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Rússia usa estratégia de ‘guerra híbrida’ com a Europa, diz professora; entenda

Tensão na Europa tem aumentado nos últimos dias devido à ‘guerra híbrida’

Kremlin, Moscou - Imagem ilustrativa

A tensão na Europa tem aumentado nos últimos dias devido à incursão de drones em países da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), como Dinamarca, Noruega, Polônia, Romênia e Alemanha. Nesta semana, a premiê dinamarquesa, Mette Frederiksen, afirmou que o continente se encontra na situação mais difícil e perigosa desde o fim da 2ª Guerra Mundial.

Segundo a professora do curso de Relações Internacionais da UNA, Rafaela Sanches, ela fez essa afirmação porque “vê a Rússia usando uma estratégia de guerra híbrida contra a Europa”, incluindo sabotagem, ciberataques e incursões de drones no território europeu.

“Para ela, a situação é até mais instável que na Guerra Fria, já que Putin vem testando os limites da OTAN de forma direta. [...] A situação atual é mais difícil e perigosa porque hoje existe um conflito ativo no Leste Europeu, uma transição de ordem mundial para multipolar (inclusive com questionamento da hegemonia ocidental e do domínio estadunidense), um mundo bastante tensionado em várias áreas: economia, tecnologia, segurança e outros”, explicou.

Apesar da tensão, a professora apontou que o risco de uma 3ª Guerra Mundial nos próximos meses é baixo, mas não pode ser totalmente descartado.

“A Rússia, sob Putin, evita um confronto direto com a OTAN porque isso inevitavelmente traria a questão nuclear, e nenhum dos lados deseja chegar a esse ponto. Do mesmo modo, a OTAN tem se mantido na linha da dissuasão, apoiando a Ucrânia sem colocar tropas próprias em combate direto. O maior perigo, no entanto, está em incidentes não planejados - como as recentes incursões de drones russos em espaço aéreo de países da OTAN, caso da Dinamarca e da Noruega nas últimas semanas”, afirmou.

“Um episódio assim pode gerar uma resposta automática e abrir caminho para uma escalada involuntária. Por isso, mesmo que a probabilidade de uma guerra total seja pequena, a guerra híbrida russa - com sabotagens, ciberataques, desinformação e provocações - exige atenção redobrada para evitar erros de cálculo”, acrescentou.

A especialista explicou, ainda, que atualmente existem “freios importantes” que diferenciam esse cenário de períodos mais instáveis da história. “Mecanismos como o Artigo 5 da OTAN (estabelece a defesa coletiva entre seus membros, ou seja, caso um ou mais países membros seja atacado, os demais devem responder – seja com força armada ou de outras formas que julgarem necessárias), tratados de não proliferação nuclear, o papel da ONU e da União Europeia, além de uma rede de acordos multilaterais em diversas áreas, como comércio, economia, meio ambiente, direitos humanos e desastres, ajudam a conter agressões em grande escala”, explicou.

"É hora de ter medo de um grande conflito? Não. Provavelmente o que chamamos de 3ª Guerra Mundial não acontecerá nos moldes que conhecemos: com soldados, campo de batalha e outros. Alguns cientistas apontam que esse possível conflito acontecerá de forma diferente e provavelmente no campo econômico”, apontou a professora.

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O que é a “guerra híbrida”?

Em seu discurso, Frederiksen citou a “guerra híbrida”, que é um conflito que “combina estratégias militares tradicionais com métodos não convencionais, como ciberataques, sabotagem de infraestrutura, campanhas de desinformação, uso de drones e até a instrumentalização da migração forçada (que é o deslocamento forçado de uma comunidade, por exemplo)”, segundo Sanches.

“O objetivo é desgastar o inimigo e enfraquecê-lo politicamente sem recorrer a uma declaração formal de guerra, como acontecia nos grandes conflitos do século XX. É exatamente essa lógica que vemos hoje na Rússia: ataques à infraestrutura de energia e comunicação, operações digitais e propaganda direcionada para semear divisões internas na Europa e reduzir o apoio à Ucrânia. Ela é “híbrida” justamente porque mescla frentes diferentes de ataque - militar, tecnológica, informacional e social - para alcançar ganhos e resultados estratégicos”, explicou.

Qual seria a solução para a “guerra”?

De acordo com a professora, é difícil pensar em uma solução única e que seja eficaz para a guerra. Uma decisão como essa, segundo ela, precisa ser pensada em várias frentes ao mesmo tempo.

“No curto prazo, passa por fortalecer as defesas coletivas da Europa - por exemplo, com o “drone wall” já discutido pela União Europeia, que criaria um sistema integrado de monitoramento aéreo ao longo das fronteiras mais vulneráveis (o que evitaria e desestimularia, por exemplo, futuras e possíveis incursões russas). Também é essencial investir fortemente em cibersegurança e ampliar a inteligência compartilhada entre países da OTAN e da UE, já que os ataques digitais e a desinformação são hoje tão perigosos quanto as ameaças militares convencionais”, afirmou.

“Outro eixo é a diplomacia. Isso significa manter a pressão política e econômica sobre a Rússia, por meio de sanções e outros mecanismos, ao mesmo tempo em que se garante apoio contínuo à Ucrânia para que o país não seja forçado a negociar em posição de fragilidade. Mas a solução não é apenas externa: também depende de unidade interna dentro da Europa. É preciso combater a polarização e a desinformação que corroem a confiança das populações nas instituições democráticas, já que esse é um dos objetivos centrais da guerra híbrida russa”, acrescentou.

“No médio e longo prazo, reduzir a dependência energética da Rússia é estratégico para os países europeus. A diversificação de fornecedores e o investimento em energias renováveis não apenas enfraquecem o poder de pressão de Moscou, mas também fortalecem a resiliência europeia frente a futuras crises. Por fim, qualquer saída sustentável terá de passar por negociações multilaterais que incluam um plano de fim da guerra na Ucrânia. Como destacou Frederiksen, tudo isso só será possível se houver vontade política — tanto para enfrentar os riscos imediatos quanto para construir soluções de segurança duradouras. Ou seja, demandará um esforço das duas partes (Ucrânia e Rússia), mas também de outros países tanto de dentro quanto de fora da região”, disse.

A professora continuou: "É possível pensar em uma forma efetiva para acabar com a guerra em si, ainda que não seja uma medida milagrosa - mas sim uma combinação de esforços de diferentes áreas de interesses e de países. O primeiro passo seria um cessar-fogo verificável e irreversível, acompanhado de mecanismos independentes de monitoramento e de medidas imediatas de redução de riscos, como corredores humanitários e retirada de armamentos pesados da linha de frente. Esse cessar-fogo pode abrir espaço para um quadro de negociação mais definido, estruturado em etapas — da suspensão das hostilidades às garantias de segurança, passando por ajustes territoriais, presença de forças internacionais de monitoramento e, por fim, um acordo político mais amplo”.

“Ao mesmo tempo, a pressão econômica deve ser calibrada com incentivos e que permita ser revisitada ao longo do tempo: manter sanções como alavanca de negociação, mas combinar isso com recompensas condicionadas ao cumprimento dos acordos, incluindo reconstrução, acesso a ativos congelados e investimentos supervisionados, e outros. Esse equilíbrio entre punição e recompensa aumenta a chance de avanços reais e até mesmo mais duradouros. Além disso, a segurança regional deve ser contemplada, por meio de zonas desmilitarizadas, garantias para países vizinhos e arranjos estratégicos que reduzam a percepção de ameaça para ambos os lados. Paralelamente, o processo de paz precisa tratar de questões políticas internas, como proteção de minorias, descentralização quando for cabível, justiça para crimes de guerra e planos de reconciliação e reconstrução - dimensões fundamentais para evitar que o conflito volte a emergir e que poderia aumentar as chances de uma paz mais duradoura”, explicou.

“Nada disso, porém, se sustenta sem mediadores e uma arquitetura de cooperação e esforço, com a presença de atores aceitos por ambas as partes, capazes de oferecer garantias de longo prazo. Esse processo deve combinar a negociação de um pacote abrangente com a implementação gradual e reversível das medidas, permitindo ajustes conforme a confiança evolui. Por fim, o elemento central é a vontade política e a legitimidade interna: tanto Kiev quanto Moscou, assim como os países da região e os EUA, precisam estar comprometidos com a execução do acordo e contar com apoio popular suficiente para que a paz seja mais do que um arranjo formal, mas um objetivo comum”, concluiu.

Formada pela PUC Minas, é repórter da editoria de Mundo na Itatiaia. Antes, passou pelo portal R7, da Record.