O parlamento da Coreia do Sul aprovou por unanimidade, nessa terça-feira (9), o projeto de lei que proíbe a criação e o abate de cães para consumo humano.
A norma encerra a tradição de comer carne de cachorro, que se estende ao longo dos séculos no país asiático e se tornou motivo de controvérsia nos últimos tempos.
O consumo é atualmente um tabu entre os jovens urbanos da Coreia do Sul e os ativistas dos direitos dos animais aumentaram a pressão para que o governo proibisse a prática.
Assim como no Vietnã e na China, o consumo de cachorro era visto na Coreia do Sul como uma forma de vencer o calor durante o verão, sendo uma fonte de proteína barata e facilmente acessível em um período em que as taxas de pobreza eram elevadas.
A nova legislação proíbe a distribuição e venda de alimentos elaborados ou processados com ingredientes caninos.
Os coreanos que consomem carne de cão ou produtos relacionados não estão sujeitos a punição.
A lei visa restringir o mercado desse produto, punindo criadores ou vendedores de cães. Ela também pune qualquer pessoa envolvida na criação, aquisição, transporte, armazenamento ou venda de alimentos feitos de cães na Coreia do Sul.
De acordo com o projeto, qualquer pessoa que abata um cachorro para comer pode ser condenada a até três anos de prisão ou multada em até 30 milhões de won coreanos (aproximadamente R$ 112 mil).
Transição
Proprietários de fazendas, restaurantes de carne de cachorro e outros trabalhadores do comércio de cães terão um período de tolerância de três anos para fechar ou mudar de negócio, segundo o comitê.
Os governos locais serão obrigados a apoiar esses empresários na transição para outros negócios.
Atualmente, existem cerca de 1.100 fazendas de cães operando para fins alimentares na Coreia do Sul. Aproximadamente, meio milhão de cães são criados nessas fazendas, de acordo com o governo sul-coreano.
União e controvérsia
O projeto recebeu um raro apoio bipartidário em meio a polarização política que divide a Coreia do Sul. O texto teve 208 votos a favor e nenhum contra na Assembleia Nacional.
Os parlamentares se uniram para se opor à forma como a tradição se transformou ao longo das últimas décadas, durante a rápida industrialização do país, a partir das décadas de 1960 e 1970.
O projeto agora segue para o presidente Yoon Suk Yeol para aprovação final.
A proposta recebeu o apoio formal da primeira-dama Kim Keon Hee, que possui vários cães e visitou uma organização de proteção animal durante uma viagem à Holanda, em dezembro de 2023.
O apoio do governo foi reforçado pelo presidente Yoon, um conhecido amante dos animais que adotou muitos cães e gatos de rua.
Mas o projeto também encontrou a resistência de criadores de cães e proprietários de empresas, que alegam que o projeto devastará seus meios de subsistência.
Num comunicado, a Associação Coreana de Carne de Cão acusou o governo de “atropelar” a indústria e de propor o projeto de lei “sem uma única discussão” com os consumidores ou trabalhadores do meio.
“Ninguém tem o direito de roubar de 10 milhões [de consumidores de carne de cachorro] o direito à alimentação e o direito à sobrevivência de 1 milhão de criadores e trabalhadores de cães pecuários”, dizia a nota.
Em novembro, dezenas de criadores de cães reuniram-se em frente ao gabinete presidencial em Seul para protestar contra o projeto de lei. Muitos deles, levavam cães de criação em gaiolas.
Brigas eclodiram entre os agricultores e a polícia no local. Alguns manifestantes foram detidos.
Tendência de queda
O número de sul-coreanos que comem carne de cachorro diminuiu drasticamente à medida que a posse de animais de estimação se tornou mais comum.
Em uma pesquisa da Gallup Coreia, 64% dos entrevistados eram contra o consumo de carne de cachorro em 2022. O número de entrevistados que comiam o produto caiu, de 27% em 2015, para apenas 8% em 2022.
Estatísticas oficiais mostram que o número de restaurantes que servem cães em Seul, capital da Coreia do Sul, caiu 40% entre 2005 e 2014 devido à diminuição da procura.
Em uma pesquisa divulgada na segunda-feira (8) por uma organização de bem-estar animal, aponta que nove em cada dez pessoas na Coreia do Sul disseram que não comeriam carne de cachorro no futuro.
Os consumidores remanescentes são mais velhos, enquanto os sul-coreanos jovens e urbanos tendem a se opor à prática. A tendência é semelhante com a de outros países asiáticos que conservam a tradição.
Um dos líderes da campanha para a proibição, Lee Sang-kyung, explicou à CNN que o consumo de carne de cachorro aconteceu em uma época em que o acesso à alimentos era escasso, como durante a Guerra da Coreia, que aconteceu entre 1950 e 1953.
“Nossa percepção sobre o consumo de carne de cachorro e de animais em geral tem mudado nas últimas décadas”, disse Lee Sang-kyung, que atua na organização HSI Coreia, que atua na defesa dos direitos dos animais .
Ele acrescentou que a aprovação do projeto de lei se deve em parte ao aumento da vontade política, que cresceu com o interesse da primeira-dama.
Lee está otimista com o período de transição do projeto de lei para a subsistência dos criadores de cães que seguem à tona no mercado.
“Conversando com trabalhadores da indústria, sabíamos que a maioria dos produtores e matadores de carne de cachorro querem deixar a indústria, mas não sabem como sair”, disse ele.
“Com um pacote de compensação e apoio financeiro do governo, acho que é o momento certo para eles deixarem a indústria”, concluiu.
*Com informações da CNN e AFP