Deputados e senadores querem discutir uma forma de reverter os decretos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) que alteraram o Marco Legal do Saneamento Básico e abriram caminho para que as empresas públicas estaduais possam continuar operando sem novas licitações.
A decisão do governo contrariou até mesmo integrantes da base aliada, especialmente na Câmara dos Deputados.
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O deputado Fernando Monteiro (PP-PE), aliado do governo, vai apresentar dois projetos de decreto legislativo para derrubar os dois decretos assinados por Lula.
Os projetos anulam por inteiro os efeitos das regras editadas pelo presidente. O conteúdo, porém, pode ser alterado para derrubar apenas alguns trechos. Uma proposta como essa precisa ser aprovada por maioria simples na Câmara e no Senado.
“O Congresso votou uma lei, eu defendia uma transição maior para manutenção dos contratos de programa (aqueles assinados diretamente pelas prefeituras com as empresas sem licitação), mas perdemos no Congresso. Podemos discutir a volta dos contratos de programa, mas não pode ser por decreto. A minha briga não é só pelo mérito, é pela forma”, afirmou Monteiro.
Os partidos da oposição também irão protocolar um projeto para derrubar os decretos de Lula.
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), já tomou conhecimento dos projetos para reverter os decretos de Lula e sinalizou a possibilidade de pautá-los na Casa.
Lira afirmou que podem ser feitas mudanças para aprimorar a lei, mas que os decretos de Lula trazem “retrocessos” ao Marco do Saneamento.
“Tem algumas coisas na lei que a gente precisa aperfeiçoar. A gente quando fez (o marco legal do saneamento em 2020) colocou os estados como principais condutores de um processo, para evitar uma condução por 5.500 municípios, mas isso, ao final, está dando problema, porque em todos os estados têm municípios a favor e contra ficar sob a mesma gerência. Então isso a gente tem que resolver”, analisou Lira.
Mudanças de Lula
Entre as principais mudanças trazidas pelo marco, está a abertura do setor à iniciativa privada e o estabelecimento de metas para a universalização do serviço. O saneamento foi por anos prestado, majoritariamente, por estatais. A ideia da nova lei foi aumentar a concorrência e buscar melhorar a qualidade da infraestrutura oferecida.
Desde a aprovação do marco, em 2020, 22 leilões já foram realizados, com R$ 55 bilhões em investimentos, segundo a Associação e Sindicato Nacional das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon Sindcon).
Ao anunciar as mudanças no decreto, Lula acrescentou que as novas regras foram resultado de um amplo diálogo com os estados e municípios.
“Sempre disse que não seria possível governar o país se não se pensasse a existência de municípios e estados. Essa é a segunda reunião com governadores, e vamos fazer muito mais. Todos nós somos eleitos e tomamos posse no mesmo dia. O que vai fazer com que a gente seja lembrado na história é a capacidade de fazer de bem para as pessoas”, disse.
Críticas de aliados
O líder do MDB na Câmara, Isnaldo Bulhões (AL), aliado de Lula, afirmou que não concordou com os decretos.
“Tenho certeza de que não vou concordar com 100% do que veio no decreto, até porque eu vivi isso no Congresso e na estruturação do projeto de saneamento aqui em Alagoas”, disse Bulhões - citando a concessão feita pelo Estado em 2020, após a aprovação do marco, como um “sucesso”.
Incertezas
Os decretos causaram críticas até mesmo dentro do próprio governo. Segundo técnicos, as mudanças assinadas por Lula podem adiar os investimentos no setor e comprometer a universalização dos serviços prevista na lei, cujo prazo é 2033.
Outra dúvida é sobre a falta de capacidade técnica e financeira das estatais de saneamento, que podem continuar sem condições de comprovar as exigências do marco mesmo com a flexibilização dos critérios.
O prazo para que elas comprovem essa capacidade de investimentos - que já tinha sido vencido em 2021 - foi adiado para dezembro de 2025. Muitas estatais nem sequer entregaram a documentação necessária.
Antes da edição dos decretos por Lula, 1.113 municípios, com população de 29,8 milhões de pessoas, tiveram os contratos considerados irregulares com as companhias de água e esgoto após análise da capacidade financeira para cumprir os objetivos do novo marco: universalizar os serviços de água e esgoto até 2033, com fornecimento de água para 99% da população e coleta e tratamento de esgoto para 90%.
Outra mudança prorrogou para dezembro de 2025 o prazo para a regionalização do serviço de saneamento. O marco estabeleceu que se criassem blocos regionais, formados por municípios mais rentáveis do ponto de vista econômico, com cidades menores, com baixa viabilidade comercial. A regionalização dos serviços deveria ter ocorrido até o último dia 31 de março, mas muitos municípios perderam a data.
Atualmente, 100 milhões de pessoas não têm rede de esgoto, e falta água potável para 35 milhões, segundo ranking divulgado neste ano pelo Instituto Trata Brasil, com base nos indicadores de 2021 do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento.
(Com Estadão Conteúdo e Agência Brasil)