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Cérebro podre? ‘Brain rot’ é eleita a expressão do ano pelo dicionário Oxford; entenda

O termo inglês traduzido por ‘podridão cerebral’ ganhou popularidade em 2024 no meio digital e, segundo especialistas, pode ser um sintoma de transtorno mental

O Dicionário Oxford anunciou, nesta segunda-feira (2), que a expressão do ano é ‘Brain rot’ (‘cérebro podre’ ou ‘podridão cerebral’, em tradução literal). O termo, que se popularizou no meio digital ao longo de 2024, foi eleito em votação pública com mais de 37 mil pessoas.

O dicionário definiu o “brain rot” como “a suposta deterioração do estado mental ou intelectual de uma pessoa, especialmente vista como resultado do consumo excessivo de material (principalmente conteúdo online) considerado trivial ou pouco desafiador”.

Embora tenha viralizado agora pela próprias redes sociais, o termo ganhou destaque em 2007, quando foi usado como uma ‘gíria’ para descrever conteúdo que tem pouco ou nenhum valor artístico, educacional ou substantivo, como tendo um impacto negativo no espectador e, portanto, levando à degradação e ‘podridão’ de seu cérebro.

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Em meio a repercussão, a Itatiaia conversou no mês de julho com o professor e pesquisador do Departamento de Medicina Preventiva e Social da Faculdade de Medicina da UFMG, Helian Nunes de Oliveira. O especialista em psiquiatria explicou que o termo pode estar associado a transtornos mentais.

Não é um distúrbio mental, mas pode ser sintoma de algum transtorno mental, como depressão, ansiedade e outras alterações. Há uma maior evidência destas alterações comportamentais porque o uso da internet e mídias sociais tem aumentado e ainda é difícil o acesso à informação de qualidade, as pessoas gastam muitas horas diariamente sem destino neste acesso facilitado que a vida online trouxe nas últimas décadas’, explica Oliveira.

Apesar da condição ser facilmente entendida pela tradução, muitas pessoas que tem ‘brain rot’ não conseguem evitar. ‘Curiosamente, mesmo que as pessoas tenham consciência da deterioração cerebral, não conseguem fugir dela, podem estar buscando uma anestesia para algo que já não está indo bem’, afirma o professor.

Você tem ‘cérebro podre’?

No meio digital há muita informação de qualidade e de fácil acesso, porém também há muita desinformação e conteúdos fúteis, o que segundo o pesquisador é um dos principais ‘males’ da internet.

‘Os conteúdos na internet não geram lucro pela qualidade da produção ofertada, mas pela quantidade dos acessos e propaganda ou venda de produtos ou serviços. O maior problema é o excesso de tempo de exposição, a vida precisa de diversidade e experiências que desafiem e possam trazer oportunidades de crescimento e amadurecimento enquanto indivíduos e coletivamente. Não há passado, presente ou futuro numa monotonia de estímulos de baixa qualidade’, pontua Helian.

O aumento em popularidade está relacionado ao crescente reconhecimento de um transtorno que pesquisadores do Hospital Infantil de Boston chamaram de Uso Problemático de Mídia Interativa. Os estudos são guiados por Michael Rich, um pediatra que fundou o Digital Wellness Lab no hospital.

Em junho, o Dr. Rich e os especialistas de Boston, explicaram que a ‘podridão cerebral’ não é tanto um vício na internet, mas sim um mecanismo de enfrentamento para pessoas que podem ter outros distúrbios subjacentes que podem levá-las a se anestesiar com rolagem sem sentido ou sessões de jogo muito longas.

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Tem cura?

De acordo com o psiquiatra Helian Nunes, boa parte das pessoas conseguem perceber os excessos, mas pode ser necessário fazer uma avaliação com profissional da saúde ou até uma avaliação psiquiátrica, especialmente quando existem outras comorbidades ou sofrimento mental. 'É fundamental não se acomodar ao ímpeto de fuga da realidade, que as mídias sociais facilitam demais. A realidade precisa ser enfrentada, mas pode ser necessário uma ajuda profissional’, explica.

As pessoas que apresentam indícios de ‘brainrot’ devem buscar ajuda, principalmente quando existem sintomas de ansiedade ou depressão, como prejuízo na produtividade, nos estudos, trabalho ou relacionamentos, além de sentimentos de tristeza, alterações do sono, desânimo e pensamentos mais negativos.

Uma boa notícia: é possível prevenir a condição, mantendo a qualidade de vida e promovendo a saúde. Para isso, recomenda-se desde manter relacionamentos afetivos, amizades e boa convivência, até a boa alimentação, uma boa noite de sono, atividade física (especialmente ao ar livre) e a busca de aprender coisas novas, evitando o consumo de substâncias psicoativas (bebidas alcoólicas, cigarros e outras drogas), restringindo o tempo de uso de determinadas mídias de baixa qualidade e contribuindo para ambiente mais colaborativos.

‘A diversidade de experiências positivas é muito importante, a monotonia da internet e mídias sociais não deve ser a principal atividade na vida das pessoas. Vale a pena buscar ajuda com parentes, amigos ou profissionais da saúde, quando não conseguir sozinho mudar os hábitos’, ressalta o professor.

Preocupação global

O presidente da Oxford Languages, Casper Grathwohl, falou sobre a importância da repercussão do termo ao redor do mundo.

“Olhando para a Palavra do Ano de Oxford nas últimas duas décadas, você pode ver a crescente preocupação da sociedade com a forma como nossas vidas virtuais estão evoluindo, a forma como a cultura da internet está permeando muito de quem somos e do que falamos”.

“Acho fascinante que o termo ‘podridão cerebral’ tenha sido adotado pela Geração Z e Geração Alfa, as comunidades amplamente responsáveis pelo uso e criação do conteúdo digital ao qual o termo se refere. Essas comunidades amplificaram a expressão por meio de canais de mídia social, o próprio lugar que dizem causar ‘podridão cerebral’. Isso demonstra uma autoconsciência um tanto atrevida nas gerações mais jovens sobre o impacto prejudicial da mídia social que elas herdaram”, concluiu o presidente.


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Giullia Gurgel é estudante de jornalismo e estagiária da Itatiaia.
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