Nunca foi tão importante olhar para quem chega. Com a falta de profissionais qualificados e a dificuldade de manter operações funcionando a pleno vapor, bares e restaurantes encontraram nos trabalhadores imigrantes uma resposta possível – e muitas vezes surpreendente – para manter seus negócios vivos e pulsantes.
Imigrantes ajudam a preencher vagas na gastronomia e trazem novas histórias aos negócios
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Dados do Ministério da Justiça mostram que, só entre janeiro e agosto de 2024, mais de 203 mil imigrantes tiveram vínculos formais de trabalho no país. A maior parte das contratações aconteceu no Sudeste e no Sul, regiões que concentram grande parte dos polos gastronômicos.
Se por um lado a chegada desses profissionais supre uma necessidade urgente, por outro, também enriquece o dia a dia com sotaques, tradições e uma disposição rara de recomeçar. Para quem abre as portas, fica a lição: é possível unir propósito e resultado sem perder a essência do negócio.
Quando acolher vira prática
Na maior cidade do Brasil, a empresária Lilian Maia, dona do Esquina Grill do Fuad, decidiu que queria mais do que bons currículos. Queria histórias. Desde 2015, quatro funcionários da Guiné-Bissau trabalham com ela no restaurante. Tudo começou com a indicação de uma ONG que apoiava imigrantes africanos.
Lilian sabe na pele o que é desembarcar num país estranho: já morou na Austrália como estudante e imigrante. Foi essa experiência que fez nascer o desejo de retribuir.
“Eu sabia como era difícil morar fora, sem família e sem falar a língua. Por isso, quis dar essa chance aqui no restaurante”, conta.
Os primeiros meses trouxeram desafios. Havia diferenças culturais, dialetos e até hábitos alimentares que precisaram de ajustes. Mas, com respeito e paciência, todos aprenderam a caminhar juntos. Hoje, um dos colaboradores se tornou líder de cozinha e inspira outros colegas.
Para Lilian, contratar imigrantes virou aprendizado constante. “A gente aprende a respeitar o diferente. Aprende a conviver com outras verdades. Eles são extremamente gratos e comprometidos”, diz.
O restaurante adaptou pausas para orações e pequenos detalhes do funcionamento interno. “Eles querem trabalhar, aprender, crescer. E o cliente percebe esse cuidado.”
Um português no Amapá
Se em São Paulo o imigrante ocupa o fogão, em Macapá ele comanda o negócio. O português Rui Ferreira chegou ao Brasil em 2011 como engenheiro e, quase dez anos depois, decidiu mudar de rota. Abriu o Casa Lisboa, restaurante especializado na culinária de Portugal.
“Se eu tivesse vindo direto de Portugal para empreender em restaurante, teria sido mais difícil. Mas fui me adaptando com o tempo, mantendo a essência da cultura portuguesa”, diz.
Hoje, o cardápio reúne receitas tradicionais e o atendimento mistura sotaque europeu com jeitinho brasileiro. Foi essa combinação que conquistou o público amapaense e fez do restaurante um ponto de encontro cheio de afeto e sabor.
Oportunidades que transformam
No setor de alimentação fora do lar, onde cada detalhe importa, contar com pessoas dispostas a se entregar ao trabalho faz diferença. Empresários relatam que a gratidão e a vontade de crescer são marcas constantes entre os imigrantes contratados.
Uma pesquisa da Abrasel mostrou que 90% dos empreendedores enfrentam dificuldades para contratar. Falta de qualificação e desinteresse são os principais motivos. Nesse contexto, olhar para quem chega pode ser a chave para renovar equipes e trazer novas perspectivas.
Quando as empresas abrem espaço, todo mundo ganha. O negócio se fortalece, os clientes percebem o cuidado e a sociedade se torna mais acolhedora. E, no fim das contas, é isso que fica: a certeza de que propósito e resultado podem andar lado a lado.