PL Antifacção: Terrorismo fica fora do novo marco do combate ao crime organizado

Nova versão propõe marco legal autônomo e retira equiparação entre facções e terrorismo; projeto deve ser votado nesta quarta (12), na Câmara

Coletiva na Câmara dos Deputados sobre o PL Antifacção

A Câmara dos Deputados deve votar nesta quarta-feira (12) o texto do chamado PL Antifacção, que será apresentado como um novo marco legal do combate ao crime organizado no Brasil.

O relator, deputado Guilherme Derrite (PP-SP), afirmou em coletiva nesta terça (11) que passará as próximas horas dialogando com as bancadas partidárias para fechar os ajustes finais no substitutivo, uma versão que, segundo ele, busca unificar propostas do governo federal e do deputado Danilo Forte (União-CE), autor do projeto que altera a Lei Antiterrorismo.

“Unimos as boas sugestões de ambos os textos e construímos uma nova tipificação penal dentro da legislação, sem mencionar o termo terrorismo, mas garantindo penas duras e instrumentos eficazes de repressão às facções”, explicou Derrite.

A proposta, segundo o relator, cria novos tipos penais específicos para condutas de organizações criminosas, como domínio territorial, uso de armamento restrito, explosões de caixas eletrônicos, o chamado “novo cangaço”, e exploração de atividades econômicas por facções em comunidades.

Dois projetos, uma fusão e uma nova lei

Derrite detalhou que a proposta inicial do governo federal, apresentada em regime de urgência, tratava de organizações criminosas, enquanto o texto de Danilo Forte alterava a Lei Antiterrorismo (Lei nº 13.260/2016). “A saída foi construir uma lei nova, autônoma, que chamamos de marco legal do combate ao crime organizado. Assim, não há mais conflito de competência com a Justiça Federal nem risco de inconstitucionalidade”, disse o relator.

Pelo texto, crimes cometidos por membros de facções terão penas de 20 a 40 anos de prisão, superiores às previstas na atual Lei Antiterrorismo (12 a 30 anos).

O substitutivo também cria um Banco Nacional de Membros de Organizações Criminosas, com prazo de seis meses para implementação, e determina que cada estado mantenha seu próprio banco de dados interoperável com o sistema federal de inteligência. “Isso é integração real entre as forças de segurança”, afirmou Derrite.

Outro ponto central é o endurecimento do regime de cumprimento de pena. Hoje, a Lei de Crimes Hediondos exige 40% da pena em regime fechado. No novo texto, o percentual sobe para 70%, podendo chegar a 85% para líderes de facções, reincidentes, ou casos com morte, vítimas crianças, idosos ou agentes públicos. “O objetivo é encarecer o custo do crime e impedir que lideranças mantenham o controle das facções mesmo presas”, disse.

Entre as medidas previstas estão:

  • cumprimento de pena no sistema penal federal para líderes de facções;
  • monitoramento e gravação das comunicações, inclusive com advogados;
  • proibição de visita íntima e suspensão do auxílio-reclusão para dependentes de líderes condenados.

Derrite rebate críticas e diz que integração com PF está mantida

Durante a coletiva, o relator rebateu as críticas de que o texto esvaziaria as atribuições da Polícia Federal. “O que é competência da PF está preservado, o que é competência das polícias estaduais também. Se houver crimes conexos de caráter federal, a Polícia Federal continuará atuando normalmente”, disse.

Segundo ele, a divergência surgiu porque a primeira versão do substitutivo mantinha a competência investigativa das polícias estaduais para crimes locais, o que foi interpretado como tentativa de esvaziar a PF. “Isso é falso. O novo texto deixa claro que o combate ao crime organizado será integrado, e não hierarquizado”, afirmou.

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Autor da proposta original critica retirada do conceito de terrorismo

Enquanto o relator Guilherme Derrite (PP-SP) e o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), reforçam o consenso político em torno da retirada do termo “terrorismo”, o deputado Danilo Forte (União-CE), autor da proposta original que inspirou parte do PL Antifacção, manifestou discordância em relação à mudança.

Em declaração nesta terça (11), Forte afirmou que a supressão do conceito de terrorismo enfraquece o simbolismo e a força coercitiva da lei. Para ele, o uso da palavra daria ao texto “vigor” e “autoridade moral” para o Estado agir contra facções criminosas que, segundo o parlamentar, já exercem poder paralelo em diversos territórios.

“A contundência e a força da lei, com o termo terrorista, ficavam muito mais fortes. A lei podia nascer mais vigorosa, porque a tipificação como terrorismo impõe o peso do Estado sobre o criminoso”, afirmou o deputado.

Segundo Forte, o crime organizado alcançou dimensões que “invadem o espaço da política” e geram “terror nas famílias brasileiras”. Ele lembrou que propôs o endurecimento da legislação desde o início dos anos 2000 e que apresentou, em março deste ano, um projeto específico para alterar a Lei nº 13.260/2016, a Lei Antiterrorismo, com foco na inclusão de facções criminosas no rol de tipificações. “Em maio aprovamos a audiência, mas dois relatores não avançaram no texto. Agora, quando o tema volta com urgência, o governo prefere retirar a palavra terrorismo. Respeito, mas discordo”, disse.

O deputado argumentou que o aumento de pena, isoladamente, não garante eficácia punitiva e que a classificação das facções como terroristas teria efeito simbólico e pedagógico mais forte na sociedade. “Já aprovamos muitos aumentos de pena nesta Casa, e isso não resolveu. O que faz a diferença é o enquadramento: chamar o crime pelo nome que ele tem. A tipificação como terrorismo daria ao Estado mais capacidade de proteger as famílias”, afirmou.

Forte ressaltou, no entanto, que não se opõe ao avanço do projeto apresentado por Derrite, nem pretende disputar protagonismo na autoria. “Não tenho vaidade nisso. O importante é que a lei seja eficaz. Mas continuo achando que a expressão ‘terrorismo’ traria mais vigor, mais rejeição social e mais poder de coerção sobre o crime organizado”, concluiu.

Hugo Motta: “Câmara tem compromisso com o acerto”

O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), também participou da coletiva e reforçou que a proposta é fruto de uma construção técnica e suprapartidária.

“A Câmara não tem compromisso com o relator, tem compromisso com o acerto. Queremos garantir ao país uma legislação que fortaleça as forças de segurança e o enfrentamento ao crime organizado”, disse.

Motta afirmou ter dialogado com o governo e com líderes partidários ao longo do dia para ajustar pontos sensíveis do texto. “Estamos abertos à colaboração de todos, governo, líderes, oposição. Essa é uma discussão nacional, e o Brasil precisa de uma resposta firme contra o avanço das facções”, afirmou.

PT reconhece avanço, mas mantém cautela

Pelas redes sociais, o líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias (PT-RJ), classificou como “positivo” o recuo do relator ao retirar a equiparação entre facções criminosas e terrorismo. “Foi um avanço importante, uma vitória dos que alertaram para os impactos econômicos e diplomáticos que essa equiparação traria”, disse.

No entanto, Lindbergh fez ressalvas. “Ainda estamos preocupados com dispositivos que restringem a competência da Polícia Federal. Isso é inegociável. Queremos ver o texto final, e o recuo precisa ser total. Não aceitaremos qualquer tentativa de subordinar a PF a governos estaduais”, afirmou.

O petista defendeu o texto original do governo, que previa foco em ocupação territorial permanente, descapitalização de facções e criação do Banco Nacional de Facções Criminosas. “A proposta do governo é mais sólida e constitucional. Fortalece a inteligência e a cooperação entre as polícias federais, estaduais e municipais”, concluiu.

Clima de negociação antes da votação

Com votação prevista para esta quarta-feira, Derrite deve continuar as reuniões com líderes partidários até o início da sessão. O objetivo é chegar a um texto com consenso suficiente para aprovação em plenário e envio rápido ao Senado.

“Temos ambiente político para aprovar o novo marco legal e garantir que ele não seja contestado judicialmente”, afirmou o relator. Nos bastidores, o Planalto também acompanha de perto as negociações para evitar fissuras na base governista e assegurar que a nova versão respeite os limites constitucionais de competência entre as forças de segurança.

Aline Pessanha é jornalista, com Pós-graduação em Marketing e Comunicação Integrada pela FACHA - RJ. Possui passagem pelo Grupo Bandeirantes de Comunicação, como repórter de TV e de rádio, além de ter sido repórter na Inter TV, afiliada da Rede Globo.

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