A partir de deferimento da 4ª Comissão Disciplinar após pedido da Procuradoria, o Tribunal de Justiça Desportiva de Minas Gerais (TJD-MG) abriu um precedente inédito a partir de punições aplicadas a Gabigol, atacante do Cruzeiro, e Alexandre Mattos, CEO do clube. No caso, não há necessidade de cumprimento dos “ganchos” em jogos da mesma competição em que foram cometidas as infrações.
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Até então, como praxe, as devidas punições se aplicavam somente às competições nas quais elas tinham origem. Por exemplo: sanções originadas em campeonatos estaduais seriam somente aplicadas a torneios estaduais.
A decisão pelo novo precedente partiu do presidente da sessão que julgou Gabigol e Mattos, o auditor Tiago Lenoir. O caso levantou debate no meio do Direito Desportivo.
“O TJD tem como principal função garantir a justiça no âmbito esportivo, e isso só é possível por meio de uma interpretação abrangente e contextualizada das normas, considerando os diversos pontos de vista e ponderando os interesses envolvidos, a fim de alcançar a decisão mais justa e equilibrada. Quanto ao Julgamento em questão, analisamos o art. 171 sob o prisma do futebol organizado, considerando sua estrutura piramidal:
- Jurídico: Constituição (art. 217, § 1º) garante autonomia ao TJD, com suas Comissões Disciplinares, Pleno e STJD, podendo chegar ao CAS em casos específicos, ou comissões próprias em casos de doping.
- Legislativo: CBJD, Lei Geral do Esporte, Estatuto do Torcedor, Constituição Federal e a “lex sportiva” (FIFA, CONMEBOL, CBF, FMF).
- Executivo: Federações estaduais ligadas à CBF, e consequentemente à Conmebol e Fifa.
A 4ª Comissão se baseou na premissa de que a estrutura do futebol organizado, possuiu este sistema de ‘guarda chuva’, termo utilizado na doutrina”, iniciou, em contato com a Itatiaia.
“Isso significa que as federações estaduais estão subordinadas à CBF, que por sua vez responde à Conmebol e à Fifa. Essa estrutura hierárquica se reflete não só na organização do futebol, mas a legislação, julgamentos e sobretudo na execução da sanção punitiva. Considerando que um atleta só pode jogar após a publicação de seu CETD no Bid da CBF, a própria CBF poderá fiscalizar o cumprimento das sanções disciplinares, especialmente em casos onde o atleta não tenha mais competições a nível estadual para disputar”, completou.
"É importante destacar que a condição de jogo para o Mineiro, conforme o artigo 33 do regulamento específico da competição, está diretamente ligada à norma superior da CBF, que gerencia os CETDs e sua publicação no BID, garantindo ampla publicidade para todos os interessados. Essa vinculação reforça a importância do BID como ferramenta de controle e transparência na gestão dos contratos de atletas, garantindo a regularidade das competições. Ao permitir que o infrator escolha quando e onde cumprir a sanção, estaríamos criando uma brecha para que ele se beneficie da própria infração”, seguiu.
Na sequência, o auditor finalizou: “Em outras palavras, ele poderia escolher as competições para descumprir as regras, o que comprometeria a integridade do esporte e a justiça desportiva. Acreditamos por fim, obviamente, respeitando a fundamentação contrária, que este tema merece ampla reflexão e debate”.
O voto emitido por Tiago Lenoir foi seguido pelos integrantes da 4ª Comissão Disciplinar do TJDMG. São eles: Leonardo Cesar Oliveira Palhares (vice-presidente), Alican Albernaz de Oliveira, Eliane Joana Santiago e Yuri Louback Azevedo Dias.
O precedente inédito foi visto com espanto por Gustavo Lopes Pires de Souza, Doutor em Direito e Mestre em Direito Desportivo. Consultado pela Itatiaia, Gustavo observa que a decisão “ultrapassou os limites da legalidade”.
“A decisão do TJD-MG no processo 022-2025 ultrapassou os limites da legalidade e impôs uma punição indevida ao Cruzeiro EC SAF e Gabriel Barbosa Almeida (Gabigol). O tribunal extrapolou sua competência, ampliando a sanção para competições nacionais sem respaldo legal, violando diretamente o CBJD e o princípio da legalidade”, iniciou.
“O julgador não pode adaptar a norma ao que acha justo, pois isso abre um precedente perigoso para a Justiça Desportiva. Se essa interpretação se mantiver, o que impede um tribunal desportivo de aplicar até mesmo o Código Penal a um atleta, sob argumento de que a punição foi branda?”, completou.
Na sequência, em post nas redes sociais, ele projetou que a medida não terá sequência. “Essa decisão fatalmente será reformada, pois contraria o próprio Código Brasileiro de Justiça Desportiva e gera insegurança jurídica no futebol brasileiro”.
E agora?
Pela determinação da 4ª Comissão Disciplinar do TJD-MG, já houve um envio de ofício, por exemplo, para que FMF e CBF cumpram o novo precedente. A Itatiaia apurou que o Cruzeiro vai recorrer da decisão que suspendeu Mattos por 30 dias e que poderia, pelo precedente inédito, tirar Mattos do próximo jogo do Cruzeiro - em caso de pena por dias úteis, não corridos.
O Cruzeiro entrará em campo novamente na estreia do Campeonato Brasileiro, em 29, 30 ou 31 de março. Na ocasião, a equipe do técnico português Leonardo Jardim enfrentará o Mirassol, no Mineirão, em Belo Horizonte.
A decisão pode cair a partir de uma análise do Pleno do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD). Para isso, contudo, a Corte precisa ser provocada por qualquer agente envolvido no caso.
As punições
O atacante Gabigol levou um jogo de suspensão, já cumprido de forma automática, pelo cartão vermelho recebido no clássico. O jogador acertou o rosto do zagueiro atleticano Lyanco ainda no primeiro tempo e foi expulso.
Mattos foi suspenso por 30 dias. O dirigente levou duas punições de 15 dias cada, já que foi incurso em dois artigos. Ele, no entanto, foi absolvido da multa de R$ 5 mil.
Mattos foi denunciado pela procuradoria do TJD-MG por ter xingado o árbitro Felipe Fernandes Lima e por ter invadido o espaço destinado ao árbitro de vídeo.
Durante o intervalo da partida, o dirigente foi até o vestiário da arbitragem e fez críticas aos responsáveis pelo apito.
Em súmula, o árbitro Felipe Fernandes de Lima revelou que Mattos, “muito exaltado”, proferiu as seguintes palavras: “Isso é uma vergonha, vocês não apitam mais jogos do Cruzeiro”.
O próprio Cruzeiro também foi punido com multa de R$ 1 mil por conta de arremessos de objetos no gramado.
Denúncia relacionada a Mattos
Mattos foi enquadrado em dois artigos do CBJD. O primeiro é o 258-B, que fala sobre “invadir local destinado à equipe de arbitragem, ou o local da partida, prova ou equivalente, durante sua realização, inclusive no intervalo regulamentar”.
O segundo é o 258, inciso II. Este fala sobre “desrespeitar os membros da equipe de arbitragem, ou reclamar desrespeitosamente contra suas decisões”.
Denúncia relacionada a Gabigol
O atacante celeste foi enquadrado no artigo 254-A do Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD), que fala sobre “praticar agressão física durante a partida, prova ou equivalente”. O camisa 9 poderia ser punido com suspensão de até 12 partidas.
Gabigol foi expulso do clássico aos 26 minutos do primeiro tempo. Inicialmente, o árbitro não entendeu que a cotovelada em Lyanco configurava infração para expulsão. No entanto, após consulta ao VAR, mudou de ideia e aplicou o cartão vermelho ao jogador.