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TJD-MG abre precedente inédito para punição em ‘caso Gabigol'; entenda

Precedente aberto diz respeito ao cumprimento de punições em jogos de competições diversas àquelas em que as penalidades foram sofridas

Disputa de bola em Cruzeiro 0 x 2 Atlético pelo Campeonato Mineiro de 2025

A partir de deferimento da 4ª Comissão Disciplinar após pedido da Procuradoria, o Tribunal de Justiça Desportiva de Minas Gerais (TJD-MG) abriu um precedente inédito a partir de punições aplicadas a Gabigol, atacante do Cruzeiro, e Alexandre Mattos, CEO do clube. No caso, não há necessidade de cumprimento dos “ganchos” em jogos da mesma competição em que foram cometidas as infrações.

A 4ª Comissão Disciplinar do TJD-MG puniu Gabigol e Mattos por conta de atos no clássico entre Cruzeiro e Atlético, em 9 de fevereiro de 2025, pelo Campeonato Mineiro. No caso em questão, mesmo que não tenha efeito prático por conta do devido contexto, a pena imposta no Mineiro seria cumprida em partidas organizadas em âmbito nacional.

Até então, como praxe, as devidas punições se aplicavam somente às competições nas quais elas tinham origem. Por exemplo: sanções originadas em campeonatos estaduais seriam somente aplicadas a torneios estaduais.

A decisão pelo novo precedente partiu do presidente da sessão que julgou Gabigol e Mattos, o auditor Tiago Lenoir. O caso levantou debate no meio do Direito Desportivo.

Na peça que abriu o precedente, Tiago Lenoir entendeu que a Federação Mineira de Futebol (FMF) está subordinada à Confederação Brasileira de Futebol (CBF), a partir de entidades possivelmente vinculadas ao “guarda-chuva” do futebol. Ele também abordou uma falta de impacto direto nas punições.

“O TJD tem como principal função garantir a justiça no âmbito esportivo, e isso só é possível por meio de uma interpretação abrangente e contextualizada das normas, considerando os diversos pontos de vista e ponderando os interesses envolvidos, a fim de alcançar a decisão mais justa e equilibrada. Quanto ao Julgamento em questão, analisamos o art. 171 sob o prisma do futebol organizado, considerando sua estrutura piramidal:

  • Jurídico: Constituição (art. 217, § 1º) garante autonomia ao TJD, com suas Comissões Disciplinares, Pleno e STJD, podendo chegar ao CAS em casos específicos, ou comissões próprias em casos de doping.
  • Legislativo: CBJD, Lei Geral do Esporte, Estatuto do Torcedor, Constituição Federal e a “lex sportiva” (FIFA, CONMEBOL, CBF, FMF).
  • Executivo: Federações estaduais ligadas à CBF, e consequentemente à Conmebol e Fifa.

A 4ª Comissão se baseou na premissa de que a estrutura do futebol organizado, possuiu este sistema de ‘guarda chuva’, termo utilizado na doutrina”, iniciou, em contato com a Itatiaia.

“Isso significa que as federações estaduais estão subordinadas à CBF, que por sua vez responde à Conmebol e à Fifa. Essa estrutura hierárquica se reflete não só na organização do futebol, mas a legislação, julgamentos e sobretudo na execução da sanção punitiva. Considerando que um atleta só pode jogar após a publicação de seu CETD no Bid da CBF, a própria CBF poderá fiscalizar o cumprimento das sanções disciplinares, especialmente em casos onde o atleta não tenha mais competições a nível estadual para disputar”, completou.

"É importante destacar que a condição de jogo para o Mineiro, conforme o artigo 33 do regulamento específico da competição, está diretamente ligada à norma superior da CBF, que gerencia os CETDs e sua publicação no BID, garantindo ampla publicidade para todos os interessados. Essa vinculação reforça a importância do BID como ferramenta de controle e transparência na gestão dos contratos de atletas, garantindo a regularidade das competições. Ao permitir que o infrator escolha quando e onde cumprir a sanção, estaríamos criando uma brecha para que ele se beneficie da própria infração”, seguiu.

Na sequência, o auditor finalizou: “Em outras palavras, ele poderia escolher as competições para descumprir as regras, o que comprometeria a integridade do esporte e a justiça desportiva. Acreditamos por fim, obviamente, respeitando a fundamentação contrária, que este tema merece ampla reflexão e debate”.

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O voto emitido por Tiago Lenoir foi seguido pelos integrantes da 4ª Comissão Disciplinar do TJDMG. São eles: Leonardo Cesar Oliveira Palhares (vice-presidente), Alican Albernaz de Oliveira, Eliane Joana Santiago e Yuri Louback Azevedo Dias.

O precedente inédito foi visto com espanto por Gustavo Lopes Pires de Souza, Doutor em Direito e Mestre em Direito Desportivo. Consultado pela Itatiaia, Gustavo observa que a decisão “ultrapassou os limites da legalidade”.

“A decisão do TJD-MG no processo 022-2025 ultrapassou os limites da legalidade e impôs uma punição indevida ao Cruzeiro EC SAF e Gabriel Barbosa Almeida (Gabigol). O tribunal extrapolou sua competência, ampliando a sanção para competições nacionais sem respaldo legal, violando diretamente o CBJD e o princípio da legalidade”, iniciou.

“O julgador não pode adaptar a norma ao que acha justo, pois isso abre um precedente perigoso para a Justiça Desportiva. Se essa interpretação se mantiver, o que impede um tribunal desportivo de aplicar até mesmo o Código Penal a um atleta, sob argumento de que a punição foi branda?”, completou.

Na sequência, em post nas redes sociais, ele projetou que a medida não terá sequência. “Essa decisão fatalmente será reformada, pois contraria o próprio Código Brasileiro de Justiça Desportiva e gera insegurança jurídica no futebol brasileiro”.

E agora?

Pela determinação da 4ª Comissão Disciplinar do TJD-MG, já houve um envio de ofício, por exemplo, para que FMF e CBF cumpram o novo precedente. A Itatiaia apurou que o Cruzeiro vai recorrer da decisão que suspendeu Mattos por 30 dias e que poderia, pelo precedente inédito, tirar Mattos do próximo jogo do Cruzeiro - em caso de pena por dias úteis, não corridos.

O Cruzeiro entrará em campo novamente na estreia do Campeonato Brasileiro, em 29, 30 ou 31 de março. Na ocasião, a equipe do técnico português Leonardo Jardim enfrentará o Mirassol, no Mineirão, em Belo Horizonte.

A decisão pode cair a partir de uma análise do Pleno do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD). Para isso, contudo, a Corte precisa ser provocada por qualquer agente envolvido no caso.

As punições

O atacante Gabigol levou um jogo de suspensão, já cumprido de forma automática, pelo cartão vermelho recebido no clássico. O jogador acertou o rosto do zagueiro atleticano Lyanco ainda no primeiro tempo e foi expulso.

Mattos foi suspenso por 30 dias. O dirigente levou duas punições de 15 dias cada, já que foi incurso em dois artigos. Ele, no entanto, foi absolvido da multa de R$ 5 mil.

Mattos foi denunciado pela procuradoria do TJD-MG por ter xingado o árbitro Felipe Fernandes Lima e por ter invadido o espaço destinado ao árbitro de vídeo.

Durante o intervalo da partida, o dirigente foi até o vestiário da arbitragem e fez críticas aos responsáveis pelo apito.

Em súmula, o árbitro Felipe Fernandes de Lima revelou que Mattos, “muito exaltado”, proferiu as seguintes palavras: “Isso é uma vergonha, vocês não apitam mais jogos do Cruzeiro”.

O próprio Cruzeiro também foi punido com multa de R$ 1 mil por conta de arremessos de objetos no gramado.

Denúncia relacionada a Mattos

Mattos foi enquadrado em dois artigos do CBJD. O primeiro é o 258-B, que fala sobre “invadir local destinado à equipe de arbitragem, ou o local da partida, prova ou equivalente, durante sua realização, inclusive no intervalo regulamentar”.

O segundo é o 258, inciso II. Este fala sobre “desrespeitar os membros da equipe de arbitragem, ou reclamar desrespeitosamente contra suas decisões”.

Denúncia relacionada a Gabigol

O atacante celeste foi enquadrado no artigo 254-A do Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD), que fala sobre “praticar agressão física durante a partida, prova ou equivalente”. O camisa 9 poderia ser punido com suspensão de até 12 partidas.

Gabigol foi expulso do clássico aos 26 minutos do primeiro tempo. Inicialmente, o árbitro não entendeu que a cotovelada em Lyanco configurava infração para expulsão. No entanto, após consulta ao VAR, mudou de ideia e aplicou o cartão vermelho ao jogador.

Matheus Muratori é jornalista multimídia com experiência em muitas editorias, mas ama a área esportiva. Faz cobertura de futebol, basquete, vôlei, esportes americanos, olímpicos e e-sports. Tem experiência em jornal impresso, portais de notícias, blogs, redes sociais, vídeos e podcasts.