A 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) suspendeu nesta terça-feira (8) o julgamento que trata da possibilidade de as filhas do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra indenizarem familiares de um jornalista morto após torturas sofridas durante a ditadura militar brasileira.
O relator, ministro Marco Buzzi, fez um pedido de vista coletivo. A análise deverá ser retomada na próxima terça-feira (15).
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A suspensão se deu depois da apresentação dos votos do relator e da ministra Maria Isabel Gallotti.
Até o momento, há um voto a favor de que a indenização pelos crimes na ditadura não prescreve. Outro voto propõe que o Estado, e não Ustra, é que deveria ter sido acionado na Justiça pela indenização.
O colegiado analisa um recurso ajuizado pela companheira e pela irmã de Luiz Eduardo Merlino, morto em 1971 nas dependências do DOI-Codi (Destacamento de Operações e Informações – Centro de Operações de Defesa interna) em São Paulo. Na época, Ustra chefiava o órgão.
O DOI-Codi era incorporado à estrutura do Exército. Estima-se que mais de 7.000 pessoas tenham sido torturadas nas instalações e que, pelo menos, 50 foram assassinadas sob custódia do departamento entre 1969 e 1975.
O recurso contesta decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), que entendeu que o caso já estava prescrito, e derrubou a condenação de Ustra determinada em 1ª instância.
Votos
Para Buzzi, a decisão do TJ-SP deve ser anulada e o caso deve ser novamente analisado no tribunal, afastando-se a tese da prescrição. Segundo o ministro, o pedido de indenização no caso é imprescritível.
“Na hipótese da ofensa aos direitos fundamentais, como é o que ocorre com tortura institucionalizada, sempre se estará diante de pretensão indenizatória imprescritível”, afirmou. “A tortura política é uma expressão tenebrosa. Promove destruição do sujeito humano na essência de sua carnalidade e espiritualidade.”
O magistrado também disse que a Lei da Anistia, de 1979, só tem efeito na esfera penal, e não na cível –como é o caso de ações de indenização por dano moral.
“A Lei da Anistia não estabelece salvaguarda em relação a pretensões indenizatórias, tampouco impediu que fossem investigados, conhecidos e principalmente responsabilizados ainda que sem as durezas da pena criminal, por toda ferocidade das torturas cometidas dos desaparecimentos de pessoas e das lesão gravíssima praticadas.”
A ministra Maria Isabel Gallotti divergiu. Ela entendeu que o processo deveria ser extinto porque Ustra não poderia ter sido acionado diretamente na Justiça com fins de indenização. Isso porque, segundo a magistrada, há entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) de que a ação judicial por danos causados por agente público deve ser ajuizada contra o Estado.
Gallotti também votou para reconhecer a prescrição do caso. “Essa intenção de imprescritibilidade nas relação provadas iria na contramão da proposta que ganhou a chancela do Congresso com a Lei de Anistia. Já passados décadas dos fatos e da edição da Constituição penso que está prescrita a pretensão”.
Entenda o caso
Em 2012, a juíza Cláudia Lima Menge, da 20ª Vara Cível da capital paulista, condenou Ustra a pagar R$ 100 mil de indenização por danos morais.
Em defesa no processo, Ustra negou a participação do militar nos atos, argumentou que o caso já estava prescrito e que são inverídicos os relatos feitos por presos políticos.
O coronel morreu em outubro de 2015, e suas filhas, Patrícia Silva Brilhante Ustra e Renata Silva Brilhante Ustra, passaram a constar no processo como herdeiras do militar.
Em 2018, a 13ª Câmara Extraordinária de Direito Privado do TJ-SP anulou a sentença da juíza. Para os desembargadores, o caso já estava prescrito porque a ação foi ajuizada em 2010, 39 anos depois da morte do jornalista e 22 anos depois da Constituição de 1988 – marco temporal para correr o prazo prescricional de 20 anos para propor a ação, conforme voto do desembargador Salles Rossi.
A ação foi proposta por Angela Maria Mendes de Almeida e Regina Maria Merlino Dias De Almeida, respectivamente companheira e irmã de Merlino.
Segundo as informações trazidas no processo, o jornalista morreu em julho de 1971 em decorrência de espancamentos e atos de tortura “comandados e praticados” por Ustra.
Luiz Eduardo Merlino participou do movimento estudantil no final da década de 1960 e do Partido Operário Comunista. Em 1971, ao visitar sua família em Santos (SP), Merlino teria sido levado a força “sob a mira de pesado armamento” por agentes do DOI-Codi.
“Nos quatro dias subsequentes, militares mantiveram a família, inclusive a coautora Regina, sob constante vigilância, mas sem notícias sobre Luiz Eduardo, até que noticiado seu falecimento, por suicídio”, diz um trecho da decisão da juíza Cláudia Lima Menge, responsável pela decisão de 1ª instância que condenou Ustra.
Segundo as informações do processo, foi possível constatar que ele foi vítima de tortura, por causa das “condições em que se apresentava o corpo”.
A família de Merlino apresentou como testemunhas no processo pessoas que estiveram no DOI-Codi na mesma época que o jornalista.
Segundo os relatos prestados, ele teria sido espancado “durante 24 horas seguidas no ‘pau-de-arara’” e teve complicações circulatórias nas pernas que acabaram levando à morte, por falta de atendimento médico.
O atestado de óbito, porém, traz uma outra versão, apresentada por agentes do Dops (Departamento de Ordem Política e Social): “Quando era transportado para o Rio Grande do Sul, para lá reconhecer colegas militantes, durante uma parada nas proximidades de Jacupiranga, Luiz Eduardo teria se jogado à frente de um carro que trafegava pela rodovia e fora atropelado”.