Um ano após os atos antidemocráticos de
Até o dia 9 de janeiro de 2023, o número de prisões atingiu o seu ápice: 2.170 pessoas foram presas por suspeitas de participar da quebradeira nos prédios do Palácio do Planalto, STF e Congresso Nacional, ou por estarem envolvidas de alguma forma em outros atos antidemocráticos.
O ministro Alexandre de Moraes é o relator das investigações no STF. Para apontar responsabilidades, Moraes, que também preside o Tribunal Superior Eleitoral, instaurou sete inquéritos: três específicos contra parlamentares que participaram dos atos, um contra financiadores, um contra autores intelectuais, um contra os executores materiais e outro contra as autoridades do Distrito Federal (o governador afastado Ibaneis Rocha, o ex-secretário de Segurança Pública, Anderson Torres, e o ex-comandante-geral da Polícia Militar, Fábio Vieira).
Entre advogados e estudiosos do direito, as opiniões divergentes alcançam as ações de Moraes.
O advogado criminal Antônio Carlos de Almeida Castro, conhecido como Kakay Castro, afirma que o STF foi responsável por evitar que um golpe ocorresse no país. Advogado de quatro ex-presidentes da República e 80 governadores, o advogado acompanha diariamente as ações do Supremo e classifica a condução de Moraes no caso como “impecável, corajosa e técnica”.
“O ministro Alexandre está fazendo um trabalho extremamente técnico, corajoso, sim, porque nós vimos agora que ele foi ameaçado, inclusive fisicamente, mas técnico, O Supremo Tribunal deu, está dando e, espero, dará a resposta necessária a uma tentativa de golpe. Quando as pessoas falam: ‘mas foi só uma tentativa, não podiam ter sido penas tão grandes’, é porque elas desconhecem a legislação. O crime é tentativa de golpe. Por que, se tiver golpe, não tem crime. Se a pessoa dá o golpe, ela é a dona da história, ela vai reescrever a história. A história é escrita pelo vitoriosos e, no caso, a história está sendo escrita por nós, democratas, que vencemos”, opina.
Após as liberdades provisórias concedidas, das 2.170 pessoas presas, apenas 66 permanecem no sistema prisional. Entre elas, oito já foram condenadas pelo Supremo, 33 foram denunciadas como executoras dos crimes praticados no dia 8 de janeiro, sendo que duas foram transferidas para hospital psiquiátrico. Atendendo pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR), o Supremo afirma que 25 pessoas investigadas por financiar ou incitar os crimes vão permanecer presas até a conclusão das investigações que estão em andamento.
Pena chega a 17 anos de prisão
No dia 14 de setembro, o primeiro réu nos processos do 8 de janeiro foi condenado pelo Supremo Tribunal Federal. No total, foram instauradas 1.354 ações penais contra participantes dos atos antidemocráticos. Até o momento, o STF julgou e condenou 30 pessoas. Elas foram condenadas por crimes como associação criminosa, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado e deterioração de patrimônio tombado. As penas máximas chegam até 17 anos de prisão.
Questionado sobre o assunto, Moraes ressaltou que se as penas máximas fossem aplicadas em todos os cinco crimes, os condenados podem pegar 50 anos de prisão. O advogado Kakay Castro comunga da opinião do ministro e explica que os crimes cometidos foram gravíssimos, por isso, as penas mínimas mínimas são pesadas.
“O que as pessoas não entendem, e é normal porque não têm informação jurídica, é que no Brasil você tem o sistema de penas mínimas para cada crime imputado e penas máximas. Os crimes imputados pela Procuradoria a todos aqueles que participaram do 8 de janeiro são crimes gravíssimos com penas mínimas altíssimas. Então, como há um concurso material, as penas são somadas. Ou seja, existem duas hipóteses: ou o normal, dada a prova evidente da materialidade da autoria, que haja condenação. E aí, em havendo a condenação, as penas, ainda que mínimas, somadas, chegam a 12, 15 anos de cadeia. Não tem como você condenar pelos crimes gravíssimos imputados e dar uma pena menor. A pena no Brasil, você tem uma pena mínima e é isso que as pessoas não conseguem compreender”, explica.
Tentativa de golpe de Estado
Doutor em Ciência Política, pesquisador do Centro de Estudos Legislativos e professor titular da UFMG, Carlos Ranulfo, também defende que as ações de Moraes e do STF foram fundamentais para evitar que um “ambiente de caos” se instalasse no país.
“Me parece que o Supremo e o Alexandre Moraes, principalmente, tiveram papel crucial desde 2022, para deter todas as tentativas do ex-presidente Bolsonaro, inicialmente, de agir fora da Constituição. E, depois do 8 de janeiro, para punir sem dar moleza a tentativa de golpe de 8 de Janeiro, nós temos que ter isso muito claro. 8 de janeiro, foi uma tentativa de golpe de Estado, não foi uma brincadeira. Era para criar o caos, para o Exército intervir e sair um golpe de Estado. Não saiu por duas razões: primeiro, porque o governo, embora tivesse só uma semana de empossado, agiu rapidamente e, segundo, porque na cúpula do Exército não havia consenso sobre isso. O Exército, é preciso lembrar, deixou os acampamentos na frente dos quartéis durante dois meses, o que é o que é inadmissível”, avalia.
Por outro lado, há especialistas que dizem entender a “raiva e perplexidade” de Alexandre de Moraes e ministros do STF, mas ressaltam que é o momento de corrigir excessos cometidos.
O defensor público da União Gustavo Ribeiro coordena um grupo de defensores que acompanha o caso de cerca de 300 pessoas, entre presos e outros que estão respondendo ao processo em liberdade, por suspeita de envolvimento nos atos antidemocráticos de 8 de janeiro. Ribeiro ressalta que entende a irritação e perplexidade dos ministros com os ataques, mas que algumas posturas da Suprema Corte podem ser corrigidas com o passar dos ânimos exaltados.
“Penso que já é possível fazer uma análise mais calma, mais distante e menos inflamada do que ocorreu naquele dia. Entendo a reação dos ministros, a sensação de perplexidade e até mesmo de uma certa raiva de tudo o que aconteceu naquele dia na Praça dos Três Poderes, as destruições, as coisas que foram quebradas. Mas acho que, sim, em certo momento, na reação e no tratamento dos processos, houve excessos que precisam ser pensados e ponderados pelos ministros do STF ao apreciarem as os processos de cada uma das pessoas envolvidas”, opina.
Entre os excessos, Ribeiro critica o excesso de prisões preventivas e os prazos reduzidos concedidos para as defesas se manifestarem em relação aos processos.
“Em primeiro lugar, eu acho que realmente algumas situações houve prisões preventivas que duraram muito tempo. Mais do que deveriam. Inclusive, algumas pessoas que ficaram presas por alguns meses estavam denunciadas por crimes que sequer permitem a prisão preventiva. Além disso, muitas vezes foram dados prazos curtos para a prática de determinados atos, como sustentações orais apresentação de defesa”, conta.
Ao contrário do advogado Kakay Castro e do cientista político, Carlos Ranulfo, o defensor público da União, Gustavo Ribeiro, também vê excessos nas penas aplicadas.
“Quanto as penas, o que tem ocorrido? Entendo que algumas das penas que tem sido impostas, que chegam a 17 anos, são muito elevadas. E, como defensor público, com uma quantidade bastante grande de pessoas muito simples, com pouco esclarecimento, com nenhum poder de chefia, comando, organização... isso as que sabiam que estavam fazendo em Brasília. Mas lidei com pessoas muito simples que tiveram uma pena tão elevada simplesmente porque estiveram na Praça dos Três Poderes”, critica.
Mineira de Montes Claros foi detida
O advogado Farley Soares defendeu a mineira de Montes Claros, no Norte de Minas, Aline Leal Bastos Morais de Barros, presa quase 90 dias após os ataques. A advogada, candidata a deputada federal pelo PL nas eleições de 2022, foi reconhecida pelas investigações após ser flagrada em postagens nas redes sociais mostrando que estava em Brasília no dia do ato.
O advogado confirma que a cliente esteve em uma manifestação na capital federal, mas ressalta que ela não participou da quebradeira nos prédios públicos. Farley classifica a atuação do Supremo como “equivocada” e destaca importância de não aplicar as mesmas penas para pessoas que participaram da quebradeira nos prédios públicos e outras que apenas participaram dos atos que ele classifica como “manifestação popular”.
Para o professor de Direito Constitucional da PUC Minas e advogado, Nuno Rebelo, o golpe de Estado é caracterizado pela atuação de uma força contra outra força.
“Manifestação popular não pode ser confundida com um golpe de estado. O golpe de estado, ele é uma uma um fato que ocorre de uma força contra outra força, são Poderes contra Poderes. A manifestação popular ela é voluntária, não necessariamente é organizada e, não necessariamente quer derrubar o regime democrático. A insatisfação com o resultado de umas eleições e questionar as eleições em manifestação é legítimo. E mais: duvidar do resultado, questionar o resultado também é legítimo na democracia. Aí caberá às instituições, aos órgãos públicos fazer com que a eleição, que deve ser transparente, seja esclarecida”, diz Rebelo.
Para justificar as 30 condenações que ocorreram até aqui, os ministros ressaltaram que os condenados colocaram a democracia em risco e pretendiam impedir ou restringir o exercício dos poderes constitucionais, com uso de violência e por meio da depredação do patrimônio público e ocupação dos edifícios-sede dos três Poderes da República.