Torcedor do Atlético, Felipe Garcez não levou boas lembranças do clássico contra o América, no último domingo (2), pela 13ª rodada do Campeonato Brasileiro, no Mineirão, em Belo Horizonte.
Apesar de um jogo com muitos gols (empate por 2 a 2), a tarde ficou marcada por mais um caso de homofobia nos estádios e no futebol brasileiro. Em depoimento à Itatiaia, Garcez relatou o caso de agressão que sofreu no setor Laranja Superior do estádio.
“Eu estava acompanhado por outro homem. Estávamos abraçados e tomando cerveja. Um homem vestido com trajes da Galoucura (principal organizada do Atlético) se aproximou, visivelmente incomodado. Eu entendi o que ele foi fazer ali. Assim como amigos que estavam conosco. Ele disse que não era ambiente para aquilo. Que dizia aquilo para “evitar uma situação pior"", disse.
“Ele se alterou, assim como nós nos alteramos. Houve um bate-boca. Mas também houve pessoas tentando conciliar tudo. Não aconteceu vias de fato, mas ele se aproximou com a intenção de nos agredir. E conseguiu. Verbalmente, mas conseguiu”, detalhou.
Na última segunda-feira (3), após a divulgação e repercussão do caso, o médico recebeu um contato dos responsáveis pelo administração do Mineirão para prestar apoio e oferecer orientações.
“Não relatei no momento. Foi o fim do jogo. Estávamos pegando a última ficha (de bebida) pra ir embora. Hoje entraram em contato comigo para oferecer escuta e mostrar apoio. Me orientaram sobre uma delegacia dentro do estádio, que eu desconhecia. E falaram sobre a importância de eu não optar pelo silêncio”, comentou.
Boletim de Ocorrência
Após o episódio, Felipe contou que decidiu registrar um boletim de ocorrência. Embora tenha procurado por suporte nas autoridades, ele relatou que a orientação repassada era de que não havia muito o que ser feito na situação. O médico ainda não teve retorno das autoridades.
“Eu fui desencorajado pelo policial que me atendeu. Ele me disse que não haveria caráter punitivo por eu não saber o nome e dados do agressor. Rebati que, em casos de furto, quase nunca se sabe detalhes sobre o criminoso. E, ainda assim, o registro é feito. Tive que alterar todo o boletim por conta de termos como “acompanhado de um amigo”, “devido aos atos que a vítima praticava”, entre outros”, afirmou.
“Há um despreparo para crimes como esse. Além da reprodução de comportamentos estruturalmente problemáticos. Sem retorno ainda. Fui sabendo que aquilo se tornará uma estatística, dadas as circunstâncias. Mas sei da importância de registrar que um crime aconteceu”, completou.
Punições previstas no futebol brasileiro
No início deste ano, em fevereiro, a CBF (Confederação Brasileira de Futebol) definiu regras para combater a LGBTfobia e o racismo nos estádios. O objetivo é coibir os casos, especialmente vindo dos torcedores.
No “Regulamento Geral de Competições”, a CBF detalha quatro tipos de punições para os casos de homofobia no futebol:
Advertência;
Multa de até R$ 500 mil, com o valor a ser revertido em prol de causas sociais;
Impedimento de registro e transferências de atletas e
Perda de pontos.
Por outro lado, o Supremo Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) determinou os parâmetros que configuram ofensa: “Praticar ato discriminatório, desdenhoso ou ultrajante, relacionado a preconceito em razão de origem étnica, raça, sexo, cor, idade, condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência”.
Aos atletas e/ou integrantes do clube, a entidade estabeleceu suspensão de cinco a dez partidas. Pessoas não envolvidas de forma direta com o clube (torcedores), devem ser punidos com suspensão no prazo de 120 a 360 dias, além de pagamento de multa, que pode variar de R$ 100 a R$ 100 mil.
No clássico entre Corinthians e São Paulo, pela 6ª rodada do Brasileirão 2023, o jogo foi interrompido pelo árbitro Bruno Arleu Araújo pois a torcida corintiana entoava cantos homofóbicos em “provocação” ao Tricolor. O STJD também prevê punições em casos como estes.
“Caso a infração prevista neste artigo seja praticada simultaneamente por considerável número de pessoas vinculadas a uma mesma entidade de prática desportiva, esta também será punida com a perda do número de pontos atribuídos a uma vitória no regulamento da competição, independentemente do resultado da partida, prova ou equivalente, e, na reincidência, com a perda do dobro do número de pontos atribuídos a uma vitória no regulamento da competição”, está descrito no parágrafo 1 do artigo 243-G da legislação da entidade.
Além disso, caso as ofensas partam da torcida e os indivíduos sejam identificados, a lei prevê que os responsáveis “ficarão proibidos de ingressar na respectiva praça esportiva pelo prazo mínimo de 720 dias”.
Em meio aos casos do futebol brasileiro, Felipe Garcez defendeu que a conscientização já está sendo feita, mas que maiores ações ainda precisam ser tomadas.
“A conscientização é feita. E em diversas datas e oportunidades. O que não é feita é a auto crítica. Estamos cansados de dar o recado. Eu não pago ingresso pra ensinar torcedor A ou B que agredir gays é errado. Queremos a punição. Queremos ações institucionais. Quem usa termos e cantos homofóbicos pra diminuir árbitros e adversários entende que a população LGBTQIAPN+ é motivo de chacota” afirmou.
“Colocam na conta da “cultura do futebol” porque são incapazes de se responsabilizarem pelos seus atos. Toda a responsabilidade é sempre terceirizada pra desculpa X ou Y. Se um homem se acha no direito de vir até mim pra questionar como eu demonstro o meu afeto, é porque ele sabe que está num ambiente onde ele será acolhido. Não eu”, concluiu.