Uma receita de biscoito elaborada com farinha de
Segundo o pesquisador da Embrapa Enrique Alves, as cascas de cafés denominados finos, produtos com mais de 80 pontos na avaliação da Specialty Coffee Association (SCA), são insumos nobres, com diversidade sensorial e nutricional muito rica, às vezes até maior do que a dos grãos. “Entretanto, no Brasil, são usados, principalmente, como adubo”, explicou.
Além de se enquadrarem na pontuação estipulada pela SCA como produtos finos, as variedades de cafés Robustas Amazônicos, selecionadas pela Embrapa em conjunto com os cafeicultores nas Matas de Rondônia, resultaram na primeira Indicação Geográfica (IG) de
O projeto envolve o desenvolvimento de cultivares adaptadas à região e à Floresta Amazônica, plantadas, em sua maioria, por agricultores familiares, indígenas e comunidades tradicionais. “Hoje em todo o estado de Rondônia, mais de 17 mil famílias cultivam essas variedades”, complementou o pesquisador. “Além da qualidade, as cascas dos cafés Robustas Amazônicas ainda carregam características diferenciadas de sustentabilidade por serem cultivadas na Amazônia por povos indígenas e comunidades tradicionais”, destacou.
Valorização da casca do café
A Embrapa Rondônia e a UnB uniram-se para desenvolver pesquisas voltadas à valorização das cascas de cafés Robustas Amazônicos sob diferentes óticas de processamentos pós-colheita. A linha de pesquisa, coordenada pela engenheira de alimentos e professora da UnB Lívia de Oliveira, tem como focos a caracterização química, funcional e sensorial dessas cascas e a sua aplicação em alimentos, bebidas e cosméticos, contribuindo para uma cafeicultura sustentável e integrada à economia circular.
O estudo teve início em 2023, com a avaliação do potencial químico e sensorial das cascas de Robustas Amazônicos da cultivar Apoatã, produzidas pela Embrapa Rondônia, sob três processamentos distintos: natural (secagem do fruto inteiro em terreiro suspenso por cerca de 20 dias), lavado (despolpamento mecânico e secagem da fração pergaminho) e fermentação anaeróbica autoinduzida (espontânea em ambiente anaeróbio, conduzida de 2 a 20 dias, seguida de secagem e descascamento).
Essas amostras foram analisadas quanto à composição proximal, de compostos bioativos, açúcares, ácidos orgânicos e voláteis, além de submetidas à avaliação sensorial por meio de infusões e produtos derivados.
De acordo com Lívia, os resultados demonstraram que as cascas naturais apresentaram maior teor de compostos fenólicos, flavonoides, antocianinas e fibras, além de perfil aromático doce e caramelado. Já as cascas lavadas exibiram baixa complexidade química e volátil, predominando compostos estruturais e menor teor de açúcares. As cascas de fermentação anaeróbica autoinduzida mostraram grande variabilidade conforme o tempo de fermentação. As amostras de 4 a 20 dias apresentaram aromas frutados e florais e bom equilíbrio sensorial, enquanto as de tempos intermediários (10 a 16 dias) geraram notas mais secas e amargas.
Essas diferenças foram atribuídas à atuação microbiana no metabolismo de açúcares e fenólicos, que modulou a formação de ácidos orgânicos, ésteres e furanonas (compostos formados durante o processamento de alimentos, que desempenham um papel crucial no seu sabor e aroma), resultando em perfis sensoriais distintos e potenciais de aplicação diferenciados para cada tipo de casca.
Novo biscoito tem ainda mais fibras e menos açúcares
A professora explicou que, com base nesses resultados, foi desenvolvido um segundo eixo de pesquisa voltado à aplicação alimentar das cascas, por meio da elaboração de um biscoito, com 30% de farinha de casca de robusta amazônico. Trata-se de um resultado inédito, uma vez que, pela literatura científica, o máximo de substituição de farinha obtido até o momento tinha sido de 15%.
A melhor aceitação sensorial para as amostras produzidas foi com as cascas naturais e fermentadas por 4 ou 20 dias, associadas a notas doces, frutadas e amanteigadas. “Esses resultados evidenciam que o tipo de processamento da casca é determinante para notas sensoriais do produto final, sendo um parâmetro-chave de inovação tecnológica e posicionamento sensorial. Todavia, todos os cookies elaborados apresentaram aceitação sensorial satisfatória, confirmando que as cascas de qualquer dos processos podem ser usadas como ingrediente para esse produto”, enfatizou Lívia.
A receita final, submetida ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) e registrado no dia 4 de setembro, é resultado de um processo de fermentação de 8 dias. De acordo com a professora, com esse período, o produto mantém o açúcar da polpa, não tem excesso de fermentação e possui notas frutadas, que conferem um sabor especial ao biscoito.