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BHTrans: quase 200 ônibus circulam de forma irregular em Belo Horizonte

Entidade pediu que prefeitura adote medidas para que veículos possam ser retirados de circulação

Fiscalização da BHTrans

A área técnica da BHTrans cobrou da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) na última quinta-feira (01/06) a adoção de medidas para que a empresa tenha condições de impedir a circulação de ônibus em situação irregular no transporte coletivo da cidade.

Segundo documentos obtidos com exclusividade pela Itatiaia, atualmente 195 ônibus estão com a Autorização de Tráfego (AT) vencida. O número corresponde a 7,82% da frota total, formada por 2.494 veículos. Os técnicos afirmam que a situação é grave pois os ônibus circulam “em condições precárias de manutenção [e] com maior risco de acidentes”.

A PBH se posicionou após a publicação da reportagem. “A Prefeitura de Belo Horizonte, por meio da BHTrans e da Superintendência de Mobilidade do Município de Belo Horizonte (SUMOB), vem adotando o devido processo legal, atuando incansavelmente para resguardar a segurança dos usuários e a eficiência das operações, conforme vem sendo amplamente divulgadas nos canais de comunicação da prefeitura”, disse o Executivo.

Sem convênio com o Detran

Em duas operações de fiscalização realizada nos últimos dias 19 e 22 de maio, a Guarda Municipal e a BHTrans retiraram 12 ônibus de circulação por i rregularidades como pneus carecas e falta de documentos.

Na ocasião, foram recolhidas as ATs dos veículos. Conforme informado pela PBH naquela data, os ônibus “só poderão voltar às ruas após todos os ajustes e uma vistoria técnica, quando receberão uma nova AT.”

Os documentos obtidos pela Itatiaia, no entanto, apontam para um cenário distinto. Pelo decreto 13.384/2008, que determina as regras do transporte público de Belo Horizonte, os veículos sem as ATs e que não cumprem condições técnicas estabelecidas no contrato com as empresas de ônibus devem ser apreendidos e retirados de circulação.

Porém, os técnicos da BHTrans afirmam que os agentes que estão nas ruas não conseguem realizar as apreensões porque não há convênio com o Departamento Estadual de Trânsito de Minas Gerais (Detran-MG).

“Venho informar que as ações de fiscalização não tem sido suficientes para promover a regularização da situação de regularidade do veículo, considerando que a medida cautelar prevista em regulamento de ‘apreensão de veículo’ não está sendo realizada pelos agentes em campo [...] por falta de convênio com o DETRAN MG que tenha como objeto as atividades de remoção e guarda de veículo automotor apreendido”, diz trecho do documento.

Apesar do posicionamento dos técnicos, a prefeitura afirma que existe convênio com o Detran. “Há convênio em vigor de cooperação administrativa, técnica e operacional entre o DETRAN/MG e o município de Belo Horizonte”, informou o Executivo.

“Esse convênio tem como objeto ‘a delegação, pelo Município, ao DETRAN/MG, das atividades de remoção e guarda de veículo automotor apreendido em razão de qualquer infração de trânsito de competência municipal”, tendo destacado em sua cláusula 1.3: “O presente Convênio tem como base legal o Código de Trânsito Brasileiro (Lei 9.503/1997), os Decretos Estaduais n°- 43.824/04, nº 44.806/08, n°- 47.072/16, a Resolução n° 623/2016 do CONTRAN, as Portarias n° 11S9/13, n° 008/2022, todas expedidas pelo DETRAN/MG’”, diz a nota.

A reportagem também perguntou quantos veículos foram apreendidos em 2023 e quanto tempo eles ficam detidos. “As remoções e apreensões foram realizadas pela Guarda Civil Municipal em operações conjuntas com a BHTrans. De 19/05/2023 até 07/06/2023 foram realizadas nove operações conjuntas, em que foram inspecionados diversos veículos, sendo 12 deles autuados e conduzidos para os pátios conveniados para apreensão”, explicou a PBH.

“Os veículos apreendidos ficam sob responsabilidade dos pátios credenciados”, acrescentou o Executivo.

Acesso ao sistema

Ainda segundo os técnicos, a BHTrans não tem acesso e controle de um sistema para impedir que os ônibus sem Autorização de Tráfego realizem as viagens. Somente a Transfácil, consórcio formado pelas próprias empresas de ônibus para cobrar a passagem, tem poder sobre o sistema atualmente.

“Através do Sistema de Bilhetagem Eletrônica - SBE, existe a funcionalidade de cadastro de veículos e de vinculação desses com os validadores, atualmente controlada exclusivamente pelo Transfácil”, dizem os técnicos.

“Vimos recomendar que o Município de Belo Horizonte solicite o controle do cadastro dos veículos às Concessionárias e solicite o desenvolvimento da funcionalidade que permita à BHTrans e/ou à SUMOB realizar o bloqueio de veículos que estejam impedidos de operar, de modo a inviabilizar a abertura de viagens através do sistema de bilhetagem eletrônica”, continua o documento.

Questionada se iria adotar a recomendação, a PBH repetiu que “vem adotando o devido processo legal, atuando incansavelmente para resguardar a segurança dos usuários e a eficiência das operações”.

Risco à população

Na avaliação do doutorando em mobilidade urbana pela UFMG e integrante do Movimento Tarifa Zero BH, André Veloso, os 195 ônibus em situação irregular são uma bomba-relógio. “Eles estão colocando em risco a vida da população. É uma questão de tempo para alguém sair gravemente ferido, ferido ou morto”, disse ele.

De acordo com o especialista, um dos motivos para o cenário atual é o desmonte sofrido pela BHTrans a partir da sua extinção, que foi aprovada pela Câmara Municipal em 2021. O processo de transição e a transferência das responsabilidades para a Superintendência de Mobilidade Urbana, órgão criado para substituir a BHTrans, vai até 2036.

“Não está entrando nada no lugar. Os funcionários e o corpo técnico da BHTrans estão desmotivados. Coisas básicas como convênio com Detran não estão acontecendo e você não tem uma criação no lugar de um órgão público capaz de fazer a gestão do transporte coletivo e exercer esse poder de fiscalização e atuação sobre o transporte que é necessário para colocar as empresas na linha”, afirma Veloso.

Ele aponta o controle do sistema de bilhetagem eletrônica como um dos principais problemas do contrato firmado com as empresas de ônibus em 2008. Ele cita o exemplo da cidade do Rio de Janeiro, onde a prefeitura interveio, tomou a operação do sistema para si e depois abriu uma licitação para uma empresa independente operar a cobrança das passagens.

“O prefeito tem essa prerrogativa. Só que ele é intimamente ligado aos empresários de ônibus e não demonstrou ao longo de sua gestão nenhum interesse em enfrentar os empresários”, concluiu André Veloso, em referência a Fuad Noman (PSD)

Setra aponta demora da BHTrans

Procurado pela reportagem, o Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de Belo Horizonte (SetraBH) disse que trabalha para prestar o serviço de forma adequada, mas que a BHTrans demora a realizar as vistorias necessárias para a emissão da Autorização de Tráfego.

“As AUTORIZAÇÕES DE TRÁFEGO são sempre renovadas pelas empresas em face de LAUDOS DE VISTORIAS. Alguns laudos de vistoria são protocolizados pelas empresas na BHTRANS e, por falta de pessoal, demoram por longo prazo para serem deferidos e as ATs renovadas”, afirmou o sindicato por meio de nota.

Confira a nota na íntegra:

“O Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de Belo Horizonte (SetraBH) reafirma, em nome das empresas de transporte, seu compromisso com a adequada prestação dos serviços, e assegura o empenho das concessionárias com a correta manutenção dos veículos.

Importante destacar que o estrangulamento financeiro perpetrado há anos e que impediu o necessário investimento na renovação de toda a frota do sistema, além de melhorias que poderiam ter sido implementadas se não fosse o desequilíbrio econômico-financeiro enfrentado pelas empresas desde 2018 e que, infelizmente, não se corrige em curto espaço de tempo.

O sindicato ressalta que mesmo diante das dificuldades, todos os esforços são envidados para garantir a qualidade e a segurança nos serviços de transporte público em Belo Horizonte e de toda a população.

As AUTORIZAÇÕES DE TRÁFEGO são sempre renovadas pelas empresas em face de LAUDOS DE VISTORIAS.

Alguns laudos de vistoria são protocolizados pelas empresas na BHTRANS e, por falta de pessoal, demoram por longo prazo para serem deferidos e as ATs renovadas.”