E a gente ainda se surpreende. Todos os anos, nesse hiato entre o Fim de Ano e o Carnaval, a gente se depara com casos de chuvas fortes, alagamentos, deslizamentos, tragédias... Somos um povo de muito talento, mas também que não sabe planejar. “No Brasil até o passado é incerto” e o futuro, quase sempre, é um eterno retorno do mesmo.
É a mesma a sensação de que o país melhor, a porvir, não chega. Estamos com os recorrentes problemas e com cada vez menos consenso. Diante do abismo de uma calcificação de opiniões divergentes e contraditórias sobre o que é o país, a política, a vida. E o projeto de nação fica por último. O povo se lasca...
Pode ser impressão, mas parece que antes havia um certo cinismo. A Internet, para citar Humberto Eco, acabou dando voz a todo tipo de idiota. As Redes Socias estão cheias de gente que se ensurdece das próprias certezas. O universo digital está repleto de quem não quer refletir. Alguns por medo, outros por perversidade. Daí apenas acusam, ofendem, adjetivam.
Onde residirá o consenso? Será ainda possível? Como faz notar o cientista político Felipe Nunes, em seus escritos, antes nossa divisão era entre vermelho e azul, duas molduras de um mesmo quadro. Passamos, depois, a nos ver divididos em temas de ordem social, (se se privatizava ou não essa ou aquela empresa). Agora, estamos numa cisão ainda mais profunda, a qual é identitária, afetiva. Está todo mundo à flor da pele, afetado, doído.
O sujeito contemporâneo se dissolveu no Kaos. Marx diria que é por conta do capitalismo, no qual, tudo que é sólido se dissolve no ar. Para ele a “tara” pelo dinheiro (esse valor absoluto que relativiza todos os valores) inevitavelmente faz tudo se tornar uma mercadoria, um produto. Inclusive cada um de nós, nesse frenesi de performar, de enriquecer, de produzir se torna apenas mais um número, uma peça substituível na engrenagem do mercado.
Calma, este texto não é uma apologia ao marxismo. É um serviço obstetrício. Um parto de boas perguntas, ainda que elas venham de quem não se concorda. Só tolos abandonam bandeiras certas pela suspeita de elas estarem em mãos erradas... Ao fim e ao cabo, por questões de lógica, só alguém muito utópico para acreditar que as pessoas podem se unir em nome do “proletário”. Quem pensa isso nunca deve ter visto que tipo de bicho vira um “peão” promovido a encarregado...
Se há algo de estranho num cristianismo baseado em referenciais socialistas (as quais ,sim, são materialistas e totalitários se levados a termo), há algo, igualmente, esquisito em não perceber que nosso sistema econômico atual, nosso tecido político e social (destaque-se no Brasil!) é baseado no acúmulo, na exclusão e no abuso. E a Bíblia, fundamento da fé cristã, sem fazer uso de Karl Marx, condena frontalmente isso, ao dizer que a ganância é uma forma abominável de idolatria (Ef 5,5).
Um passo atrás nas perguntas, poderíamos dizer; uma dúvida sincera sobre nossa capacidade de ver as coisas de modo claro e distinto, ou seja, como elas são; Ah, e, sobretudo, uma visita aos nossos medos mais originários podem ser bons antídotos... A insegurança, a escassez tende a nos fazer mais violentos, primitivos. A ira é sempre filha do medo, lembram os Padres da Igreja (os escritores eclesiásticos da primeira hora do pensamento cristão).
Se nossas Redes Sociais destilam ódio, significa que nunca tivemos tanto medo. Medo do fato de que nenhuma das instituições (igrejas, família, partidos, Estado) está dando conta de todas as perguntas. Estão todos perdidos, senão para onde é a meta, já que o que caracteriza, por exemplo, um dogma de fé ou uma tradição familiar é saber de onde vimos e para onde vamos, resta claro que as instituições tradicionais estão perdidas no roteiro e no processo...
Para Nietzsche, é inevitável que a cabeça faça parte das vísceras. Nossas decisões nunca são só racionais. Pensamos a partir de perspectivas, de impressões, de suspeitas prévias. Por isso, quando se há muito o que dizer, pode-se estar mais perto de uma “verborragia” do que da lucidez.
Só idiotas têm sempre o que falar. Um discurso sem perguntas e pronto a responder é indicativo de paranoia, de um pensamento delirante. Se as vozes são as mesmas, o tempo todo, é sinal de que não há reflexão. “Toda unanimidade é burra” (Nelson Rodrigues). Se tá todo mundo, ao seu entorno, dizendo, pode ser que haja menos de razão e mais de “esquizofrenia”...
Um grande indício de vida intelectual madura é não se levar tanto a sério, viver acompanhado de boas perguntas e saber que: ninguém pode estar mais a serviço do diabo e do seu orgulho satânico do quem se julga filiado ao partido dos “salvadores do mundo”.
Oremos: Que venha o nós, Senhor, o nós, o nosso, para além dos nossos “nós”! Teu povo sofre e não se resolve...
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