Dois estudos inéditos realizados por pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) apontam que a gordura corporal e a massa muscular podem ter papel importante na sobrevida de pacientes com câncer de cabeça e pescoço. As pesquisas, publicadas em revistas internacionais e apoiadas pela Fapesp, mostram que o acompanhamento nutricional precoce pode impactar diretamente no tempo e na qualidade de vida desses pacientes.
Os estudos foram conduzidos pelo Centro de Inovação Teranóstica em Câncer (CancerThera), sediado no Hemocentro da Unicamp, sob orientação do professor José Barreto Campello Carvalheira. De acordo com a nutricionista Maria Carolina Santos Mendes, coautora dos trabalhos, os resultados reforçam a importância de avaliar a composição corporal logo no diagnóstico.
“Pacientes com câncer de cabeça e pescoço são um dos grupos com maior risco de desnutrição, porque o tumor e o tratamento afetam regiões ligadas à mastigação e à deglutição. Isso compromete a alimentação e acelera a perda de peso”, explica.
O primeiro estudo, publicado na Frontiers in Nutrition, analisou 132 pacientes com câncer de cabeça e pescoço em estágio avançado. As tomografias mostraram que pacientes com maior quantidade de gordura corporal tiveram sobrevida média de 27,9 meses, enquanto aqueles com baixos níveis viveram 13,9 meses, praticamente o dobro de tempo.
“Esse resultado reforça a importância da terapia nutricional precoce. Se o paciente tem pouca reserva de gordura, podemos intervir de forma específica e, possivelmente, aumentar sua sobrevida”, afirma Mendes. Além disso, o estudo revelou que manter a massa muscular também é um fator protetor. Pacientes com maior musculatura viveram, em média, 22,9 meses, contra 8,6 meses entre os que apresentaram baixa massa muscular.
Segundo a pesquisadora, o achado reforça o chamado “paradoxo da obesidade”. “A obesidade é um fator de risco para o desenvolvimento de vários tipos de câncer, mas, em alguns casos, o tecido adiposo pode atuar como protetor quando o paciente já tem a doença instalada”, explica.
Segunda pesquisa reforça resultados
O segundo estudo, publicado na Clinical Nutrition ESPEN, avaliou 101 pacientes com câncer de cabeça e pescoço metastático ou recorrente atendidos no Hospital de Clínicas da Unicamp.
Mais uma vez, a baixa muscularidade apareceu como um fator de risco: todos os pacientes com pouca massa muscular morreram em até 24 meses, enquanto alguns com maior musculatura seguiram vivos após 40 meses de acompanhamento.
Os dois trabalhos reforçam a necessidade de incluir a avaliação da composição corporal na rotina clínica dos pacientes com câncer. Como as tomografias já são feitas durante o tratamento, é possível aproveitar esses exames para medir músculo e gordura.
“A maioria dos estudos olha apenas para a musculatura. Nós incluímos também o tecido adiposo e vimos resultados muito relevantes. O que importa não é só a quantidade de gordura, mas o funcionamento dela e como isso influencia o tratamento”, destaca Mendes. Para a pesquisadora, o acompanhamento nutricional deve ser encarado como parte fundamental do tratamento oncológico.
“Queremos mostrar que avaliar a composição corporal pode fazer diferença real no tempo e na qualidade de vida dos pacientes”, conclui.