: as tragédias que mudaram as leis”, especialistas explicam como os grandes incêndios impulsionaram o mercado de seguros em todo o mundo.
As informações sobre as primeiras empresas de seguro remontam da época das grandes navegações. Mas foi a partir dos incêndios em Londres, durante a Revolução Industrial, no século XVIII, que a preocupação com os danos no setor produtivo começou a crescer. Há relatos de tragédias destruíram 80% da capital inglesa. “O seguro protegia a caldeira usada nas fábricas, as pessoas que trabalhavam no local e os lucros cessantes das empresas que ficavam paralisadas por causa dos incêndios”, explica Weslley Oliveira, professor da Escola de Negócios e Seguros.
Quando o seguro chegou ao Brasil, junto com a família real portuguesa, o setor já estava mais estruturado. “Por volta de 1800, os segurados já podiam escolher os modelos de cobertura, como incêndio, dano elétrico e até roubo. Nós tivemos uma evolução da legislação que previa os denominamos seguros compreensivos, ou seja, várias coberturas dentro de uma mesma apólice”, explica o professor.
Nos séculos seguintes, diversos dispositivos legais foram criados para aprimorar o comércio de seguro no país: Código Comercial, Instituto de Resseguro do Brasil (IRB Re), Sistema Nacional de Seguro, mas a cultura da prevenção não cresceu na mesma velocidade.
Novas tragédias, mesmas falhas
Em novembro de 2001, a casa de show Canecão Mineiro, em Belo Horizonte, matou sete pessoas e feriu outras 197 durante uma apresentação com fogos de artifício.
Janaína Basílio Paixão estava perto do palco quando o fogo começou. Ela conta que saiu correndo para o banheiro, assim que percebeu as chamas. “Quando eu consegui sair, estava um farrapo, com a roupa toda queimada. Estava com o pé quebrado e queimado, com duas costelas quebradas. O meu cabelo foi arrancado de tanto o pessoal puxar”.
O capitão do Corpo de Bombeiros de Minas, Cleber Ribeiro de Carvalho, trabalhou no combate às chamas e no resgate às vítimas do Canecão. Ele afirma que o material inflamável ajudou a propagar o fogo. “O que deflagrou mais velocidade às chamas foi o contato da cascata dos fogos de artifício com o isopor no teto. A temperatura se aproximou dos 1000 °C. Havia o material incandescente que pingava do teto e caia sobre as cabeças e os corpos das pessoas”, relembra o capitão.
A casa não tinha alvará de funcionamento da Prefeitura de Belo Horizonte e não oferecia condições de segurança para o público. “As roletas instaladas no Canecão Mineiro eram fixas e impediram a saída das pessoas. Muitas morreram esmagadas. Quando entramos, havia muitos jovens em pânico dentro da casa de shows e no telhado”, detalha o militar.
Banda, fogos de artifício e isopor
Doze anos depois, outra tragédia por causa das mesmas falhas identificadas no Canecão Mineiro. O incêndio na Boate Kiss, em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, matou 242 pessoas e feriu mais de 600. Uma banda se apresentava com fogos de artifício. O local não tinha saída de emergência.
Em 2017, o Congresso Nacional criou leis mais rígidas para a fiscalização de medidas preventivas e de combate ao fogo em casas noturnas: a Lei Kiss.
O professor da Escola de Negócios e Seguros, Wesley Oliveira, explica que a lei passou a exigir que as boates tivessem um seguro obrigatório, além de medidas importantes de segurança. “Não bastava colocar o público para dentro. Era necessário que ele tivesse condições de sair em caso de algum problema”, afirma o professor.
Novas tecnologias
Os grandes incêndios também forçaram a engenharia a desenvolver produtos mais seguros em caso de incêndio. Para Gabriel Nogueira, diretor de Fiscalização do Crea-MG, a engenharia está aprendendo como os próprios erros. “Hoje, o mercado tem produtos anti-chamas usados na superfície de madeira e tecidos para evitar que o fogo se propague rapidamente”, explica.
Quem sobreviveu à tragédia do Canecão Mineiro afirma que ainda há muito para avançar. “Eu acho que o pessoal ainda está maquiando muito. A segurança nas casas de shows ainda é precária. Tanto é que anos depois aconteceu o incêndio na Boate Kiss”, lamenta Janaína Basílio Paixão.