Ouvindo...

Por que perdemos as lembranças da infância, segundo a Ciência

Pesquisas recentes apontam que a memória infantil pode ser preservada no cérebro, mas o acesso a essas recordações muda com o tempo, afetando a prevenção de doenças neurodegenerativas

Estudo divulgado na revista Science lançou novas luzes sobre o fenômeno da amnésia infantil

A ideia de que os primeiros anos de vida são uma página em branco está sendo questionada por estudos científicos. Uma pesquisa publicada na Scientific American revelou que os bebês são capazes de armazenar memórias desde o primeiro ano de vida, embora, ao chegar à fase adulta, muitas dessas lembranças se tornem inacessíveis.

O estudo, divulgado na revista Science, lançou novas luzes sobre o fenômeno da amnésia infantil e trouxe à tona questões sobre o desenvolvimento da memória humana nos primeiros anos de vida, período que abrange até os três anos.

O que é a amnésia infantil?

A perda de lembranças da primeira infância é uma experiência universal. A maioria das pessoas lembra de seus primeiros momentos por volta dos quatro ou cinco anos. De acordo com a Associação Americana de Psicologia, a amnésia infantil é definida como “a impossibilidade de lembrar experiências autobiográficas dos primeiros anos de vida, geralmente antes dos três ou quatro anos”.

Por muito tempo, a explicação para isso era que o hipocampo, a região do cérebro responsável por armazenar novas memórias, não estava totalmente desenvolvido em crianças pequenas. No entanto, estudos recentes questionam essa teoria.

O que diz a Ciência

Patricia Bauer, neurologista da Universidade de Emory, explica que “o esquecimento infantil é um fenômeno complexo: a memória das crianças é rica e sofisticada, mas acessá-la anos depois é extremamente difícil”. A pesquisa realizada por Tristan Yates, da Universidade de Columbia, utilizou ressonâncias magnéticas funcionais para observar a atividade cerebral de bebês enquanto eles viam e reconheciam imagens. Mais de 400 sessões foram feitas com várias famílias, criando um protocolo para medir a memória em bebês acordados.

Leia também

Os resultados foram claros: o hipocampo dos bebês mostrava maior ativação ao ver imagens que já haviam sido vistas, o que indica que, mesmo antes de falar ou andar, eles já eram capazes de formar memórias. Contudo, essas recordações se tornam inacessíveis com o tempo.

Por que a amnésia infantil ocorre?

Estudos anteriores com animais já haviam sugerido que os bebês são capazes de aprender e manter informações por semanas, corroborando a ideia de que a memória começa muito cedo, embora raramente sobrevive à infância. Sheena Josselyn, neurocientista especializada em memória infantil, afirmou que “não é que os lembretes desapareçam, mas sim que os mecanismos cerebrais tornam esses lembranças inacessíveis”.

A memória episódica, que é a capacidade de recordar eventos pessoais específicos, é confirmada até mesmo nos bebês, embora esses registros se percam conforme a pessoa envelhece.

O que ainda precisa ser descoberto?

Apesar de comprovado que bebês armazenam memórias, o mistério persiste: por que não conseguimos acessá-las na vida adulta? Um estudo da Nature Reviews Neuroscience sugere que o desenvolvimento do cérebro e do linguagem interfere na consolidação e recuperação dessas memórias antigas.

Compreender como funciona a memória precoce pode levar a avanços em áreas como o diagnóstico de distúrbios do desenvolvimento, estimulação precoce e pesquisa sobre doenças neurodegenerativas.

Como ressaltado pela Scientific American Mind, “entender como a memória infantil funciona pode ser fundamental para aprimorar estratégias educacionais e terapias nos primeiros anos de vida”.

Hoje, sabe-se que os bebês começam a formar memórias a partir de seu primeiro ano, mas essas memórias não são acessíveis na vida adulta. A infância, então, deixa de ser uma tela em branco para se tornar um enigma, um livro de experiências com páginas seladas, cuja chave ainda está sendo desvendada pela ciência.

Jornalista graduado com ênfase em multimídia pelo Centro Universitário Una. Com mais de 10 anos de experiência em jornalismo digital, é repórter do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Antes, foi responsável pelo site da Revista Encontro, e redator nas agências de comunicação FBK e Viver.